Acórdão nº 0889/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução08 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A…., com melhor identificação nos autos, interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Sul de 14.6.12, que negou provimento ao recurso jurisdicional deduzido da sentença do TAC de Lisboa que rejeitou as providências cautelares que peticionou contra os ora recorridos INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP., MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO e as sociedades B……, Lda. e à C……, Lda., através das quais pretendia a suspensão de eficácia dos actos de autorização de introdução no mercado (AIM) concedidos às Contra-interessadas, bem como a abstenção de emissão dos PVP para os medicamentos Valsartan + Hidroclorotiazida B….. 160mg/12,5mg, comprimido revestido por película, Valsartan + Hidroclorotiazida B…… 320mg/12,5mg, comprimido revestido por película, e Valsartan + Hidroclorotiazida B…… 320mg/25mg, e Valsartan+ Hidroclorotiazida C…… 320mg/12,5mg, comprimido revestido por película, e Valsartan + Hidroclorotiazida C…… 320mg/25mg comprimido revestido por película, sob estas designações ou quaisquer que venham a ser as designações destes medicamentos no futuro.

Para tanto alegou, vindo a concluir como segue: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do n.° 1 do artigo 143.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  2. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  3. Face ao corpo factual que resulta provado pelas instâncias, é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.

  4. Os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM (e também a aprovação de PVP) ter por objecto mediato uma actividade - a comercialização dos medicamentos da Contra-interessada - violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime previsto e punido pelos artigos 321.º e 324.° do CPI, sendo nulos, nos termos do artigo 133°, n.° 2, alíneas e) e d) do CPA.

  5. Nessa acção não se defende que as AIMs (ou as aprovações de PVP) em causa sejam per se violadoras dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente: o que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da invalidade dos actos administrativos impugnados e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE.

  6. Um ato de concessão de AIM de um medicamento é ato administrativo cujo objecto é o da viabilização jurídica da actividade de comercialização desse medicamento no território nacional, actividade essa que, de outro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma actividade.

  7. Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de protecção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

  8. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18.°.

  9. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indirecta ou reflexa, decorrente da protecção directa que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.° da Constituição.

  10. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adoptar formas de organização e de procedimento adequadas à sua protecção efectiva.

  11. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.

  12. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua autuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.

  13. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adopção do seu comportamento.

  14. Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.0 do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal actividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua actividade.

  15. A Lei n.° 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  16. A Lei n.° 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.° e 135.° do CPA.

  17. Uma vez que a declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na acção principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.° e 135.° do CPA, da Lei n.° 62/2011 não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.

  18. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do ato administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respectivamente.

  19. A nova norma do artigo 23.°-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  20. As normas dos artigos 25.°, n.° 2 e l79.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei n.° 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.° e 135.° do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos do INFARMED à luz dessas disposições.

  21. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  22. Se, porém, tais normas forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele ato administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  23. As considerações cima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei n.° 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.

  24. As disposições constantes do artigo 19.°, n.° 8, do artigo 23.°-A. n.° 1 e n.° 2, do artigo 25.º. n.° 2 e do artigo 179.º, n.° 2 do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 -, bem como o artigo 8.º, n.° 1. 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  25. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 19.°, n.° 8, do artigo 23.°-A, n.° 1 e n.° 2, do artigo 25.°, n.° 2 e do artigo 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 -, bem como o artigo 8.°, n.° 1,2.3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos l7.°, 18.°, 62.°, n.° 1 e 266.° da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com...

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