Acórdão nº 02056/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelJOSÉ CORREIA
Data da Resolução07 de Outubro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:I.- RELATÓRIO 1. M......., ......, SA, devidamente identificada nos autos, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IRC relativo ao exercício do ano de 1996.

Em alegação, a recorrente formula conclusões que se apresentam do seguinte modo: i) No exercício de 1996, a Recorrente constituiu uma provisão, no montante de € 6.998,32, relativa a um crédito a receber da ex-JAE; ii) De acordo com a douta sentença do Tribunal a quo, tal provisão não poderia ser fiscalmente dedutível, por a ex-JAE fazer parte integrante do Estado, lato sensu: iii) De acordo com o disposto na alínea a) do número 3 do artigo 34° do Código do IRC, não serão considerados de cobrança duvidosa, para efeitos de constituição de provisão fiscalmente dedutível, os créditos sobre o "Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval." iv) No entanto, a ex-JAE não se enquadra no conceito de "Estado", previsto no artigo 34° do Código do IRC, o qual deve ser interpretado em sentido restrito, em sede de Direito Administrativo e Comunitário, sob pena de violação dos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade e da tributação das empresas pelo lucro real; v) Desse modo, o crédito da Recorrente, sobre a ex-JAE, era passível de ser qualificado como incobrável, atenta a autonomia financeira daquela entidade; vi) Pelo que, a provisão constituída pela Recorrente tem pleno cabimento na norma prevista no artigo 34° do Código do IRC; vii) Para prova dos factos constantes nos artigos 31 a 66, 67 a 97 e 98 a 128 da pi, a Recorrente arrolou três testemunhas; viii) O Tribunal a quo julgou desnecessária a prova testemunhal arrolada pela Recorrente e considerou que não foi feita a prova dos factos controversos e essenciais para a decisão da causa; ix) Ao considerar desnecessária tal prova testemunhal, o Tribunal a quo violou manifestamente o princípio favor actionis ou pró actione; x) Pelo que, mantendo-se a decisão recorrida, ficará a Recorrente impossibilitada de produzir cabalmente as suas diligências probatórias, sem que a verdade material dos factos prevaleça em juízo.

TERMOS EM QUE ENTENDE QUE DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA DE 27/04/2007 E, EM CONSEQUÊNCIA, l) ORDENADA A ANULAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO EM CRISE, NA PARTE RESPEITANTE ÀS PROVISÕES PARA CRÉDITOS DA JAE E h) ORDENADA A REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO PARA INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS.

Não houve contra -alegações.

O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

* 2.-FUNDAMENTAÇÃO 2.1.- DOS FACTOS O Tribunal «a quo» deu como assentes as seguintes realidades e ocorrências com interesse para a decisão da causa, com fundamento nos documentos juntos aos autos: 1) A DSPIT, em acção inspectiva no âmbito do IRC, efectuou correcções fiscais ao lucro tributável da impugnante no montante de 144.563.515SOO (€721.079,78) e correcções à colecta no valor de 1.250.000$00 (€6.234,97), dando origem à liquidação adicional n.°.......

2) Nos termos do art. 77° do CIRC, a ora impugnante foi notificada da liquidação adicional para efectuar o seu pagamento até 26/1/2000.

3) Em 17/4/2000, a ora impugnante apresentou reclamação graciosa (vá. fls. 2 e ss. do processo de reclamação apenso aos autos).

4) A impugnante deduziu a presente impugnação em 15/1/2001.

*Factos não provados: Constituindo "matéria [...] relevante" para a solução da "questão de direito" art. 511.°, n.° l, do Código de Processo Civil -, nenhum.

* 2.2. - DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso as questões a apreciar no presente recurso são as de saber se as dívidas a receber da ex- J.A.E. devem ser aceites como custos dedutíveis do exercício de 1996 por se enquadrarem no artº 34º nº 3 al. a), 1ª parte, do CIRC e se a omissão de prova é redutora do direito de defesa da contribuinte.

A solução do litígio passa pela determinação sobre se, na acepção jurídico -económica, a J.A.E. é, ou não, Estado e se as suas dívidas podem configurar-se, ou não, como créditos de cobrança duvidosa.

Na sentença recorrida, seguindo o ponto de vista expresso pelo MP e que nesta instância é reiterado também pelo EPGA, as pessoas colectivas de direito público, como consideram ser a J.A.E., constituem Administração Indirecta do Estado, são entidades que, gozando de personalidade jurídica própria, autonomia administrativa e financeira, são criadas pelo Estado Administração para, com agilidade, rapidez de decisão e eficiência comercial/industrial, prosseguirem os fins relevantes do Estado, nomeadamente ao nível da satisfação das necessidades intermédias - habitação, saúde, distribuição e produção de energia eléctrica - a fim de evitar a morosidade e o centralismo do Estado Administração.

Por esse prisma, na tese da sentença recorrida, no que se refere à correcção fiscal no montante de 1.403.03 8$00, referente à constituição da provisão para o crédito a receber da JAE, sendo esta parte integrante do Estado, latu sensu, a interpretação feita pela DSPIT é correcta porquanto, a JAE é, nos termos do Decreto-Lei n° 184/78, de 18/7 (vd., maxime, artigos 1° e 3°), "um serviço público dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, sujeito à tutela do Governo através do Ministério da Habitação e Obras Públicas", pelo que a situação em apreço não se enquadra no n° l do art. 34° do CIRC, por não existir efectivo risco de incobrabilidade da dívida, mas antes no disposto no art. 34°, n° 3, al. a), ab initio, do mesmo Código.

Sufraga-se inteiramente este entendimento.

É dos princípios sobre a Administração do Estado que, com ela o Estado prossegue os fins que lhe são próprios, mas mantendo-se sempre dentro dos limites assinalados pelo direito e observando os seus preceitos. Aqueles fins reconduzem-se fundamentalmente a dois: a segurança e o bem -estar da sociedade.

A Administração Pública em sentido material ou objectivo, é a actividade típica dos organismos e indivíduos que, sob a direcção ou fiscalização do poder político, desempenham em nome da colectividade a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura, bem-estar económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o controlo dos tribunais (vd. Freitas do Amaral, Curso Dir. Adm., I, p. 49, Esteves de Oliveira, Dir. Administrativo, I, 2ª reimp., p. 43 e Gomes Canotilho, Dir. Constitucional, 3ª ed., p. 573).

Depois, há que distinguir entre administração pública directa, que é o conjunto das atribuições estaduais que o Estado guarda para gestão imediata dos seus órgãos e através dos serviços integrados na sua pessoa (M. Caetano, Manual de Dir. Adm., 10º ed., reipm., 1980, 1ª, p. 187) e a administração estadual indirecta, que, de um ponto de vista objectivo ou material é uma actividade administrativa do Estado, realizada, para a prossecução dos fins deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e financeira e, de um ponto de vista orgânico, define-se como o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa destinada à realização de fins do Estado (cfr. Freitas do Amaral, Curso Dir. Adm., I, p. 305).

O máximo traço diferenciador da administração pública indirecta radica em que as atribuições estaduais cujo desempenho, por virtude de um expediente técnico-jurídico, a lei incumbe a pessoas colectivas de direito público distintas do Estado, mas a este ligadas, pessoas colectivas que têm, entre nós, o nome de institutos públicos, no direito francês estabelecimentos públicos, no direito...

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