Acórdão nº 0852/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução22 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A…… e A’……, Lda., inconformadas com o acórdão do TCA Sul, de 17 de Maio de 2012, que julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença proferida no TAC de Lisboa de indeferimento da providência cautelar interposta contra o INFARMED, AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE IP, o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO, (MEE) e C…… LDA, em que pediram a suspensão de eficácia dos actos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos que contenham Escitalopram como substância activa, e ainda que fosse intimado o MEE a abster-se de fixar os preços de venda ao público (PVP) referentes a esses medicamentos durante a vigência do Certificado Complementar de Protecção 152, vieram agora interpor para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso tem efeito suspensivo nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 143.° do CPTA.

  1. O presente recurso deverá ser admitido na medida em que as questões levantadas pela Recorrente no âmbito do presente recurso de revista assumem não só especial relevância jurídica, mas também conduzirão indubitavelmente a uma melhor aplicação do direito - cf. Acórdãos do presente Alto Tribunal de 9.5.2012 (proc. 0387/12, 0390/12, 0391/12, 0393/12 e 0385/12).

  2. As questões que a Recorrente pretende ver tratadas por este Tribunal implicam operações exegéticas de alguma dificuldade, motivadas desde logo pela interpretação e aplicação de algumas disposições pouco claras e ambíguas da recente Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, diploma que suscita dificuldades pelo carácter genérico da sua formulação e pela novidade que veio introduzir no nosso ordenamento jurídico.

  3. Ainda que se considerasse que o presente recurso não assume uma especial relevância jurídica, sempre teria de ser admitido por ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito por estarmos perante um confronto entre os direitos de propriedade industrial e os limites de actuação das autoridades administrativas, adstritas ao cumprimento do princípio da legalidade, maxime constitucional, no exercício dos poderes que lhe são conferidos.

  4. A entrada em vigor da Lei n.° 62/2011 envolve a aplicação de princípios e normas consagrados supranacionalmente, designadamente de âmbito comunitário, a que o Estado Português e, por maioria de razão, os seus tribunais, se encontram vinculados e devem obediência e por cujo cumprimento são legalmente responsáveis. Por essa razão, merecem ser apreciadas por este Supremo Tribunal.

  5. Estamos em face de uma decisão que a lei qualifica como recorrível, ao admitir que dela se interponha um recurso ordinário para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. l50.° do CPTA.

  6. Deve ser entendido que a apreciação da aplicação da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros, devendo, por isso, o presente recurso ser admitido.

  7. As questões objecto do presente recurso assumem não só relevância jurídica fundamental, por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional, mas também conduzirão a uma melhor aplicação do direito, devendo, consequentemente, o mesmo ser admitido.

    I. A Lei nº 62/2011 não tem qualquer relevância para a análise da verificação do requisito do fumus bonus iuris ou do fumus non malus iuris, requisitos para a concessão da presente providência, pelo que não deveria ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  8. As disposições constantes do artigo 25°, n.° 2 (e, apesar de não referido pelo douto Acórdão os artigos 19.°, n.° 8, do artigo 179.°, n.° 2 e do artigo 23.°-A n.° 1) e 2) do Estatuto do Medicamento na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 -, bem como o artigo 8.°, n.° 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  9. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 25.°, n.° 2, do artigo 179.°, n.º 2 e do artigo 23°-A n.° 1 e 2 do Estatuto do Medicamento na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 -, bem como o artigo 8.°, n.° 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o Infarmed e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17.°, 18.°, 62.°, n.° 1 e 266.° da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

    L. A norma do artigo 9.°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis preexistentes, como é o caso do ato de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.

  10. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18., n.° 3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

  11. As considerações acima expostas aplicam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei n.° 62/2011, ao pedido de suspensão do ato de atribuição do PVP pela DGAE.

  12. Uma vez que o Tribunal a quo aplicou as referidas normas no caso vertente com base no artigo 9.°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011, tal interpretação (e aplicação) é inconstitucional por introduzir uma restrição retroactiva de um direito fundamental, violando-se o art. 18.°, n.° 3 da Constituição, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  13. A alteração legislativa implementada pela Lei nº 62/2011 não alterou os termos da avaliação do pedido da Autora, ora Recorrente, na acção principal da qual estes autos são dependentes.

  14. Com efeito, os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM, bem como a atribuição de PVP, terem por objecto mediato uma actividade a comercialização dos medicamentos genéricos da Contra-interessada - violadora dos direitos de patente da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análogo à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, considerada pela lei como um crime.

  15. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam, per se, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  16. Com efeito, invocou a Recorrente na acção principal a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133°, n.° 2, alíneas c) e d) do artigo 135.°, ambos do CPA, por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321.° do Código da Propriedade Industrial.

  17. Mais invocou que o mesmo ato era inválido, nos termos do artigo 135.° do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um ato administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente, o artigo 18.0 da Constituição que tem aplicação directa.

  18. A Lei n.° 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.° e 135.° do CPA.

    V. Uma vez que a declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na acção principal é formulada à luz dos referidos artigos l33.° e 135.° do CPA, da Lei n.° 62/2011 não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.

  19. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do ato administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed ou pela DGAE, respectivamente.

    X. A nova norma do artigo 23.°-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  20. Com vista a uma “melhor aplicação do direito”, deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni juris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei n° 62/2011, unia vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

  21. O não decretamento da providência requerida levará com toda a probabilidade ao lançamento dos medicamentos dos autos no mercado, o que determinará uma situação de facto consumado, já que a eliminação do exclusivo de comercialização da Recorrente será na prática eliminado sem possibilidade de vir a ser restabelecido, uma vez que os direitos da Recorrente caducarão antes de decorrido o prazo normal de julgamento definitivo da acção principal e jamais lhe poderá ser concedido novo prazo de tal exclusivo...

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