Decisões Sumárias nº 9/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução04 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 9/2008

Processo n.º 1179/07

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Relatório

Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo (n.º 12/04.5GCFLG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras) o Ministério Público requereu o julgamento de A. e B., pela prática de um crime de lenocínio agravado, p.p. pelos artigos 170.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, b), do C.P., e de C., D., E. e F., pela prática de um crime de lenocínio, p.p. pelo artigo 170.º, n.º 1, do C.P..

Realizou-se audiência de julgamento, tendo estes arguidos sido absolvidos dos crimes que lhes eram imputados, por acórdão proferido em 30-7-2007, com fundamento em que o n.º 1, do artigo 170.º, do C.P., com a redacção introduzida pela Lei n.º 65/98, violava o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.

O Ministério Público interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional com fundamento na recusa de aplicação do artigo 170.º, do C.P., por inconstitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, a), da LTC.

*

Fundamentação

A questão que constitui objecto do presente recurso já foi objecto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, o que possibilita a prolação de decisão sumária, ao abrigo do n.º 1, do artigo 78.º-A, da LTC.

Na verdade, pelos acórdãos n.º 144/2004 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional, 58.º vol., pág. 713), 196/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt) , 303/2004 (no Diário da República, 2ª série, de 27-7-2004), 170/2006, 396/2007, 522/2007 e 591/07 (disponíveis no site www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou-se reiteradamente no sentido da não inconstitucionalidade da norma em causa.

No acórdão n.º 144/2004 foram tratadas as alegadas violações do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, e dos artigos 41.º (liberdade de consciência) e 47.º, n.º 1 (liberdade de profissão), da Constituição da República Portuguesa, explanando-se, a esse propósito, o seguinte:

«…4. Está em causa, no presente processo, a eventual inconstitucionalidade da norma contida no artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, por violação dos artigos 41.º e 47.º, n.º 1, conjugados com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.

Tem o citado artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, o seguinte teor: ‘Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.

5. O ponto de vista que a recorrente apresenta ao Tribunal Constitucional consubstancia-se no seguinte:

– os bens jurídicos protegidos pela norma em crise são, em primeira linha, ‘sentimentalismos transpessoais’, valores de ordem moral e não bens pessoais como a liberdade e autodeterminação sexual;

– não sendo a prostituição em si punível, incriminar-se a actividade comercial ou lucrativa que tem por base a prostituição ou ‘actos similares’ corresponde a privar os cidadãos de exercer uma actividade profissional por imposição de regras morais.

A pergunta a que importa responder é, portanto, a de saber se fere alguma norma ou princípio constitucional a incriminação das condutas que constituem a factualidade típica do artigo 170.º.

6. Não se terá, aqui, de responder à questão geral sobre se o Direito Penal pode, constitucionalmente, tutelar bens meramente morais, questão que não pode ser resolvida sem o esclarecimento prévio do que se entende por bens puramente morais e que não pode deixar de tomar em consideração que há valores e bens tidos como morais e que relevam, inequivocamente, no campo do Direito. A relação entre o Direito e a Moral ou o Ethos tem sido objecto de uma controvérsia muito importante, sendo uma das questões fundamentais da Filosofia do Direito. Com efeito, desde a tradição liberal radicada em Stuart Mill (On liberty, 1859) ou mesmo do pensamento de Kant (Metaphysik der Sitten, 1797), em que o Direito se situa apenas no plano do dano ou do prejuízo dos interesses ou da violação dos deveres (externos) para com os outros até às concepções de uma total fusão entre o Direito e a Moral, em que se reconhece que o Direito tem legitimidade para impor colectivamente valores morais (assim, por exemplo, no pensamento anglo-saxónico, Patrick Devlin, em The Enforcement of Morals, 1965, em nome da manutenção da identidade da sociedade), tem-se mantido acesa a discussão. Apesar das duas posições extremas – a da separação absoluta entre o Direito e a Moral e a da total coincidência...

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