Decisões Sumárias nº 33/08 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2008

Data22 Janeiro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 33/2008

Processo nº 973/07 1ª Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

  1. Relatório

    Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Caminha, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., SA, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele tribunal de 6 de Junho de 2007.

    Esta decisão recusou a aplicação da norma ínsita no artigo 23º, nº 4, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, com fundamento na inconstitucionalidade da mesma, por violação do disposto nos artigos 13º, nº 1, 62º, nº 2, e 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.

  2. Fundamentação

    A norma que é objecto do presente recurso foi, recentemente, apreciada pelo Tribunal Constitucional, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).

    No Acórdão nº 11/2008, tirado em plenário, este Tribunal julgou inconstitucional, “por violação dos princípios constitucionais da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, o artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações de 1999”.

    É a seguinte a fundamentação desta decisão:

    1. A norma cuja aplicação foi recusada

    A decisão recorrida considerou inconstitucional e, consequentemente, não aplicou a norma constante do artigo 23.°, n.º 4, do Código das Expropriações de 1999, nos termos da qual “ao montante indemnizatório, determinado de acordo com os critérios previstos no Código das Expropriações deverá ser deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos.”

    Esta disposição não tinha correspondência nos anteriores Códigos das Expropriações, tendo sido uma inovação da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou o actual Código.

    Pronunciaram-se pela sua inconstitucionalidade ALVES CORREIA em “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, na R.L.J., Ano 133.º, pág. 116-119, e em anotação ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/04, na R.L.J., Ano 134º, pág. 340-352, LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 92-93, da ed. de 2000, da Almedina, VICTOR SÁ PEREIRA e ANTÓNIO PROENÇA FOUTO, em “Código das Expropriações”, pág. 86, da ed. de 2002, do Rei dos Livros, JOÃO PEDRO DE MELO FERREIRA, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 174-175, da 4ª ed., da Coimbra Editora, PEDRO ELIAS DA COSTA, em “Guia das Expropriações por utilidade pública”, pág. 263, da ed. de 2003, da Almedina, e VASCO VALDEZ MATIAS, em “Parecer sobre o Código das Expropriações”, pág. 13-15, da ed. pol. de 1999, da APAE.

    2. A posição anterior do Tribunal Constitucional

    Este Tribunal decidiu, no Acórdão n.º 422/2004 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 59º vol., pág. 687), tirado em Plenário, ao abrigo do disposto no art.º 79.º - A, da LTC, num caso em que estava em causa a mesma norma, mas em que a entidade expropriante era o Município onde se situava o terreno expropriado, não julgar inconstitucional a norma questionada.

    Considerou-se que o disposto no n.º 4, do artigo 23.º, do Código das Expropriações de 1999, não violava nem o princípio da igualdade, nem o direito a uma justa indemnização, consagrados, respectivamente, nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da C.R.P. - fundamentos então invocados para recusar a aplicação daquela norma pela sentença proferida no processo em que foi prolatado o referido acórdão.

    Posteriormente, efectuaram o mesmo juízo de constitucionalidade, por remissão para os fundamentos do acórdão acima referido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

    - n.º 585/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

    - n.º 588/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

    - n.º 625/2004 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 60.º vol., pág. 503).

    - n.º 629/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

    - n.º 643/2004 (pub. no Diário da República, II Série, de 10-1-2005).

    - n.º 644/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

    - n.º 662/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

    - n.º 683/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

    - n.º 251/2005 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

    - n.º 332/2005 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

    No acórdão n.º 625/2004 afirmou-se que “o acolhimento dessa orientação implica não apenas o acatamento do sentido da decisão das questões de constitucionalidade expressamente tratadas pelo acórdão do Plenário, mas também o respeito pela projecção que, relativamente a questões nele não explicitamente apreciadas, há que atribuir aos juízos em que se fundaram tais decisões, pelo menos quando constituam seu pressuposto lógico necessário.”

    Este raciocínio permitiu que também se considerasse, nesse acórdão e noutros posteriormente proferidos, que o disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Código das Expropriações de 1999, não violava também o princípio da não retroactividade fiscal, consagrado no art.º 103.º, n.º 3, da C.R.P..

    3. A delimitação do objecto do recurso

    A situação em que se recusou a aplicação do disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., nos presentes autos, é algo diversa da situação sobre a qual recaiu o acórdão n.º 422/2004, tirado por este Tribunal em Plenário, uma vez que aí a entidade expropriante era o próprio Município onde se localizava o terreno expropriado, enquanto neste processo a entidade expropriante é uma sociedade comercial anónima - a “A., S.A.”, concessionária da construção da auto-estrada a que se destina a parcela expropriada.

    Apesar da sentença recorrida revelar conhecer a posição que defende que o n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., deve der interpretado no sentido que o mesmo só é aplicável às expropriações em que a entidade expropriante é o Município onde se situa o terreno expropriado (vide ALVES CORREIA em “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, na R.L.J., Ano 133º, pág. 116-117, e LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 92-93), admitiu a aplicação infraconstitucional da citada norma à situação sub iudice, apenas a tendo afastado por contrariar preceitos constitucionais.

    Não competindo ao Tribunal Constitucional questionar a bondade da interpretação do direito infraconstitucional acolhida pela decisão recorrida, deve limitar-se, nos termos do art.º 70.º, n.º 1, a), da LTC, a verificar a correcção da recusa da aplicação do disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Expr., com fundamento na sua inconstitucionalidade, apesar de, neste caso, a entidade expropriante não ser o Município onde se situa o terreno expropriado.

    Por outro lado, a norma sob análise reporta-se à dedução na indemnização por expropriação da diferença entre o valor da contribuição autárquica efectivamente satisfeito e aquele que seria pago, caso se tivesse considerado como matéria colectável aquele montante indemnizatório.

    A contribuição autárquica foi um imposto de receita municipal, criado pelo D.L. n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código da Contribuição Autárquica (C.C.A.), e substituído posteriormente pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI), criado pelo Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), aprovado pelo D.L. n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que, no seu art.º 31.º, nº 1, revogou o C.C.A., determinando que deve considerar-se “a contribuição autárquica substituída pelo imposto municipal sobre imóveis para todos os efeitos legais”.

    Contudo, tendo a decisão recorrida efectuado o seu juízo de inconstitucionalidade com referência à contribuição autárquica, uma vez que o montante da indemnização, por expropriação, deve ser calculado à data da publicação da Declaração de Utilidade Pública (art.º 24.º, n.º 1, do Cód. das Exp.), que neste caso ocorreu em 18 de Agosto de 2003, ou seja em data anterior à revogação do C.C.A., é o regime desse imposto e não o do posterior IMI, que deve estar presente na presente análise de constitucionalidade.

    4. A natureza da norma

    O facto de, neste caso, a entidade expropriante não ser o Município onde se situa o imóvel expropriado e ser antes uma sociedade anónima, suscita pertinentes interrogações sobre a natureza da disposição contida no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., a qual já foi questionada na fundamentação do acórdão n.º 422/2004 e, sobretudo, no voto de vencido a ele aposto do Cons.º Vítor Gomes.

    A norma aqui em questão encontra-se inserida no diploma (Código das Expropriações) que regula a expropriação de bens imóveis e direitos a eles inerentes, de titularidade privada, por razões de utilidade pública, compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, no título (III) dedicado ao conteúdo da indemnização e no artigo (23.º) onde se explicitam os princípios e regras gerais que presidem à determinação do valor do bem expropriado, para efeito de fixação da indemnização pela expropriação.

    No n.º 4, do artº 23.º, do Cód. das Exp., impõe-se a dedução ao valor dos bens expropriados, calculado por aplicação dos critérios referenciais fixados nos artº 26.º e seguintes, do valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago nos últimos cinco anos, com base na avaliação efectuada para efeitos de determinar o montante da...

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