Acórdão nº 723/08.6PBMAI.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: O Ministério Público, representado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação do Porto, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão proferido naquele tribunal em 29 de Fevereiro de 2012, no âmbito do Processo n.º 723/08.6PBMAI, que decidiu que a ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal[1], quando punível com pena de prisão superior a três anos (no caso crime contra a vida), integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º. Em sentido oposto indicou o acórdão do mesmo tribunal prolatado em 25 de Março de 2010, no âmbito do Processo n.º 2940/08.0TAVNG, que decidiu que o crime agravado de ameaça da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º contempla os casos em que a ameaça de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º é feita através da concretização dos meios a empregar, constituindo estes crime punível com pena de prisão superior a três anos, isto é, quando se anunciam os meios a empregar na prática do crime objecto da ameaça, constituindo aqueles meios crime punível com pena de prisão superior a três anos.

Em conferência concluiu-se pela admissibilidade do recurso, face à oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito no domínio da mesma legislação, tendo-se ordenado o seu prosseguimento.

* O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões[2]: 1ª. Na exposição de motivos da lei 98/X, que deu origem à Lei 59/2007m de 4 de Setembro, expressa-se que «o crime de ameaça passa a ser qualificado em circunstâncias idênticas previstas para a coacção grave.

Por conseguinte a ameaça é agravada quando se referir a crime punível com pena de prisão superior a três anos, for dirigida contra pessoa particularmente indefesa ou, por exemplo, funcionário em exercício de funções ou for praticada pro funcionário com grave abuso de autoridade; 2ª. A evolução legislativa tem sido no sentido de punir de forma mais grave e/ou mais alargada a(s) conduta(s) do agente em situações em que o mal anunciado constitui (constituem) crime mais grave; 3ª. De resto, o legislador, desde sempre, optou por consagrar o critério de punir de forma mais grave a conduta do agente em situações em que o mal anunciado constitui crime punido com pena superior a 3 anos; 4ª. Seria, pois, incongruente que, com este desígnio legislativo, se considerasse que uma ameaça de morte, onde o mal anunciado constitui crime punível com pena de prisão de 8 a 16 anos, fosse, actualmente, punida nos termos dos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do CP, com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias; 5ª. Da interpretação conjugada dos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do CP, resulta que, quem amedrontar… outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, contra a integridade física ou contra qualquer um dos outros bens jurídicos elencados no artigo 153º do CP, é punido pelo crime de ameaça, agravada pelo artigo 155º, n.º 1, alínea a), do CP, se o anúncio ou cominação do mal anunciado consubstanciar a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; 6ª. É esta a expressão da letra da lei não sendo, pois, legítima uma interpretação que introduza/acrescente um requisito que a lei não prevê, como exigência para preenchimento da circunstância agravante; 7ª. Aliás, a acolher-se diferente entendimento, afrontar-se-ia de forma irremediável o princípio da legalidade, já que os requisitos do crime têm de estar taxativamente descritos no tipo; 8ª. Numa interpretação teleológica da norma do artigo 155º, n.º 1, alínea a), do CP – que não se destina apenas ao crime de ameaça contra a vida –, o fundamento da agravação radica no maior desvalor da acção do agente, e não numa maior culpa (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª Edição actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 479).

9ª. Por isso, é coerente a opção do legislador em punir mais severamente o agente, quando o mal anunciado constitua a prática de um crime mais grave; 10ª. Acresce que a ameaça de morte pode ser cometida através de um prenúncio de um mal que constitua crime contra a vida, punível com prisão até 3 anos, sendo, pois, irrelevantes as teses de existência ou inexistência de concurso de normas; Propõe-se, pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2012 (recorrido) e de 25 de Março de 2010 (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos: «A ameaça com a prática de crime contra a vida, punível com pena de prisão superior a três anos, sem concretização do meio do mal anunciado, integra o crime de ameaça agravada, p. e p. nos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal».

* Como se reconheceu no acórdão interlocutório, verifica-se oposição de julgados.

A questão submetida à apreciação do pleno das secções criminais deste Supremo Tribunal, tal qual vem colocada no recurso interposto, consiste em saber se a agravação do crime de ameaça prevista no artigo 155º, n.º 1, alínea a), se verifica quando o crime objecto da ameaça (obviamente um dos previstos no n.º 1 do artigo 153º), é punível com pena de prisão superior a três anos ou, ao invés, quando a ameaça (obviamente de um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º) é feita mediante o anúncio da utilização de meios que constituem crime punível com pena de prisão superior a três anos.

A posição assumida no acórdão recorrido tem por fundamento[3]: «Dispõe o artº 153º do Cód. Penal que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”. Por outro lado, o artº 155º do Cód. Penal qualifica a ameaça em função da especial gravidade do crime com o qual se ameaça, estabelecendo-se, entre outras circunstâncias que no caso não relevam, que o agente será punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos.

A ameaça é, à partida, a ameaça dum mal e o mal ameaçado tem de constituir um crime [7], ou seja, a ameaça é, em síntese, a «promessa de cometer um crime». Como nota Taipa de Carvalho [8] perante o tipo em causa, a tutela penal da liberdade é, a um tempo, negativa e pluridimensional. «Negativa, na medida em que visa impedir as ações de terceiros que afetem a liberdade de decisão e de ação individual; pluridimensional, uma vez que assume as diversas manifestações da liberdade pessoal (liberdade de autodeterminação, de movimento, de ação, sexual) como autónomos objetos de proteção penal». Segundo Miguez Garcia [9] “o bem jurídico protegido nos crimes contra a liberdade pessoal não é, pura e simplesmente, a liberdade, mas a liberdade de decidir e de atuar: liberdade de decisão (formação) e de realização da vontade. No crime de ameaça a proteção materializa-se também no sentimento de segurança: a ameaça é um crime de perigo contra a paz interior”. É certo que o artº 153º do CP se refere à vida, à integridade física e ao património. Contudo, a tutela conferida a esses bens jurídicos é apenas indireta, pois o que diretamente se criminaliza é a lesão da liberdade de ação ou de decisão, ou seja, a liberdade pessoal. Diferentemente do Cód. Penal de 1886 e da redação primitiva do Cód. Penal de 1982 (em que bastava a ameaça da prática de um qualquer crime) [10], a revisão de 1995 restringiu a amplitude deste elemento, especificando que o crime, objeto da ameaça, tem de ser “contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”. No âmbito da Comissão Revisora do Código Penal de 1995 o Prof. Figueiredo Dias “salientou as dificuldades em tipificar as condutas de molde a evitar sobreposições. Quanto às ameaças, propõe-se um alargamento da matéria proibida e, por outro lado, estreita-se a sua aplicação pela indicação dos bens ameaçados” [11]. Ou seja, o legislador de 1995, entendendo que a referência genérica à “prática de crime” seria suscetível de nela fazer integrar qualquer facto ilícito típico, criando o perigo de tornar punível toda ou...

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