Decisões Sumárias nº 243/08 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução21 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 243/2008

Processo n.º 333/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26 de Fevereiro de 2008, que negou provimento ao recurso por ele interposto contra a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, de 27 de Setembro de 2007, que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Direcção-Geral de Viação, de 24 de Julho de 2006, que lhe aplicara a sanção acessória de inibição de condução pelo período de 120 dias, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 41/2002, de 20 de Agosto.

Pretende o recorrente a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, interpretado no sentido de que, paga voluntariamente a coima por contra-ordenação rodoviária, fica o arguido impedido de questionar judicialmente a existência da infracção, apenas podendo apresentar defesa relativa à gravidade da infracção, para efeitos de determinação da medida da sanção acessória, norma esta já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 45/2008, de 23 de Janeiro de 2008.

Refere, com efeito, o acórdão recorrido, no seu n.º 8, que “o presente recurso se encontra circunscrito, tal como o recurso de impugnação que o antecedeu, às questões relacionadas com a gravidade da infracção e com a sanção acessória aplicável, por força do disposto nos artigos 172.º, n.º 5, e 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, já que o recorrente procedeu ao pagamento voluntário da coima em que foi condenado”, pelo que se pode dar por verificado o requisito de a decisão recorrida ter feito efectiva aplicação da dimensão normativa questionada.

É certo que se poderia questionar a verificação do requisito da “anterioridade” da decisão do Tribunal Constitucional, considerando que, atenta a razão de ser da espécie de recurso prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, relevante será, não a data da prolação da decisão do Tribunal Constitucional, mas a data a partir da qual ela se tornou cognoscível para os restantes tribunais (cf. Acórdãos n.ºs 105/85, 106/85, 107/85, 132/85, 120/86 e 586/98), e sendo certo que o referido Acórdão n.º 45/2008 foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 44, de 3 de Março de 2008. No entanto, com a generalização da difusão da informação jurídica por via electrónica, tornou-se sustentável a atribuição de relevância à “publicação” do acórdão na página oficial do Tribunal Constitucional na Internet (publicação essa que, no caso, ocorreu em data anterior à da prolação do acórdão ora recorrido), e não apenas à publicação no jornal oficial (o citado Acórdão n.º 120/86 apenas exigiu que, à data da prolação da decisão recorrida, o tribunal a quo “já tivesse tido conhecimento, por meios públicos, do julgamento da inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional”, conhecimento que, em regra, advirá da publicação no Diário da República, mas que se admitiu poder advir por outras formas, como, por exemplo, a baixa a esse tribunal do processo onde o anterior acórdão do Tribunal Constitucional fora proferido).

A estas considerações acresce que, mesmo que se entendesse que o recurso não preenchia os requisitos da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, sempre seria admissível ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito, dado que o recorrente suscitou, em termos processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a questão da constitucionalidade da norma nesta aplicada. Fê-lo na resposta ao parecer do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora (fls. 113 a 115), onde referiu (fls. 114/115):

“(…) é inconstitucional, por violação do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o segmento do artigo 175.°, n.º 4, do Código da Estrada, na versão actual do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, quando estipula que, depois de paga a coima, apenas se pode apresentar defesa restrita à gravidade da infracção e à sanção de inibição de conduzir aplicável, sem discutir a verificação ou o cometimento da contra-ordenação, por afastamento injustificado da garantia de todos os direitos de defesa. (Vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9 de Maio de 2007, no Proc. n.º 127/06.5 TBPNC.C 1, disponível em www.trc.pt).

Destarte que o último parágrafo do artigo 175.°, n.º 4, do Código da Estrada, na actual versão do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, é inconstitucional, face ao facto de ter estabelecimento uma presunção inilidível, que acarreta a derrogação do direito de defesa do arguido.

Não foi permitido ao recorrente pronunciar-se sobre a veracidade dos factos.

Todavia, só em audiência de julgamento é atribuído à confissão o seu valor especial de meio de prova e, mesmo neste caso, fica sujeita ao controle do tribunal sobre o seu carácter livre, a veracidade dos factos confessados.

Porém, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado de sentença de condenação, devendo ser julgado com as garantias de defesa, nos termos do artigo 32.°, n.º 2, da CRP.

Deste modo, no caso em apreço, a consagrada presunção constitucional de inocência é afastada e de modo inilidível, por normativo do direito estradal.

Com o devido respeito, que é muito, e em nosso modesto entender, «(...) o arguido pode defender-se, sem quaisquer restrições, alegando mesmo a não verificação ou prática da infracção, ainda que tenha procedido ao pagamento voluntário da coima».

III – CONCLUSÕES:

(…)

4) O último parágrafo do artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, na actual versão do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, é inconstitucional, face ao facto de ter estabelecimento uma presunção inilidível, que acarreta a derrogação do direito de defesa do arguido.”

Nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, a circunstância de a questão de constitucionalidade que integra o seu objecto já ter sido anteriormente apreciada por este Tribunal permite a prolação de decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

2. Com efeito, pelo Acórdão n.º 45/2008, desta 2.ª Secção, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão...

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