Acórdão nº 08A2210 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Setembro de 2008
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 16 de Setembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
1 Agravo.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, S.A.
e; BB, S.A., intentaram pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa - 1ª Vara - acção de simples apreciação com processo ordinário, contra: CC, S.A.
Alegando a sua discordância relativamente aos valores cobrados pela Requerida, através dos Avisos de Lançamento que indicaram, por violarem o disposto no n.º4 das Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato, requerendo ao Tribunal que "determinando qual o sentido da interpretação dos n.º 4 das Cláusulas 1ª e 4.ª do Contrato celebrado em 7 de Junho de 2002, declare: a) - que a 1.ª Autora é devedora pelo capital de € 9.975.957,94; b) -que a esse capital acrescem juros calculados à taxa anual de 3,572%, desde 8 de Fevereiro de 2002 até efectivo e integral pagamento (juros que em 16 de Novembro de 2005 ascendiam a € 1.344.333,85); c) - que a 2.ª autora é responsável solidária pelos montantes devidos pela 1.ª autora; d) - que para a remuneração do Contrato não foi prevista qualquer mora ou outros encargos para além dos fixados e das obrigações fiscais que incidem sobre os mesmos (como por exemplo, o imposto de selo) e; e) -que não foi, nem está prevista a capitalização de juros" A CC considera a 1ª Recorrente devedora de € 12.455.168,58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos) enquanto que estas (e a 2ª Autora) cifram a sua dívida apenas nos € 11.320.291,79 (onze milhões, trezentos e vinte mil, duzentos e noventa e um euros e setenta e nove cêntimos).
A Ré contestou enfatizando o incumprimento das AA., do contrato a que aludem, sustentando que inexiste da parte delas, demandantes, interesse em agir.
Foi proferido despacho de fls. 329 a 335 que absolveu a Ré da instância por falta de interesse em agir.
Inconformadas as AA. recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 11.2.2008 - fls. 451 a 478 - negou provimento ao recurso, confirmado o despacho recorrido.
De novo inconformadas as AA. recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1. As Recorrentes intentaram uma acção de simples apreciação com vista a que o Tribunal definisse se os montantes exigidos pela Recorrida eram ou não devidos - e em que medida - e se o nº4 das Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato celebrado com as Recorrentes em 7 de Junho de 2002 (doravante, o "Contrato"), no qual a Recorrida funda as suas exigências, efectivamente, lhe confere os direitos a que se arroga.
II. No fundo, as Recorrentes, perante as exigências da Recorrida - que são desconformes e ultrapassam as obrigações a que aquelas razoavelmente se julgam vinculadas e que previsivelmente resultam do Contrato - pretendem que o Tribunal, ao definir a interpretação das cláusulas referidas no parágrafo anterior e das obrigações das partes, assegure, por essa via, que as Recorrentes estarão em condições de cumprir o Contrato.
III. Sucede, porém, que tanto o Tribunal de 1ª instância como o Tribunal da Relação de Lisboa, decidiram que às ora Recorrentes faltaria interesse em agir para intentar uma acção de simples apreciação.
IV. A decisão de tal Tribunal assenta em dois pressupostos fundamentais: as Recorrentes não se encontram numa situação de incerteza grave e objectiva causadora de prejuízos relevantes e, por outro lado, a acção de simples apreciação não é o meio processual adequado para reagir atento o circunstancialismo do caso concreto.
V. Não podem, no entanto, as Recorrentes conformar-se com essas decisões.
VI. Antes mesmo de se analisar os fundamentos da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, cumpre, desde já, repudiar - veementemente - a ideia segundo a qual as Recorrentes não estariam interessadas em cumprir as suas obrigações e que a acção que deu causa ao presente recurso seria apenas um expediente quase preventivo para obstar a uma possível execução; VII. Por outro lado, nota-se ainda que o interesse em agir é um pressuposto processual, e, por isso, deve ser aferido antes do Tribunal conhecer do mérito da causa e, consequentemente, antes do julgamento dos factos, pelo que a sua verificação - ou não -‘ deve basear-se tão-somente nos factos descritos pelo Autor e nos precisos termos em que este os configura, visto que ainda não houve oportunidade de produzir prova e assim destrinçar os factos provados dos não provados (cfr. ANTUNES VARELA, "Manual de Processo Civil", 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 195 e PAIS DE AMARAL, "Direito Processual Civil", 6ª Edição, Almedina, 2006, pág.77); VIII. Desta perspectiva, e em face da factualidade vertida no ponto I das alegações, para onde se remete, não se vislumbra como pôde o Tribunal da Relação de Lisboa ter considerado que não existia no caso em apreço incerteza grave e objectiva justificativa da intervenção judicial; IX. De facto, na petição inicial corrigida, as Recorrentes vincaram as suas dúvidas e discordância sobre a interpretação do Contrato imposta pelo Recorrida, sobre as obrigações que, no entender da Recorrida, dele emergem e quanto aos valores cobrados pela Requerida, através dos Avisos de Lançamento já referidos, uma vez que - no seu entender - os mesmos violam o disposto no nº4 das Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato; X. Por isso, requereu-se ao Tribunal de 1ª instância que, a final, "determinando qual o sentido da interpretação dos nº4 das cláusulas 1ª e 4ª do Contrato celebrado em 7 de Junho de 2002, declare.
f) que a 1ª Autora é devedora pelo capital de € 9.975.957,94; g) que a esse capital acrescem juros calculados à taxa anual de 3,572%, desde 8 de Fevereiro de 2002 até efectivo e integral pagamento (juros que em 16 de Novembro de 2005 ascendiam a €. 1.344.333,85); h) que a 2ª autora é responsável solidária pelos montantes devidos pela 1ª autora, i) que para a remuneração do Contrato não foi prevista qualquer mora ou outros encargos para além dos fixados e das obrigações fiscais que incidem sobre os mesmos (como por exemplo, o imposto de selo) e, j) que não foi, nem está prevista a capitalização de juros".
XI. Entende a boa Doutrina que existirá sempre interesse em agir quando da concessão da tutela judiciária pretendida resulte uma alteração da posição das partes perante o litígio; XII. Seguindo estes ensinamentos, deveria o Tribunal ter reconhecido que apenas comparando a situação em que as Recorrentes se encontravam antes da propositura da acção, com aquela que existiria se a tutela desejada tivesse sido concedida, estaria o mesmo em condições de apurar se existe ou não interesse em agir das Recorrentes (cfr. neste sentido MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, "As partes, o objecto e a prova na acção declarativa", Lex, pág. 98); XIII. Sucede que dessa comparação, inevitavelmente, resulta que, se o Tribunal de 1ª Instância houvesse dispendido a tutela desejada, ter-se-ia definitivamente: (i) fixado que a 1ª Recorrente é principal devedora de € 9.975.957,94 (nove milhões, novecentos e setenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos), e, que, sendo a 2ª Recorrente responsável solidária por essa dívida, não poderia a Recorrida voltar a interpelá-la para proceder a pagamentos indevidos ou de montante distinto daquele exigido à 1ª Recorrente; (ii) reconhecido que o montante dos juros ascendiam, em Novembro de 2005, apenas a € 1.344.333,85 (um milhão, trezentos e quarenta e quatro mil, trezentos e trinta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), e não ao montante indevidamente liquidado pela Requerida; (iii) estabelecido que para remuneração do Contrato não fora prevista qualquer mora ou outros encargos, ao contrário do que pretende a Recorrida; e (iv) decidido não ser lícita qualquer capitalização de juros, o que impede a Requerida de cobrar ilicitamente juros sobre juros; XIV. Em especial, essa decisão judicial viria impossibilitar a Recorrida de continuar a exigir às Recorrentes o cumprimento de uma prestação diversa daquela a que as Recorrentes razoável e presumivelmente se haviam vinculado; XV. Desta perspectiva, deveria o Tribunal ter reconhecido a existência de interesse em agir, uma vez que a acção intentada altera substancialmente a posição relativa das partes, esclarecendo a incerteza que paira sobre o Contrato, e tem consequências muitíssimo relevantes no âmbito da vida patrimonial de cada uma das mesmas.
XVI. Deve também reconhecer-se que existe sempre incerteza quando o devedor - in casu, as Recorrentes -, que pretende cumprir as suas obrigações emergentes de certo contrato, se vê confrontada com uma situação em que o credor - a Recorrida -, lhe exige prestações substancialmente diferentes e/ou superiores àquelas a que se julgara adstrito e que razoavelmente poderia esperar que para si emergissem do contrato; XVII. No caso concreto, essa situação de incerteza materializa-se em: (i) a Recorrida entende ser credora de € 12.455.168,58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos) enquanto que as Recorrentes apenas se reconhecem devedoras de f 11.320.291,79; (ii) a Recorrida exige o pagamento de taxas de juros diferenciadas, enquanto as Recorrentes entendem que sobre o capital em dívida apenas acrescem juros calculados à taxa anual única de 3,572%, desde 8 de Fevereiro de 2002 até efectivo e integral pagamento (juros que em 16 de Novembro de 2005 ascendiam a € 1.344.333,85); (iii) a Recorrida, ao interpelar simultaneamente a 1ª e 2ª Recorrente, quando só uma delas é devedora principal da dívida, demonstra que, no seu entendimento, ambas as Recorrentes são devedoras do montante total de € 12.455.168,58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), o que as Recorrentes efectivamente contestam; (iv) as Recorrentes consideram que não foi prevista qualquer juro de mora ou outros encargos para além dos fixados no Contrato e das obrigações fiscais que incidem sobre os mesmos (como por exemplo, o imposto de selo); e (v) por...
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