Decisões Sumárias nº 422/08 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução22 de Setembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 422/2008

Processo n.º 642/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

  1. O representante do Ministério Público no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a sentença de 30 de Junho de 2008 daquele Tribunal, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a aplicação do “Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõem seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do beneficio do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos pelos progenitores, o rendimento daqueles”, e, consequentemente, julgou procedente o recurso interposto por A., revogando a impugnada decisão do Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra, de 5 de Julho de 2007, que indeferira pedido de concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, formulado pelo impugnante com vista a deduzir pedido de indemnização cível no processo de inquérito n.º 48/05.9GBCNT, que corre termos no Tribunal Judicial de Cantanhede.

    A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa: (i) o agregado familiar do requerente, nascido em 27 de Fevereiro de 1988, é composto actualmente pelo próprio, pelo pai e pela mãe; (ii) o rendimento anual líquido do agregado familiar, proveniente dos rendimentos da actividade profissional dos seus progenitores, perfaz o montante total de € 19 115,62; (iii) em 29 de Dezembro de 2004, o requerente sofreu acidente de viação e devido a esse embate sofreu lesões que lhe determinaram 754 dias de incapacidade para o trabalho em geral; (iv) o autor é portador de uma incapacidade permanente geral fixável em 45% (à qual acresce, a título de dano futuro, mais 10%); (v) na altura do acidente tinha completado o 7.º ano de escolaridade na EB. 2-3 de Cantanhede. E, de seguida, para alcançar a referida conclusão, desenvolveu a seguinte fundamentação jurídica:

    “Nos termos do disposto no artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o instituto do apoio judiciário tem por fim assegurar que ninguém seja dificultado ou impedido de fazer valer ou defender os seus direitos em razão da sua condição social ou cultural ou da sua insuficiência económica.

    Para este efeito, dispõe o artigo 7.º, n.º 1, do citado diploma que têm direito a protecção jurídica os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia que demonstrem estar em situação de insuficiência económica, sendo esta entendida como a falta de condições objectivas para suportar os custos de um processo (artigo 8.º, n.º 1, do citado diploma legal).

    Como resulta do Anexo I do diploma supra citado, a insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:

    1. O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo;

    2. O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio judiciário;

    3. O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;

    4. Não se encontra em situação de insuficiência económica o requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a duas vezes o valor do salário mínimo nacional.

      A noção de rendimento relevante é assim fundamental para efeitos de protecção jurídica e vem expressamente definido no artigo 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto (ver ainda a Declaração de rectificação n.º 91/2004, de 21 de Outubro de 2004, e as alterações introduzidas pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março) como «o montante que resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica».

      Quer isto dizer que não serão atendíveis para efeitos de protecção jurídica todas e quaisquer despesas do agregado familiar mas apenas aquelas que o legislador entendeu considerar para efeitos de dedução relevante (artigo 8.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto).

      A apreciação da situação de insuficiência económica é apreciada tendo por base os rendimentos de todos os elementos do agregado familiar (pessoas que vivam em economia comum). Assim, conclui-se que a análise da situação económica do requerente feita pela entidade administrativa reflecte a situação económica e actual do requerente e seu agregado familiar (foram considerados os rendimentos do requerente ínsitos na declaração de IRS de 2006 e os valores recebido pelos progenitores a título de remunerações, tal como prescreve a Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, com as alterações da Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março).

      Quanto a despesas do agregado familiar, constata-se que foram feitas as deduções legais para efeitos de protecção jurídica no valor de € 8495,00 sendo que o rendimento anual do agregado familiar levado em conta foi de apenas € 10 621,00, que equivale a um rendimento mensal de € 885,07.

      Afigura-se, assim, que foram respeitados os critérios legais de aferição do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, sendo certo que o rendimento mensal para efeitos de protecção jurídica permite apenas concluir que se encontram preenchidos os pressupostos para lhe ser concedido o benefício pretendido na modalidade de pagamento faseado.

      Resta apreciar a questão de saber se é de aplicar/desaplicar o referido Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do apoio judiciário os rendimentos dos seus progenitores.

      Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a «todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos».

      A Lei n.º 34/2004 veio implementar uma remodelação no que respeita à delimitação/concretização da insuficiência económica como pressuposto da concessão do benefício do apoio judiciário, remodelação que começa com o n.º 1 do artigo 8.º, o qual dispõe que «encontra-se em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo». E, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito, «a prova e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei».

      Salvador da Costa defende que a «referida regulamentação em anexo não se consubstancia em delimitação do direito fundamental consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa» (Apoio Judiciário, p. 64).

      Salvo melhor opinião, mas como...

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