Acórdão nº 352/11.7GBOBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelCALV
Data da Resolução24 de Abril de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes, em conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*** I. Relatório: No Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso, foi submetido a julgamento, em processo Sumário, o arguido A..., solteira, técnica administrativa, nascida a 04.05.1976, filha de B... e de C..., natural de ..., residente na ..., Oliveira do Bairro, Pelos factos constantes da acusação de fls. 23-25, que aqui se dá por integralmente reproduzida, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 e 2 e 69º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.

* 2.

Por sentença de 23 de Maio de 2012, o tribunal decidiu: “1. Condenar a arguida A...pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), o que perfaz o montante total de € 560 (quinhentos e sessenta euros) e, subsidiariamente, 53 (cinquenta e três) dias de prisão, caso não efectue tal pagamento; 2. Condenar a arguida A...pelo crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 2 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), o que perfaz o montante total de € 560 (quinhentos e sessenta euros) e, subsidiariamente, 53 (cinquenta e três) dias de prisão, caso não efectue tal pagamento; 3. Condenar a arguida A...

na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros), o que perfaz o montante total de € 840 (oitocentos e quarenta euros) e, subsidiariamente, 80 (oitenta) dias de prisão, caso não efectue tal pagamento; 4. Condenar a arguida A...nas penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, previstas pelo artigo 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses e 4 (quatro) meses, devendo cumprir sucessivamente tais penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor; 5. Condenar a arguida A...nas custas do processo, com taxa de justiça, que se fixa em 2 UC’s, e demais encargos do processo.” * 3.

Inconformada, recorreu a arguida, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I _ Ao contrário do que dispõe o n.º 1 do art.º 292° do CP para a condução de veículo em estado de embriaguez, o crime de condução sob o efeito de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo n.º 2 daquela norma, não constitui um crime de perigo abstrato.

Para a verificação do ilícito em causa, aquele n.º 2 impõe que o agente do crime não esteja em condições de conduzir com segurança.

Ou seja e como vem entendendo a jurisprudência, não basta a mera presença de substâncias psicotrópicas no corpo do condutor, sendo necessário que essa presença influencie e o torne incapaz de conduzir com segurança.

II _ De acordo com os depoimentos prestados em audiência de julgamento pela recorrente e pelo militar da GNR que tomou conta da ocorrência, não resulta qualquer elemento que conduza à conclusão de que a recorrente, aquando da produção do acidente (despiste automóvel), sabia que o consumo e/ou presença de substâncias estupefacientes no seu sangue a impediam de conduzir com segurança.

III _ Tal conclusão começa por resultar das passagens da gravação de áudio reportadas aos 02,27 e 04,50 minutos, respectivamente respeitantes aos depoimentos da recorrente e do agente policial, cujos teores estão reproduzidos na al. A) da motivação de recurso e que aqui se dão por reproduzidos, IV _ Por outro lado, a prova documental junta de fls. 5 a 9 dos autos, mormente o relatório pericial elaborado pelo IML (fls. 5), apenas reporta a presença no sangue da recorrente de 31 ng/ml da substância 11-nor-9-carboxi-v(delta)9-tetrahidrocanabiol (THC-COOH), acrescentando-se nas observações que "O metabolismo da marijuana cuja presença foi confirmada ... é um componente inactivo, podendo persistir no organismo durante vários dias." V - Nada ali consta - como não consta de qualquer outro elemento probatório trazido aos autos - sobre o estado da recorrente relativamente aos itens (anexo VII) a que alude o art.º 25° da portaria 902-B/2007, de 13/8, mormente, sobre o seu nível de consciência, comportamento motor, coordenação de movimentos ou reflexos.

VI _ À falta de qualquer depoimento prestado nesse sentido, só esse relatório permitiria ao Tribunal a quo concluir se a recorrente estava ou não em condições de conduzir com segurança.

VII _ Assim sendo, não estando demonstrado nos autos qualquer nexo de causalidade entre o consumo de estupefacientes e o acidente de viação ocorrido, deveria a recorrente ter sido absolvida da prática do crime p. e p. pelo art.º 292°, n.º 2 do CP.

VIII _ Conforme se extrai dos depoimentos prestados e do doc. 9 junto aos autos, a recorrente foi submetida a recolha de amostra de sangue no Hospital de Aveiro, para onde havia sido transportada de ambulância IX _ Resulta do depoimento da testemunha, militar da GNR, que a recorrente foi transportada ao hospital sem que tenha sido submetida a exame de pesquisa de álcool expirado.

X _ Todavia, quer da prova testemunhal produzida, quer da prova documental junta de fls. 5 a 9 dos autos, extrai-se que a recorrente não só não se pronunciou previamente sobre a recolha de sangue para quantificação da taxa de álcool, como não foi informada do seu resultado.

Neste particular, os pontos 2 e 3 dos factos dados como provados pelo douto Tribunal a quo limitam-se a registar a taxa de álcool no sangue da recorrente e a quantidade de metabolito de marijuana, sem qualquer referência a outros elementos, mormente, se era ou não possível proceder a exame de pesquisa no álcool no ar expirado.

XI _ Como se não bastasse, a redação dos art.ºs 156.º, n.º 2 e 153°, n.º 8, ambos do CE, resultou das alterações introduzidas pelos DL 44/2005, de 23/02 e 265-A/2001, de 28/9, sendo que estes diplomas não foram antecedidos de autorização legislativa.

Autorização que lhe era imposta pelo art.º 165°, n.º 1, b) e c), da CRP, na medida em que a nova redação daqueles preceitos do CE representa um agravamento da responsabilidade criminal dos condutores. Daí a sua inconstitucionalidade.

XII _ Do doc. 9 junto aos autos, que corporiza o anexo I que alude o art.º 9º, a) da Port.ª 902-B/2007, apenas consta ter sido feita à recorrente uma recolha de amostra de sangue, sendo que tal documento apenas se mostra assinado pelo médico que procedeu à recolha.

XIII _ No entanto, aquele art.º 9° impõe a obrigação de entregar o duplicado do impresso de recolha e análise do sangue ao examinado ou, caso não seja possível, ao agente de autoridade que requisitou o exame para que, posteriormente, o entregue ao examinado ou a quem legalmente o represente.

XIV _ Na verdade e por envolverem eventual responsabilidade criminal, os procedimentos adequados à recolha de sangue têm de ser dados a conhecer ao condutor, que deve ser esclarecido do diagnóstico, alcance e eventuais consequências dessa recolha.

XV _ Não tendo a recorrente sido previamente informada das finalidades da colheita de sangue, nem tendo sido, a posteriori, informada dos seus resultados, tal colheita padece de vício que conduz à sua invalidade.

Sem prescindir e em sede meramente subsidiária: XVI _ Pela prática do crime p. e p. pelo n.º 1 do art.º 292º do CP, foi a recorrente condenada na pena de 80 dias de multa, numa moldura penal que se situa entre os 10 e os 100 dias.

Ora, como resulta do ponto 1 dos factos apurados, a recorrente sofreu um despiste da sua viatura, sem quaisquer reflexos para com terceiros.

É primária e confessou parcialmente os factos, o que deve ser entendido em consonância com as declarações prestadas em sede de julgamento. E encontra - se bem inserida social, familiar e profissionalmente.

XVII _ Ponderando o dolo direto, a consciência e o grau da ilicitude, em concatenação com as circunstâncias favoráveis atrás descritas, a pena eventualmente a aplicar à recorrente deveria situar-se próximo do meio da pena de multa, ou seja, nos 50 dias de multa.

Tais princípios são também de aplicar à condenação autónoma pela prática do crime p. e p. no n.º 2 do citado art.º 292°.

_ Ao decidir em contrário violou o douto Tribunal recorrendo o disposto nos art.ºs 40º,44º,n.º1, 50º, 52º,54º, 70º, 71º e 292º, n.ºs 1 e 2, todos do CP, 156º, n.º 2 e 153º, n.º 8, ambos do CE, 9°, 23° e 25°, estes da Port.ª 902- B/2007, de 23/8 e, finalmente, 165°, n.º 1, b) e c), estes da CRP.

Termos em que este Venerando Tribunal deverá absolver a recorrente dos crimes de que vem acusada.

Com o que lhe será feita JUSTIÇA!” * 4.

Nos termos do artº 413 do C.P.P., veio o M.P. responder, a fls. 109/131, defendendo que deverá improceder o recurso, onde formula as (transcritas) conclusões: “1 _ Não assiste razão à recorrente ao alegar que da prova produzida não resultam factos ou elementos que permitam concluir pela verificação do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art. 292°, n.º 2 do CP.

2 _ Defende a recorrente que, ao contrário do que é estipulado pelo art. 292°, n.º1 do CP, condução de veículo em estado de embriaguez, o crime de condução sob o efeito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constitui um crime de perigo abstracto, uma vez que, para a sua verificação, é necessário demonstrar-se que o agente não estava em condições de conduzir com segurança, conforme decorre do nº 2 do referido normativo legal, não bastando, por si só, a presença de substâncias psicotrópicas no corpo do condutor, devendo aferir-se se, em concreto, a presença de tais substâncias influenciaram e tomaram incapaz o agente de exercer a condução em segurança.

3 _ Estipula o art. 292°, n.º 2 do CP que incorre na pena prevista no n.º 1 do mesmo normativo legal "quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo...

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