Acórdão nº 2488/11.5TBFIG-J.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Abril de 2013
Data | 16 Abril 2013 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra 1.Relatório S… veio apresentar-se à insolvência e requereu a exoneração do seu passivo restante, nos termos do disposto nos artigos 235º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Para tanto alegou, em síntese, que: - desenvolve actividade profissional no âmbito de construção civil, comércio a retalho de materiais de construção, metais e utilidades; - para tentar levar a bom porto a sua actividade profissional, executar os trabalhos em curso de construção civil e afins, cumprir os prazos das respectivas entregas dos trabalhos, para além de suportar as despesas individuais, e tentar auxiliar nas necessidades do seu filho, recorreu a créditos e fornecimentos a crédito perante terceiros, e assumiu obrigações, pessoalmente, situação que hoje, face à escassez de trabalho, se vê impossibilitado de cumprir; - tem um total de débitos de 326.441,15€, conforme Lista de Credores que se anexa; - tem de suportar, para além da pensão de alimentos ao seu filho menor, apenas em prestações mensais, decorrentes de mútuos bancários, valores superiores a 700 Euros; - só em despesas correntes, sem possibilidade de amortizar os supra citados encargos em dívida a fornecedores, tem um conjunto de despesas mensais que serão sempre superiores a 1.250,00 Euros, contra uma actual receita fixa mensal nula ou em média actualmente não superior a 600 € mensais; - não possui património que possa onerar no sentido de satisfazer as suas responsabilidades; - na tentativa de obter liquidez, o apresentante procedeu a inúmeras diligências junto dos seus devedores dos trabalhos executados, fornecimento de materiais de construção e prestação de serviços, no sentido de levar a bom porto o cumprimento das suas obrigações perante si; - o apresentante veio a deparar-se numa situação de grande debilidade financeira, e mesmo de ruptura total, decorrendo principalmente por ter assumido obrigações em prol da de defesa da sua actividade, o seu “ganha pão”, em esforços de tentativa de superar as dificuldades que o mercado lhe afigurava, as quais, hoje, está impossibilitado de cumprir, m função da actividade do requerente, das dificuldades que as empresas e empresários do sector vêm sofrendo, designadamente na região centro, e tendo em conta as especificidades que a mesma engloba quanto a fornecimentos a crédito e a consignação; - o apresentante, com dolo ou culpa grave, não forneceu por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza; - não beneficiou da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência e cumpre com o dever de apresentação à insolvência; - não constam no processo elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º do CIRE; - o apresentante não foi condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227º a 229º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data; - o apresentante não violou, nem violará, com dolo ou culpa grave, os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.
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Por sentença proferida a 4 de Novembro de 2011, já transitada em julgado, foi o requerente declarado insolvente.
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Realizou-se a Assembleia de Credores para apreciação do relatório apresentado pela Srª. Administradora de Insolvência, na qual se decidiu proceder à liquidação do activo, tendo os credores A…., C…, I…, J… e Ministério Público (em representação da Fazenda Nacional) votado contra a exoneração do passivo restante.
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A Srª. Administradora da Insolvência, no relatório que apresentou à Assembleia de Credores, menciona, em síntese, “que a debilitada situação económica resultou do facto do Insolvente desenvolver uma actividade no âmbito da construção civil contraindo pequenos empréstimos e adquirindo matérias-primas, mercadorias e prestação de serviço a crédito”(…); “desde o início do exercício de 2010, confrontou-se com o decréscimo abrupto do volume de trabalho, sendo que a situação se viria a agudizar no decorrer do exercício de 2011”; “ a acrescer ao facto da diminuição do volume trabalho associou-se a ausência de pagamentos de vários serviços prestados pelo Insolvente que se estimam aproximadamente em 30.000 €”(…); “Face ao exposto entende-se que no caso em apreço e atendendo ao quadro legal em vigor, deverá ser dado ao Devedor uma nova oportunidade pelo que o parecer da Administradora é favorável ao deferimento do pedido de exoneração do passivo restante”.
O Tribunal da Figueira da Foz profere, a final, a seguinte decisão: “Pelo exposto, face à globalidade das considerações acima explanadas, indefiro limiarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado nestes autos por S…, nos termos do disposto nos artigos 3º, nº 1, 18º, 237º, al. a), 238º, nº 1, alíneas d) e e) e 239º, nº 1, todos do CIRE.”.
S…, não se conformando com aquela decisão, dela recorre, concluindo assim: … O Ministério Publico responde ao recurso dizendo: … 2. Do objecto do recurso I. Deveria o Tribunal da 1.ª instância, na sua decisão, ter em linha de conta o próprio relatório da Administradora de Insolvência, favorável ao deferimento do pedido de exoneração do passivo restante? II. Não decidindo sem levar a cabo as diligências probatórias requeridas pelo insolvente? III. Admitindo-se o pedido de exoneração do passivo restante.
A Sr.ª Juiz da 1.ª instância fixou a seguinte matéria de facto: ...
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Do Direito Vamos às normas legais.
Segundo o disposto no art.º 235º do CIRE - será o diploma a citar sem menção de origem - “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo”.
Trata-se de incidente do processo de insolvência, específico da insolvência das pessoas singulares, regulado nos arts. 235º a 248º, que neste particular inovou em relação ao anterior CPEREF - no preâmbulo do DL 53.2004, de 18.03, que aprovou o CIRE, explica-se que este diploma “conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, quando “de boa fé”.
Traduz-se, portanto, num benefício que constitui, para os insolventes pessoas singulares, uma medida de protecção capaz de se materializar tanto no perdão de poucas como de elevadas quantias e montantes, exonerando-os dos seus débitos, com a contrapartida, para os credores, da perda correspondente dos seus créditos - mais se diz, em tal preâmbulo, que “a efectiva obtenção de tal benefício supõe (…) que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado por “período de cessão” - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos”, abrindo-se, deste modo, “caminho para que as pessoas que podem dele beneficiar sejam poupadas a toda a tramitação do processo de insolvência - com apreensão de bens, liquidação -, evitem quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se...
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