Acórdão nº 0422/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução11 de Julho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A………, com os sinais dos autos, veio interpor para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 26.1.12, pelo qual foi negado provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo (TAC) de Lisboa, que julgou improcedente o pedido cautelar de suspensão de eficácia das autorizações de introdução no mercado (AIM) concedidas pelo INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (INFARMED) às contra-interessadas B………, Lda (B………), C………, SA (C………) e D………, Lda (D………), durante o período de vigência da Patente nº 97451 e respectivo Certificado Complementar de Protecção 51, relativamente ao produto Candersartan Clexetil (Blopress), e de intimação da Direcção-Geral das Actividades Económicas (DGAE), através do Ministério da Economia, Inovação e Desenvolvimento (MEID), a abster-se da prática de actos de emissão do PVP requeridos pelas contra-interessadas.

A recorrente apresentou alegação (fls. 1044, ss., dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: 1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  1. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  2. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  3. Com efeito, os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância da AIM e também a aprovação de PVP terem por objecto mediato uma actividade – a comercialização dos medicamentos genéricos das Contrainteressadas – violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental de natureza análogo à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição e, para além disso, considerada pela lei como um crime.

  4. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam per se violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  5. Na acção principal a Recorrente invocou a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133º nº 2 c) e d) e do artigo 135º, ambos do Código de Procedimento Administrativo, por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321º do Código da Propriedade Industrial.

  6. Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente o artigo 18.º da Constituição que tem aplicação directa.

  7. A Lei n.º 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133º e 135º do CPA e, por isso, dela não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada procedente.

  8. A declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na acção principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.º e l35.º do CPA.

  9. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da ilegalidade do ato administrativo de concessão da AIM e de PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed ou pela DGAE, respectivamente.

  10. As normas dos artigos 25.º, n.º 2 e 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei nº 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o Infarmed sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133º e 135º do Código de Procedimento Administrativo, nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos do Infarmed à luz dessas disposições.

  11. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  12. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o Infarmed aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  13. As considerações cima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei n.º 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.

  14. As disposições constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  15. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o Infarmed (e o MEE/DGAE) tome conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM (e de aprovação de PVP), da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou o obriguem a deferir requerimento de concessão de AIM (e, respectivamente, de aprovação de PVP) para um tal medicamento, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17º, 18º, 62º nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  16. A norma do artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré- existentes, como é o caso dos atos de concessão de AIM aqui em crise.

  17. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18.º, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

  18. A alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 62/2011 não alterou os fundamentos em que se baseia a pretensão da ora Recorrente na acção principal de que estes autos cautelares são dependentes.

  19. Com vista a uma “melhor aplicação do direito”, deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni juris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei n.º 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

  20. São necessários à boa decisão da causa, os seguintes factos, desconsiderados pelo douto Acórdão recorrido: a.

    O Candesartan e o Candesartan Cilexetil foram descritos pela primeira vez nos pedidos de patente japonesa JP113148 (27 de Abril de 1990), JP141942 (30 de Maio de 1990), JP208662 (6 de Agosto de 1990), JP264579 (1 de Outubro de 1990) e JP413679 (24 de Dezembro, 1990), os quais constituem a prioridade reivindicada, nos termos da Convenção da União de Paris, pela patente portuguesa PT 97451; b.

    Iguais referências ao Candesartan foram feitas na Patente Europeia n.º 459 136 [(37 Vide a enciclopédia clássica “The Merck Index” (12ª’ Edição, páginas 283 e 284, junto ao requerimento inicial como Doc. n.º2).], que reivindica prioridade dos seguintes pedidos de patentes japonesas acima mencionados, JP113148, JP141942, JP208662, JP264579 e JP413679.

    c.

    À data do pedido de patente PT 97451 e da prioridade reivindicada nessa patente, o Candesartan e Candesartan Cilexetil nunca tinham sido sintetizados ou revelados de forma a serem explorados por peritos na matéria, nem tinha sido revelado o uso do processo de síntese que é mencionado na patente para obter esse produto.

    concluindo-se, tal como alegado no artigo 57.º do Requerimento inicial: “A PT 97451 tem por objecto um processo de fabrico de um produto novo – o Candesartan Cilexetil”.

  21. Devendo dar-se por verificada a existência de fumus boni iuris, deve ser então apreciado por este Tribunal o requisito do periculum in mora, nos termos do artigo 150.º, n.º 3 do CPTA.

  22. O não decretamento da providência requerida levará com toda...

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