Acórdão nº 00896/08.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução22 de Junho de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:I RELATÓRIO 1 .

PJ. …, identif. nos autos, inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 25 de Março de 2011, que, no âmbito da acção administrativa comum, sob forma ordinária, em sede de despacho saneador, absolveu da instância o R./Recorrido HOSPITAIS da UNIVERSIDADE de COIMBRA - HUC, quanto aos pedidos constantes das als. b) e c) da pi [na al. b) peticiona-se "A quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença pelo trabalho nocturno, em dias de descanso semanal ou feriados, prestado em regime de escala durante os meses de Novembro e Dezembro de 2006;” e na al. c), o A./Recorrente requer o pagamento da " ... quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença pela prestação de trabalho extraordinário, nocturno, em dias de descanso semanal ou feriados no Centro de Cirurgia Cardiotorácica, seja no âmbito da preparação de doentes (vulgarmente denominado pré-operatório) seja também na prevenção para a colheita de órgãos (nomeadamente o coração)], por terem sido considerados genéricos e, posteriormente, em sede de decisão final, julgando parcialmente procedente a acção, apenas condenou os HUC a pagar ao A./recorrente, enquanto remuneração do trabalho extraordinário prestado de segunda a sexta feira, antes das 19h, no mês de Janeiro de 2003, a quantia de 835,56 €, acrescida de juros de mora desde 31 de Janeiro de 2003 e, enquanto remuneração de trabalho extraordinário prestado antes das 18 horas em Outubro, Novembro e Dezembro de 2006 (certamente por lapso, refere-se 19 foras - cfr. al. a) do pedido - fls. 35 dos autos - e ponto 9 dos factos provados), de segunda a sexta feira, a quantia de 1829,52 €, a que acrescem juros desde 31 de Dezembro de 2006, sendo que, no mais que ainda era objecto de apreciação – remuneração de trabalho extraordinário prestado em tempo nocturno e em dias de descanso semanal ou feriados, entre Fevereiro de 2003 e Outubro de 2006 – julgou improcedente a acção.

* O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo: "1ª Ao absolver no despacho saneador o Réu da instância relativamente aos pedidos formulados nas alíneas b) e c) com o argumento de se tratarem de pedidos genéricos e por via disso legalmente inadmissíveis, o Tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento, considerando inadmissível a formulação de pedidos genéricos que expressamente eram admitidos pelas alíneas a) e c) do nº 1 do artº 471º do CPC e denegando a realização de justiça relativamente a tais pedidos, ao arrepio dos direitos fundamentais de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva, consagrados no artº 20º e 268º/4 da Constituição.

Na verdade, 2ª Os pedidos genéricos são aqueles em que é “…indeterminado o seu quantitativo…” e pressupõe dois processos sucessivos, o primeiro para se saber “…se o réu deve…” e o segundo para se apurar “ …quanto deve….

” (v. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao CPC, 3º Vol., págs. 170 e 171), pelo que estando em causa na presença acção uma universalidade de facto – o conjunto de todas as horas extraordinárias prestadas pelo A – e a fixação do quantitativo devido dependente de um facto a praticar pelo Réu - justamente a apresentação das escalas de serviço correspondentes aos meses em que o trabalho fora prestado (como logo foi peticionado no final da petição inicial) – é por demais inquestionável que os pedidos formulados pelo A. tinham cobertura nas alíneas a) e c) do nº 1 do artº 471º do CPC.

3ª Consequentemente, deveria o Tribunal a quo ter levado à base instrutória os factos em que se alicerçavam tais pedidos, maxime os alegados nos artºs 19º, 23º, 26º e 27º da p.i., para depois, em função da prova produzida, julgar procedentes ou improcedentes tais pedidos, pelo que o despacho saneador, ao julgar inadmissíveis tais pedidos, violou o citado artº 471º do CPC e os direitos fundamentais de acesso à justiça e à tutela judicial efectiva, tanto mais que a nossa jurisprudência já teve oportunidade de concluir que“…na falta de prova dos concretos dias em que foi prestado o trabalho suplementar e do exacto valor da retribuição, relevante para efeito do cálculo do montante em dívida, nada impede que, ao abrigo do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, seja proferida condenação ilíquida, relegando-se a liquidação para momento ulterior à prolação da sentença…” (v., entre outros, o Ac. do STJ de 17/12/2009, Proc. nº 713/05.0TTGMR.S1, in www.dgsi.pt;).

Acresce que, 4ª A sentença em recurso enferma da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artº 668º do CPC por haver uma total contradição entre os fundamentos de facto – dos quais resultam que o A. estava escalado pelos dirigentes do serviço para prestar actos médicos no período nocturno e para além do seu horário normal de trabalho (v. artºs 20º, 21º, 24º e 26º da matéria dada por provada) – e a decisão alcançada - que considera que o trabalho levado a efeito pelo A. no período nocturno era trabalho voluntário e, como tal, não poderia ser remunerado.

5ª A nulidade da sentença em recurso por contradição entre os fundamentos de facto e de direito é ainda bem evidente quando, logo após ter dado por provado que as escalas nocturnas onde figurava o A. eram elaboradas pelo chefe de serviço de acordo com as orientações do Director do Centro (v. artº 21º), o Tribunal a quo concluiu que não se estava perante trabalho extraordinário por a prestação de serviço médico pelo A. não ter sido autorizada pelo dirigente do serviço.

Por fim, 6ª Há igualmente uma contradição total entre os próprios fundamentos de facto, pois se se deu por provado que o A. sabia que as horas nocturnas nunca seriam assinadas pelo dirigente do serviço e mesmo assim reclamou o seu pagamento (v. artºs 31º e 33 da matéria dada por provada), não se poderia dar igualmente por provado que o A. aceitou trabalhar sem remuneração no período nocturno (v. artº 30º da matéria assente).

Para além disso, 7ª Ao dar por provado que “O autor considera-se pago do trabalho prestado entre as 16 e as 19 horas e as 16 e as 18 h dos dias úteis entre Fevereiro de 2003, inclusive, e Setembro de 2006, inclusive” (v., alínea M dos factos dados por assentes no saneador, que corresponde ao nº 11 da matéria dada por provada pela sentença), o Tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento, violando frontalmente o princípio do dispositivo consagrado nos artºs 264º e 664º do CPC, um vez que tal facto não foi alegado por nenhuma das partes (não constando nem da p.i nem da contestação) e da circunstância de se dizer que determinadas horas extraordinárias não foram pagas não se pode (sem que alguém, ao menos, o tivesse alegado) dar por provado que o A. se considerava pago das demais horas extraordinárias efectuadas.

Por outro lado, 8ª Estando provado que o horário normal do A. terminava às 16 horas (v. artº 4º da matéria dada por provada), estando provado que desde Fevereiro de 2003 constava da escala dos médicos que estavam de serviço no período nocturno e nos fins de semana e feriados (v. artº 20º da matéria assente) e estando provado que o A. esteve presente no serviço nos dias em que estava escalado e ali praticou actos médicos próprios do internato médico (v. artºs 23º e 26º da matéria dada por provada), é por demais manifesto o erro de julgamento em que incorreu a sentença em recurso ao considerar que tal trabalho era voluntário e, como tal, não podia ser qualificado como extraordinário, sobretudo quando se sabe que o Tribunal a quo também deu por provado que as ditas escalas eram elaboradas pela direcção do serviço (v. artº 21º da matéria assente).

Na verdade, 9ª Seja por força da aplicabilidade do regime jurídico do funcionalismo público – uma vez que o A. estava contratado em regime de contrato administrativo de provimento, o qual lhe outorgava a qualidade de agente administrativo e o sujeitava à disciplina jurídica específica do funcionalismo público (PAULO VEIGA E MOURA, in Função Pública. Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos funcionários e agentes, 2ª ed. pág. 202) - seja por força da normação específica do internato médico – que impunha que os horários dos internos fossem idênticos aos dos médicos de carreira e lhes conferia idênticos direitos no tocante ao trabalho extraordinário (v. artºs 15º/4 e 19º/1 do DL nº 128/92 e os artºs 16º e 21º do DL nº 203/2004) - , é por demais inquestionável que os internos têm um horário de trabalho igual aos dos médicos especialistas dos serviços onde fazem o internato e têm os mesmos direitos que a estes são reconhecidos em matéria de trabalho extraordinário, pelo que se prestarem trabalho fora do seu horário normal de trabalho têm direito a auferir o acréscimo remuneratório legalmente devido.

Ora, 10ª Tal como os médicos especialistas de cirurgia cardiotorácica estavam obrigados a prestar trabalho no período nocturno (das 19.00 às 07.30 horas), também os internos dessa especialidade estavam obrigados a prestar serviço em idêntico período, sendo justamente por essa razão que o nome do interno acompanhava sempre o nome do especialista nas escalas de serviço nocturno aprovadas pela direcção do serviço.

Aliás, 11ª Se os actos médicos praticados no período nocturno no serviço de cirúrgica cardiotorácica eram absolutamente essenciais para a formação do interno – como todas as testemunhas realçaram – e integravam o seu plano de formação – como deu por provado o Tribunal a quo nos artºs 24º e 26º dos factos assentes -, então seguramente que nunca a presença do interno naquele período poderia ficar na sua voluntariedade, antes tendo de ser imposta através da sua convocatória na escala de serviço, como efectivamente o foi – até por a formação dos internos ser um dever do hospital e, como tal, este não poder deixar na disponibilidade da vontade dos internos aprender ou não aquilo que é obrigatório ensinar-se e permitir-lhes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT