Decisões Sumárias nº 13/08 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução11 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 13/08

Processo nº 1088/2007 3ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Decisão Sumária

Recorrente: A.

Recorrida: Ministério Público

B., SA

C., SA

I

Relatório

  1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 24 de Outubro de 2007, que indeferiu a nulidade arguida pelo recorrente do acórdão, proferido 20 de Junho de 2007, por via do qual fora decidido “considerar que a apresentação do fax de fls. 7169 não produziu qualquer efeito e como tal prejudicada fica a sua apreciação.”

    Nos termos (essenciais) do requerimento de recurso,

    2 – Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade do artigo 122.º, n.º 1 do CPP quando interpretado no sentido em que o foi na decisão recorrida, isto é, tendo sido declaradas nulas as escutas telefónicas dos autos, tal nulidade tem como consequência ser julgada nula a decisão instrutória de pronúncia e todo o processado posterior, mas já não a acusação, que é reproduzida na íntegra naquela.

    3 – A interpretação da aludida norma, nos termos em que foi feita, viola os artigos 13.º, 18.º e 32.º da CRP.

    Cumpre decidir.

    II

    Fundamentos

  2. Adiante-se desde já que se justifica negar provimento ao recurso interposto, que tem por objecto a norma constante do artigo 122.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que, “tendo sido declaradas nulas as escutas telefónicas dos autos, tal nulidade tem como consequência ser julgada nula a decisão instrutória de pronúncia e todo o processado posterior, mas já não a acusação, que é reproduzida na íntegra naquela”, por se tratar de questão manifestamente infundada, atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional.

    Com efeito, escreveu-se no Acórdão n.º 198/2004 (publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Junho de 2004, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt):

    2.2. A concretização do direito penal material, a averiguação da existência de um crime e a determinação das consequências jurídicas deste, alcançam-se através de um procedimento (o processo penal) que podemos definir como “um complexo de actos juridicamente ordenado de tratamento e obtenção de informação que se estrutura e desenvolve sob a responsabilidade de titulares de poderes públicos e serve para a preparação da tomada de decisões”, com a particularidade de aqui se tratar de uma decisão jurisdicional, sendo que estes – os procedimentos – constituem “sistemas de interacção entre os poderes públicos e os cidadãos (actuando) basicamente como modelos de ordenação” (definição geral de procedimento de Gomes Canotilho, Tópicos de um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais, Procedimento, Processo e Organização, no Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXVI, Coimbra, 1990, pág. 163; relativamente à «recepção» do conceito de procedimento relativamente à acção penal, v. José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial – Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Natureza Acusatória, Porto, 2002, pág. 277). Neste complexo de actos ocorrem óbvios relacionamentos sequenciais que levam a que se coloque, no que aqui nos interessa, a questão da projecção de algum valor negativo ocorrido em qualquer desses actos, nos outros actos que lhe são subsequentes. Trata-se, enfim, de determinar se, e em que medida, esse valor negativo afecta o que cronologicamente aparece depois, abrangendo-o com a mesma consequência jurídica decorrente do valor negativo detectado no acto anterior.

    Esta possibilidade de projecção de efeitos assume particular importância no caso das proibições de prova. Com efeito, quando retrospectivamente se diz, encarando globalmente certo processo crime, que determinada prova não é valida, retirando-se como consequência que a mesma, embora tenha existido, deve ser tratada como se não existisse (não tivesse existido), há que determinar complementarmente – é esse, como veremos, o sentido do artigo 122º do CPP – se essa inexistência abrange ou não actos processuais (factos ou provas) posteriores que apresentem alguma conexão com o que foi considerado inexistente. Saber qual o tipo de ligação que deve conduzir à projecção da supressão do acto anterior no acto posterior, traduz aquilo que doutrinariamente se qualifica como «efeito-à-distância», indagando este “da comunicabilidade ou não da proibição de valoração aos meios secundários de prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova” (Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra 1992, pág. 61).

    2.2.1. A Constituição estabelece no artigo 32º, nº1, que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa (…)”. Esta afirmação – à qual acresce, desde a revisão constitucional de 1997, a relativa ao direito ao recurso – expressa, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, uma “cláusula geral englobadora de todas as garantias que [mesmo não incluídas nos diversos números do artigo 32º] hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal” abrangendo “indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. Coimbra, 1993, pág. 202).

    Só esta afirmação genérica contida no artigo 32º, nº. 1, da CRP, bastaria para que entre esses direitos de defesa se considerasse incluído o de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes, inválidas ou nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente relevantes. Assim, o nº. 8 do mesmo artigo 32º, mais não faz do que sublinhar e tornar indiscutível esse direito à exclusão, enquanto dimensão específica e indissociável do direito a um processo penal com todas as garantias de defesa. Não teria sentido, estando em causa valores (os elencados no artigo 32º, nº. 8) a que a Constituição confere tal importância, que a prova que os atingisse e fosse obtida com inobservância das regras que permitem a compressão desses mesmos valores, produzisse consequências processuais que ficassem aquém da nulidade dessas provas.

    Tem nesta matéria plena validade o «princípio da formalidade do processo», nos termos em que este é caracterizado por Claus Roxin (Strafverfahrensrecht, 25ª. ed., Munique, 1995, pág. 2):

    “As limitações às faculdades de intervenção do Estado, que devem proteger o inocente face a perseguições injustas e à compressão excessiva da respectiva liberdade, e que devem, também, garantir ao culpado a salvaguarda dos seus direitos de defesa, caracterizam o «princípio da formalidade» do processo [Justizförmigkeit des Verfahrens]. Ainda que a sentença consiga estabelecer a culpabilidade do arguido, o julgamento só será conforme ao ordenamento processual (princípio da formalidade), quando nenhuma garantia processual haja sido violada em desfavor do acusado.

    Num processo penal próprio de um Estado de direito, o princípio da formalidade não tem menor valor que a condenação do culpado e o restabelecimento da paz jurídica.”

    A questão que para além desta se coloca, e com a qual este processo nos confronta, é a de saber se essas (“todas as”) “garantias de defesa” não abrangem, também, numa leitura conjugada dos nºs 1 e 8 do artigo 32º e com base no «princípio da formalidade» referido, para além da invalidade da própria prova nula, a afirmação do «efeito-à-distância» dessas provas inválidas sobre outras provas válidas. Note-se que estas últimas, relativamente às quais o possível «efeito-à-distância» se coloca, constituem, quando isoladamente consideradas, meios legais de prova, aptos, em princípio, a ser utilizados no processo. A sua supressão, quando...

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