Acórdão nº 08B2621 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução02 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA Complexo Industrial Gráfico, Ldª, a quem sucedeu BB, , SA, intentou, no dia 17 de Setembro de 1998, contra CC- Comércio e Indústria de Papelaria, Ldª e a Caixa de Crédito Agrícola do Montijo, CRL, a que sucedeu A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Entre o Tejo e Sado, CRL, a presente acção declarativa constitutiva, com processo ordinário, pedindo a declaração da restituição material e jurídica ao património da primeira ré de identificado prédio urbano e a ineficácia em relação a si da dação em cumprimento do referido prédio a favor da segunda ré, na medida necessária ao pagamento da dívida da primeira para com a autora, no montante de 11 241 783$80 e juros de mora, e ordenado o cancelamento do registo predial daquela aquisição.

Motivou a sua pretensão em direito de crédito sobre a ré CC, Ldª, decorrente de fornecimentos que lhe fez, reconhecido em sentença condenatória, e na circunstância de aquela ré, antes de ela poder executar aquela sentença, ter dado o referido prédio em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola do Montijo, CRL, sabendo impedir a autora de realizar o seu crédito e ser o crédito da última de valor inferior ao do prédio.

A Caixa de Credito Agrícola Mútuo de Entre Tejo e Sado, CRL, em contestação, afirmou não ser o imóvel de valor superior ao do seu crédito, não ter havido diminuição da garantia patrimonial da autora, ter hipoteca sobre o prédio, ser a autora credora comum e não se verificarem os pressupostos da impugnação pauliana, sobretudo a má fé.

CC, Ldª foi declarada falida por sentença proferida no dia 26 de Novembro de 1998, transitada em julgado no dia 31 de Dezembro de 1998.

Seleccionada a matéria de facto e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, no dia 15 de Março de 2007, por via da qual foi declarada a ineficácia em relação à autora da alienação do referido prédio e que ela podia executá-lo no património de CC, Ldª.

Apelou a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Entre Tejo e Sado, Crl, impugnando também a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 27 de Novembro de 2007, negou-lhe provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - a resposta ao quesito décimo-terceiro é manifestamente deficiente, porque não resulta de algum depoimento ter havido má fé da recorrente; - o acto impugnado não tem conexão com a impossibilidade de solvência de outras dívidas de CC, Ldª, pelo que o pressuposto da alínea b) do artigo 610º do Código Civil não está preenchido; - não visou a sonegação de bens, é prática generalizada e pública entre os bancos quando são credores hipotecários e há incumprimento do contrato de mútuo, e, por isso, de conhecimento oficioso; - não conhecia, antes da escritura, a decisão condenatória que à recorrida reconheceu o crédito, nem as dívidas de CC, Ldª e seu quantitativo, nem aquando daquela sabia ou podia saber valer o prédio mais do que consta daquela escritura; - a impossibilidade de realização integral do crédito pela recorrida não resultou directa e necessariamente da dação em cumprimento; - como credora hipotecária não lhe pode ser exigida ou sancionada a espera que eventuais credores reclamem os seus créditos, não sendo proibida a execução de garantias reais sobre prédios de futuros insolventes; - os elementos de que dispunha revelavam não ter o prédio valor real superior ao que consta da escritura, e diligenciou no sentido de se assegurar que o valor do prédio era aquele, e não retirou dela qualquer proveito que não fosse a satisfação do seu crédito; - o tribunal recorrido deu como provados factos sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é necessária para demonstrar a sua existência, porque a prova da impossibilidade de satisfação do crédito devia resultar da escritura; - a recorrente não agiu concertadamente na alienação do prédio com a consciência de que ao agir como agia prejudicava a recorrida; - tribunal errou ao considerar provada a consciência de que com a celebração da escritura de dação lhe iria causar prejuízo, interpretando erradamente o nº 2 do artigo 612º do Código Civil; - não lhe pode ser imputada a indisponibilidade patrimonial da CC, Ldª após a dação, porque apenas pretendeu assegurar o pagamento do seu crédito, que havia garantido por via de hipoteca; - a decisão recorrida viola os artigos 610º e 612º do Código Civil por errada interpretação, o que cabe corrigir no recurso, conforme a segunda parte do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil.

Respondeu a recorrida, em síntese útil de conclusão de alegação: - no recurso de revista não podem ser sindicados os factos provados sob 11 e 13 da base instrutória; - o crédito da recorrida é anterior ao acto impugnado, não foi demonstrado que o valor dos bens da alienante era superior ao das suas dívidas e, ao entregar o imóvel à recorrente, o património daquela ficou vazio, originando o prejuízo da recorrida; - se a recorrida executasse a sentença, o crédito hipotecário da recorrente era prioritariamente graduado, e, pela venda, receberia o seu crédito e a recorrida e outros credores o remanescente; - a situação configura-se, quanto ao remanescente de 21 800 000, como liberalidade para a recorrente e prejuízo para a recorrida; - a recorrente e a alienante do prédio tiverem consciência do prejuízo da recorrida, sendo que a primeira conhecia que o valor do imóvel era de cerca de 58 000 000$; - a ausência de alegação da discrepância de valores é facto menor compreendido na alegação da diferença de valores acompanhada de afirmação de ser causa do prejuízo.

II É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica: 1.

Por escritura pública de 23 de Junho de 1994, no Cartório Notarial do Montijo, representantes da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Montijo, CRL, por um lado, e de CC, Ldª, por outro, declararam, a primeira conceder à última uma abertura de crédito no montante de 35 000 000$, e a última aceitar o negócio e constituir hipoteca sobre o prédio identificado a favor da primeira para garantia do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer responsabilidades, até ao montante do crédito concedido, a qual está registada na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob apresentação no dia 17 de Agosto de 1994, conforme documento inserto a folhas 89 a 91.

  1. No exercício da sua actividade de fabrico de materiais de escritório, papelaria, álbuns fotográficos e artigos similares, a autora, entre 23 de Janeiro de 1995 e 26 de Julho de 1995, vendeu à ré CC, Ldª diversos materiais do seu fabrico, constantes das facturas insertas a folhas 8 a 45, cujo preço total foi de 10 941 427$, tendo aquelas facturas sido remetidas à última nas datas nelas apostas, tendo-as recebido sem reclamação.

  2. Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1995, ré Caixa de Crédito Agrícola do Montijo, CRL recusou, por falta de provisão, o pagamento de 10 cheques...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT