Acórdão nº 0888/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução22 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…….

, com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão, de 14.6.2012, do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), que confirmou sentença do Tribunal Administrativo de Circulo (TAC) de Lisboa, pela qual, ao abrigo do disposto no art. 124, nº 1, do CPTA, foi julgado procedente o pedido de revogação – fundado na alteração das circunstâncias, decorrente da entrada em vigor da Lei 62/2001, de 12 de Dezembro – da decisão, que decretara a providência cautelar de suspensão de eficácia, até 23.9.2013, do despacho de 20.4.2009, da Vice-Presidente do Conselho Directivo do INFARMED, pelo qual foi concedida à contra-interessada B……, ehf (B……) autorização para introdução no mercado (AIM) dos medicamentos Valsartan B……. 40 mg comprimidos revestidos por película, Valsartan B…….. 80 mg comprimidos revestidos por película e Valsartan B……. 160 mg comprimidos revestidos por película.

Apresentou alegação (fls. 3551, ss., dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excecional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  2. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excecional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  3. Face ao corpo factual que resulta provado pelas instâncias, é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.

  4. Os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM (e também a aprovação de PVP) ter por objeto mediato uma atividade – a comercialização dos medicamentos da Contrainteressada – violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime previsto e punido pelos artigos 321.º e 324.º do CPI, sendo nulos, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPA.

  5. 6. Nessa ação não se defende que as AIMs (ou as aprovações de PVP) em causa sejam per se violadoras dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente: o que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da invalidade dos atos administrativos impugnados e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE.

  6. Um ato de concessão de AIM de um medicamento é ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, de outro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade.

  7. Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de proteção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

  8. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18.º.

  9. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indireta ou reflexa, decorrente da proteção direta que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.º da Constituição.

  10. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adotar formas de organização e de procedimento adequadas à sua proteção efetiva.

  11. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.

  12. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua atuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.

  13. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adoção do seu comportamento.

  14. Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal atividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua atividade.

  15. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  16. A Lei n.º 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.º e 135.º do CPA.

  17. Uma vez que a declaração de invalidade dos atos de AIM pedida na ação principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.º e 135.º do CPA, da Lei n.º 62/2011 não pode decorrer que a ação principal deva ser julgada improcedente.

  18. O que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da inconstitucionalidade do ato administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respetivamente.

  19. A nova norma do artigo 23.º-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  20. As normas dos artigos 25.º, n.º 2 e 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.º 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.º e 135.º do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos atos do INFARMED à luz dessas disposições.

  21. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  22. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele ato administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  23. As disposições constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º. n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insuscetíveis de obstarem à procedência da ação principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos atos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  24. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respetivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17.º, 18.º, 62.º, n.º 1 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  25. A norma do artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objetivo de lhes atribuir efeito retroativo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do ato de concessão de AIM e de...

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