Acórdão nº 0621/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução15 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório A……. vem recorrer para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Acórdão da 1.ª Secção do Contencioso Administrativo, proferido em 23 de Fevereiro de 2012.

O acórdão sob recurso julgou improcedente a ação administrativa especial intentada contra a Presidência do Conselho de Ministros e Ministério dos Negócios Estrangeiros e, por conseguinte, determinou a validade dos quatro actos de promoção à categoria de embaixador da carreira diplomática dos Ministros Plenipotenciários B……, C……, D…… e E…… .

Terminou a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. O aqui Recorrente intentou no Supremo Tribunal Administrativo - Secção do Contencioso Administrativo (STA) acção administrativa especial, na qual impugnou quatro actos administrativos, sob forma de decreto, que determinaram a promoção de quatro ministros plenipotenciários à categoria de embaixador.

  1. Como causa de pedir, o ora Recorrente invocou a invalidade dos actos impugnados, por falta absoluta de fundamentação e, também, por desvio de poder e ofensa dos princípios constitucionais da igualdade e da imparcialidade.

  2. A decisão do STA considerou improcedente a impugnação, louvando-se na suposta natureza política, ou equiparada, dos actos de promoção, que seria confirmada pela circunstância de serem praticados por decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos actos políticos (sic).

  3. E, em resultado desta peculiar natureza, estes actos seriam praticados pelo MNE no exercício de discricionariedade pura, dispondo o ministro de total liberdade de escolha (sic). Assim sendo, não integrariam o universo dos actos administrativos sujeitos a fundamentação (sic).

  4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de tais actos, apesar dos espaços de valoração próprias da Administração, não podem ser subtraídos ao princípio da legalidade nem ao controlo dos tribunais, tendo emitido parecer no sentido da Acção ser julgada procedente.

  5. Na decisão recorrida, estão em causa actos que procederam à promoção à categoria de embaixador de diplomatas de carreira titulares da categoria de ministro plenipotenciário.

  6. Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Estatuto da Carreira Diplomática, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, o acesso à categoria de embaixador é aberto a todos os ministros plenipotenciários que tiverem cumprido quatro anos de serviço na respectiva categoria e um mínimo de oito anos nos serviços externos.

  7. O Autor aqui recorrente cumpre estes requisitos.

  8. Trata-se, pois, de actos integrados na normal progressão na carreira profissional dos diplomatas, como reconhece o próprio STA, ao acentuar que a sua prática se encontra dependente daquilo a que a doutrina jus-administrativa designa por pressuposto de facto da prática do acto administrativo: a existência de vaga na categoria a que se acede.

  9. O termo «embaixador» não é unívoco quanto ao seu significado e esta dualidade é importante porque é ela que ajuda a bem caracterizar os actos impugnados no processo.

  10. Aquele termo pode designar o diplomata que já foi promovido à categoria de embaixador.

  11. Mas também pode designar aquele que, ainda que não detendo tal categoria profissional, foi efectivamente nomeado representante do Estado português num Estado estrangeiro.

  12. O próprio MNE, na sua intervenção processual, sublinha esta dualidade, confirmando que o interessado é embaixador de Portugal em …… e acrescentando que existem muitos outros países em que o Estado português é representado por ministros plenipotenciários ou, até, por embaixadores fora da carreira (sic).

  13. Ora, no processo judicial em causa impugnaram-se actos de promoção à categoria de embaixador e não actos de nomeação de embaixadores de Portugal neste ou naquele país.

  14. A hipotética exclusão da jurisdição administrativa poderia justificar-se para estes último, mas nunca para aqueles, ou seja para o caso do Recorrente.

  15. Não é aceitável banalizar o recurso à qualificação de um acto como político ou equiparado, com o objectivo de excluir da jurisdição administrativa actos cuja apreciação possa causar maior incómodo ao Poder.

  16. Em suma: os actos de promoção à categoria de embaixador não merecem a qualificação de actos políticos ou equiparados, não podendo o seu julgamento ser excluído da jurisdição administrativa.

  17. Trata-se de verdadeiros actos administrativos, como tais devendo ser apreciados judicialmente.

  18. E no que respeita ao argumento do STA de que a promoção à categoria de embaixador é efectuada através de decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos actos políticos ou actos administrativos do Governo, associada a actos de poder, a actos de autoridade (sic), limitamo-nos aqui a indicar dois exemplos de actos praticados sob forma de decreto: a. A classificação de um bem como de interesse nacional, nos termos do artigo 28,°, n.º 1, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro; b. A classificação de um imóvel como monumento nacional - de que é exemplo o Decreto n.º 18/2010, de 28 de Dezembro, que procede à classificação como monumento nacional da igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa.

  19. Não estamos perante actos políticos - nomeadamente para efeitos da exclusão da impugnabilidade contenciosa - mas antes perante verdadeiros actos administrativos do Governo, actos de poder, actos de autoridade, que, sem qualquer dúvida, são impugnáveis.

  20. Quanto ao disposto na Lei Orgânica do MNE, cujo n.º 2 do artigo 21.° dispõe que a promoção à categoria de embaixador é efectuada por decreto do Governo, no exercício da função política, nos termos da Constituição e da lei, esta norma é muito posterior aos actos impugnados e não foi, nem poderia ser, dotada de aplicação retroactiva.

  21. O próprio tribunal o reconhece, ao referir que a expressão no exercício da função política não existia na lei anterior, vigente à data da prática dos actos impugnados.

  22. As coisas são o que resulta da sua natureza e regulamentação e não aquilo que o legislador afirma serem.

  23. O facto de o legislador lhes chamar actos praticados no exercício da função política é irrelevante.

  24. Fê-lo, seguramente, para iludir o controlo contencioso, mas tal qualificação não vincula o aplicador, nomeadamente o tribunal, sendo perfeitamente legítimo discutir a natureza de tais actos e chegar a um resultado diverso: a de que se trata de verdadeiros actos administrativos, perfeitamente susceptíveis de apreciação jurisdicional.

  25. Fossem os embaixadores promovidos por decreto-lei e, nem assim, deixaríamos de estar perante um acto administrativo contenciosamente impugnável.

  26. Não podem, assim, restar dúvidas de que se trata de verdadeiros actos administrativos, impugnáveis contenciosamente.

  27. Relativamente à questão da fundamentação, na decisão recorrida é defendido que, uma vez que os ministros plenipotenciários - nem os promovidos, nem os impugnantes - não teriam um direito subjectivo ou, sequer, um interesse legítimo, na promoção à categoria de embaixador, os actos de promoção não estariam sujeitos ao dever de fundamentar.

  28. Nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição, desenvolvidos e concretizados pelo artigo 124.º, n.º1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo (CPA), devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.

  29. O dever de fundamentação é uma das mais relevantes garantias dos particulares, permitindo o controlo da legalidade dos actos, sendo mesmo imprescindível para que a fiscalização contenciosa possa efectivamente ocorrer.

  30. Não há dúvidas, assim, quanto ao sentido do imperativo constitucional-legal, de que devem ser fundamentados os actos lesivos de interesse de terceiros.

  31. Ora, o ora Recorrente era um dos ministros plenipotenciários que preenchia as condições para ser promovido à categoria de embaixador, a mais elevada da sua carreira, como o próprio MNE reconhece.

  32. Não existindo naquela categoria vagas de embaixador suficientes para a promoção de todos os ministros plenipotenciários em condições de o ser, somente alguns poderiam ser promovidos.

  33. Qualquer um deles teria, portanto, um interesse particular em que os preceitos legais aplicáveis à promoção, quaisquer que sejam eles, fossem rigorosamente cumpridos.

  34. A promoção de alguns ministros plenipotenciários implica a não promoção de outros, que são, assim, lesados nos seus interesses legítimos.

  35. A obrigação de fundamentar os actos impugnados é, assim, iniludível.

  36. E, não tem de estar em causa que os actos de promoção impugnados hajam prosseguido o interesse público, porque tal intenção só fica satisfeita se o órgão administrativo declare as razões da sua decisão.

  37. O MNE sustentou nos autos que o Recorrente não tinha o direito de ser promovido à categoria de embaixador - direito que, de resto, o interessado, que se saiba, não invocou - nem mesmo um interesse legalmente protegido, mas apenas e eventualmente, uma mera expectativa de poder ser escolhido pelo Governo para deter essa categoria.

  38. Ora, é assim que se passa na generalidade das promoções na administração pública.

  39. Ora, os ministros plenipotenciários têm, efectivamente, uma expectativa a ascender à categoria mais elevada da sua carreira. Como qualquer pessoa normal que se encontra em qualquer outra carreira.

  40. Não se trata, porém, de uma "mera" expectativa, mas de uma expectativa jurídica ou juridicamente tutelada.

  41. E tal tutela passa, precisamente, pelo direito de todos e de cada um a que nenhum deles seja promovido com ofensa do quadro jurídico aplicável.

  42. E, também a inexistência de concurso para a promoção a embaixador, não pode ter qualquer relevância, dado que os actos administrativos devem respeitar sempre a Constituição, não apenas quando forem precedidos de concurso.

  43. Os actos de promoção dos diplomatas à categoria de embaixador têm, assim, a natureza de actos...

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