Acórdão nº 4072/04.0TVLSB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.. AA instaurou acção com processo ordinário contra Companhia BB, S. A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 750 000, acrescida de juros moratórios, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação, no qual interveio o veículo de matrícula 00-00-00, onde seguia o A..

Tendo a Ré contestado e o A. replicado, este, na sequência dos despachos de fls. 78 e 92, apresentou novas petições iniciais “corrigidas”, dirigidas contra CC Companhia de DD, S. A., Transportes EE, Lda., e Companhia de Seguros FF, S.A., pedindo a condenação dos três primeiros demandados, solidariamente, a indemnizarem o A. no montante de € 770 000 por danos patrimoniais e não patrimoniais [estes, no valor de € 300 000, em virtude do sofrimento causado à sua família, da desestruturação familiar e da degradação pessoal e moral que implica a situação de impotência para gerir o destino inerente à situação de comatose/coma vegetativo] e respectivos juros e, subsidiariamente, a condenação da última demandada a indemnizar o A. em igual quantia.

Alegou, em síntese, que no dia 06.7.2001 ao km 248,4 da Estrada Nacional n.º 1, ocorreu um acidente de viação envolvendo o veículo de matrícula 00-00-00, tripulado por GG, pertencente ao A. e no qual este seguia como passageiro, e o veículo de matrícula 00-00-00, conduzido pelo 1º Réu, propriedade da 3ª Ré e cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros se encontrava transferida para a Ré DD através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 00000000000, imputando ao condutor do veículo 00 a responsabilidade pela produção do sinistro.

Citados os 1º, 2º e 3ºs Réus e notificada a 4ª Ré, as Rés Seguradoras contestaram, tendo a Ré DD referido, nomeadamente, que o pretenso direito do A. se encontraria prescrito e que o acidente de viação em apreço ficara a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo 00.

O A. replicou, concluindo pela improcedência da defesa por excepção e reiterando os termos da petição inicial..

Após saneamento e condensação, mostrando-se comprovado o falecimento do A., , foram os seus herdeiros (viúva e filhos) habilitados para ocuparem a sua posição (apenso B).

Foram ainda apensadas a estes autos a acção de processo ordinário n.º 678/06.1TBALB (apenso C) – movida por Centro Hospitalar de Lisboa contra HH, GG, Fundo de Garantia Automóvel e Companhia de DD, S. A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 83 567,89, acrescida de juros moratórios desde a citação dos Réus, a título de reembolso das despesas hospitalares com os cuidados de saúde prestados ao 1º Réu, pedido que veio a ser contestado pelo 3º Réu e pela 4ª Ré – e a acção de processo ordinário n.º 384/10.2 T2AND (apenso D), intentada por II e outros contra as Seguradoras DD, S. A., e BB, S. A., pedindo a condenação das Rés a pagar-lhes a quantia de € 208 631,69 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e correspondentes juros moratórios, invocando, para o efeito, designadamente, a sua condição de viúva (1ª A.) e filhos (restantes AA.) do falecido A. nos autos principais, a existência de diversos danos derivados do acidente dos autos [nomeadamente, o dano de perda da vida da vítima, danos não patrimoniais da 1ª A. e danos não patrimoniais de cada um dos 2º, 3º, 4º e 5º AA., reclamando, a esse título, as quantias de € 50 000, € 25 000 e € 20 000 x 4, respectivamente] e a transferência da responsabilidade, acção que veio a ser contestada pelas Rés Seguradoras.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença em que se teve por improcedente a invocada excepção de prescrição , julgando-se a acção principal e a acção do apenso D parcialmente procedentes e provadas e a acção do apenso C procedente, por provada, e, em consequência, condenando-se a Ré Companhia de DD, S. A., a pagar aos habilitados na pessoa do falecido A. AA a indemnização de € 150 000 [autos principais], a pagar aos AA. II, JJ, KK, LL e MM a indemnização de € 151 955,60 [apenso D] e a pagar ao Centro Hospitalar de Lisboa a quantia de € 83 567,89 [apenso C], acrescidas dos respectivos juros moratórios.

  1. Inconformados quanto ao decidido na acção principal, a Ré Seguradora e os AA./habilitados interpuseram recurso de apelação, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso da R. e improcedente o dos AA., condenando a Ré a pagar aos AA./habilitados na pessoa do falecido A. AA a compensação de € 75 000 (setenta e cinco mil euros) [autos principais], mantendo-se no mais o decidido, com base na seguinte argumentação: Ficou provado, designadamente, que do embate resultaram para o A./vítima (então, com 40 anos de idade) lesões corporais e cerebrais que apresentaram um quadro clínico de irreversibilidade; em consequência do referido embate, foi imediatamente transportado de ambulância para o Hospital Universitário de Coimbra e, posteriormente, após a estabilização da sua situação clínica, foi transferido para o Hospital de S. José, onde esteve internado 40 dias; na sequência do embate e em consequência deste, esteve internado no Hospital de São José, em Lisboa, em estado de coma/vegetativo, após o que foi transferido para casa de um familiar; em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio encefálico grave em coma profundo (Score 4 G.C.S. – Escala de Glasgow) à entrada, tendo feito TAC que revelou múltiplos focos de contusão, HSA e edema cerebral difuso; durante o internamento no Hospital Universitário de Coimbra fez quadros de insuficiência respiratória aguda com derrame pleural e infecção respiratória e hidrocefalia, tendo sido aí entubado (Oro-traquial), ventilado e feito colocação de drenagem ventricular externa e posterior drenagem ventricular peritonal; em inícios de Setembro de 2001, quando da transferência para o Departamento de Neurocirurgia do Hospital de São José, mantinha coma (Socre 9 G.C.S. - escala de Glasgow), com polipneia, com intubação oro-traquial e nasogástrica e efectuou TAC-CE de controlo que revelou dilatação ventricular sem sinais de actividade ou hemorragia; foi aí operado por ortopedia às fracturas do membro superior direito (osteossíntese); em 22.3.2002, apresentava Score 10 G.C.S. mantido, em ventilação espontânea, traqueostomizado, hemodinamicamente estável; teve alta hospitalar em 20.4.2004, com o estado clínico de coma/vegetativo; desde a respectiva alta hospitalar e até ao seu falecimento, a 10.02.2007 - aos 46 anos de idade e em consequência das ditas lesões -, encontrava-se acamado e totalmente dependente de terceiros para todas as actividades da vida diária, nomeadamente, precisando de ajuda total para higiene, alimentação, mobilização e hidratação; dos vários anos decorridos até ao falecimento verificou-se uma quase definitiva anquilose de todos os grupos articulares dos membros, estando o agora falecido incapaz de comunicar; até morrer, era necessário mudar o saco de urina todas as 5/6 horas ao inditoso Hossain e eram necessárias duas/três pessoas para mudarem os lençóis e procederem à respectiva limpeza corporal; a vítima e a mulher mantinham um casamento feliz, e eram muito unidos; havia procurado em Portugal a forma de sustentar a respectiva família; até à data do acidente, era um homem saudável, trabalhador e com grande alegria de viver, com grande preocupação pelo bem-estar da sua família e muito amigo da família.

    O Tribunal recorrido considerou que a situação em análise enquadrava danos não patrimoniais consubstanciados no estado vegetativo (…) por causa das lesões corporais e cerebrais irreversíveis em consequência do acidente e que era por demais gritante que os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, em vida, em resultado do acidente de viação, em discussão, merecem a tutela do direito, tendo em consideração as repercussões profundamente nocivas que tiveram para a vida diária do A., em todas as dimensões da sua condição humana, concluindo – em face da dimensão e gravidade acentuadíssimas das lesões sofridas e das sequelas gravíssimas daí resultantes que apresentou (em consequência das quais viria a morrer), quer na capacidade de afirmação pessoal aos mais variados níveis, quer na sua aparência física (estado vegetativo) – estarem em causa prejuízos particularmente graves e que era adequado fixar-se uma compensação por todos os danos não patrimoniais sofridos pela A. no montante de € 150 000.

    6. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que os elementos disponíveis apontam para a existência de um quadro fáctico que merece adequada compensação mas, face à relativa insuficiência desses elementos para caracterizar o grau de consciência do lesado acerca do seu estado físico e psíquico (e da...

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