Acórdão nº 012/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução18 de Outubro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS e o MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS vêm recorrer do acórdão da 2.ª Secção deste STA, de 28.2.12, que julgou procedente a acção administrativa especial que A……… intentou contra ambos e os CONTRA-INTERESSADOS destinatários dos seus Decretos nºs 13/2010 de 13.10.2010 e 16/210 de 6.12.2010.

Terminaram as suas alegações formulando as seguintes conclusões: A Presidência: a) A promoção a embaixador obedece à verificação dos requisitos vinculativamente estabelecidos na lei e, numa segunda fase, à livre escolha do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com base no mérito das qualidades dos ministros plenipotenciários em condições de serem promovidos e dos serviços por eles prestados; b) Quer o Autor, quer os contra-interessados satisfaziam esses requisitos, pelo que ao Ministério dos Negócios Estrangeiros cabia estabelecer, por decreto, qual deles, ou outros ministros plenipotenciários que também satisfizessem esses requisitos, seriam promovidos, sem qualquer obrigatoriedade de fundamentar por que razões eram esses os promovidas; c) Da lei não resulta o reconhecimento aos ministros plenipotenciários que satisfaçam os requisitos legalmente estabelecidos de qualquer direito á promoção de embaixador ou mesmo de qualquer interesse legalmente protegido, mas apenas a mera expectativa de o serem (cfr. artigo 268º, nº 3, da CRP e artigo 124º, nº 1, alínea a) do CPA); d) A promoção a embaixador depende da apreciação do mérito dos ministros plenipotenciários, do que o Ministério dos Negócios Estrangeiros entender sobre quais são os ministros que melhor podem desempenhar as funções de embaixador, pelo que é este desempenho e não quaisquer interesses dos ministros plenipotenciários que está no âmbito da protecção da norma; e) Sendo essa apreciação livre, não pode ser questionada a escolha feita, pelo que inexistem quaisquer direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos potenciais embaixadores; f) O artigo 20, nº 2, do Estatuto da Carreira Diplomática ao permitir a livre escolha, permite de igual modo uma apreciação totalmente discricionária do mérito dos promovíveis e, consequentemente, afasta a sindicância do apuramento desse mérito; g) Não integrando, por tudo isto, os respectivos atos de promoção o universo dos atos sujeitos a fundamentação.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas, mui doutamente suprirão, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, revogando-se, por ilegal, a decisão sob censura, só assim se fazendo a habitual JUSTIÇA! O Ministério: A.

O douto Acórdão recorrido julgou procedente a ação administrativa especial intentada contra a Presidência do Conselho de Ministros e Ministério dos Negócios Estrangeiros por A………, ora Recorrido e, consequência, determinou a anulação dos dois atos de promoção à categoria de Embaixador da carreira diplomática dos Ministros Plenipotenciários B……… e C………, em razão da falta de fundamentação desses mesmos atos, fundamentando-se, em suma nas seguintes considerações: i. Os atos de promoção à categoria de Embaixador são atos de natureza administrativa e não atos políticos ou equiparáveis a atos políticos, pois: i) os atos de promoção são de natureza administrativa, pois é dessa natureza o que releva das carreiras dos funcionários do Estado; ii) a forma de que reveste o ato de promoção - Decreto - não tem relevância sobre a natureza dos atos de promoção; e iii) a nova lei orgânica do MNE, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 121/2011, de 29 de Dezembro, ao passar a estatuir, no artigo 21°, n° 2, que a promoção é efectuada por Decreto do Governo, ao abrigo da função política, tal alteração não pode ter consequências no caso dos autos, por os atos impugnados terem sido praticados sob outro título legal; ii. A exigência de fundamentação dos atos decorre do próprio artigo 20°, n° 2 do Decreto-Lei n.° 40-A/98, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto da Carreira Diplomática (ECD) e das normas gerais contidas no artigo 268°, n° 3 da CRP e no artigo 124°, n° 1 alínea a) do CPA, sendo que, esta última, impõe a fundamentação de atos administrativos que neguem, extingam ou afectem por qualquer modo interesses legalmente protegidos, como sucede no caso dos autos, ainda que não exista no caso vertente qualquer concurso (ou sequer prestação de provas); iii. De acordo com o já citado artigo 20°, n° 2 do ECO, verifica-se que não esteve no pensamento legislativo uma completa liberdade concedida ao Ministro dos Negócios Estrangeiros na escolha, pois a mesma prevê - para além de aspectos vinculados - no seu momento discricionário, os elementos a considerar, quais sejam, a apreciação das qualidades do funcionário e dos serviços prestados, o que significa a exigência de fundamentação que assenta naqueles elementos.

B.

Todavia, salvo o devido respeito, que é muito, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, ora Recorrente, entende, como veremos, que a lei confere ao Governo uma discricionariedade pura ou absoluta liberdade de escolha nos atos de promoção a Embaixador e, consequentemente, não padecem do vício de falta de fundamentação que o aresto de que ora se Recorre imputa aos mesmos atos, pois: 1. Tal resulta dos elementos lógicos da interpretação - histórico, racional e teleológico - das normas jurídicas contidas no Estatuto da Carreira Diplomática que o artigo 20°, n° 2 do ECO dispensa a fixação de critérios de avaliação a ponderar na apreciação de qualidades dos funcionários e dos serviços prestados; 2. A forma solene que reveste o ato de promoção - Decreto, publicado na 1ª série do Diário da República, após intervenção de órgãos políticos - é demonstrativa dessa absoluta liberdade de escolha: 3. A razão do estatuto vigente atribuir nas promoções a Embaixador a discricionariedade pura decorre da específica natureza político-diplomática da actividade dos Embaixadores; 4. A recente lei orgânica do MNE, aprovada pelo Decreto-Lei n° 121/2011, de 29 de Dezembro, ao passar a estatuir, no artigo 21°, n.° 2, que a promoção é efectuada por Decreto do Governo, ao abrigo da função política, teve em vista apenas clarificar o regime de promoção e não introduzir qualquer inovação que importasse a sua alteração; e 5. Sendo a escolha livre e, consequentemente, não questionável, inexistem quaisquer direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos em presença.

C.

Pelo que o douto Acórdão ora posto em crise interpretou erradamente a norma contida no artigo 20°, n°2 do ECD, acompanhada do artigo 24° da (então) Lei orgânica do MNE (Decreto-Lei n.° 200/2006, de 27 de Outubro, ao considerar que a mesma impõe que os atos de promoção devem ser fundamentados, por a mesma conferir ao Governo apenas um poder discricionário no âmbito da discricionariedade técnica e que existem interesses legalmente protegidos em presença, D.

e não, como é entendimento do ora Recorrente, que os atos de promoção não carecem de fundamentação - pois a norma confere uma discricionariedade pura ou liberdade de escolha ao Governo - nem estamos em presença de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos. Vejamos, então E.

DOS ELEMENTOS LÓGICOS DA INTERPRETAÇÃO, HISTÓRICO, RACIONAL E TELEOLÓGICO: 1. A promoção dos diplomatas está actualmente prevista no artigo 20° do ECD e na (então) Lei orgânica do MNE, aprovada pelo Decreto-lei n.° 204/2006, de 27 de Outubro; 2. Conforme resulta das normas supra citadas, as promoções à categoria de Embaixador dependem dos seguintes requisitos cumulativos: a existência de vagas na categoria, podem ser promovidos apenas os ministros plenipotenciários com quatro os mais anos na categoria e que tenham estado, pelo menos, oito anos nos serviços externos do MNE; 3. Reunidos os requisitos cumulativos atrás indicados, as promoções são realizadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvido o Secretário-geral e feitas por Decreto assinado pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de acordo com o estatuído no artigo 201°. n°3 da CRP e as supra citadas normas legais; 4. Está em causa nos presentes autos, como se referiu, saber se a norma prevista no artigo 20°, n° 2 do ECD impõe ou não a fundamentação dos atos de promoção; 5. Acompanhando agora de perto o Acórdão n.° 621/10, de 23 de Fevereiro de 2012, proferido na mesma secção e subsecção do STA, e em que estava em causa exactamente a mesma questão ora submetida ao presente Pleno, dir-se-á que, caso o actual texto normativo, por si só, não permita resolver a questão, será de convocar os elementos lógicos de interpretação da lei; 6. Fazendo um percurso sobre os regimes jurídicos de promoção à categoria de Embaixador e as alterações que os mesmos foram sofrendo, verifica-se que: i. O artigo 3°, n°2 do Decreto-Lei n° 498/88, de 30 de Dezembro, na sequência do processo normal de recrutamento e selecção de pessoal na Administração Pública, veio consagrar que os processos de recrutamento de pessoal para a carreira diplomática obedeciam a um processo de concurso próprio, o qual foi fixado pelo artigo 1°, n°1 do Decreto-Lei n.° 146/90, de 8 de Maio, que estatuiu o regime de concurso para as promoções para a categoria de embaixador, a realizar pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, com base em listas elaboradas mediante avaliação curricular dos funcionários; ii. O Decreto-Lei n° 79/92, de 6 de Maio, que aprovou o (primeiro) Estatuto da Carreira Diplomática, instituiu as seguintes categorias (artigo 3°): a) Embaixador; b) Ministro plenipotenciário; c) Conselheiro de embaixada; d) Secretário de embaixada; e) Adido de embaixada» e consagrou o concurso como meio de ingresso, através da categoria de adido de embaixada, e de acesso à categoria de conselheiro de embaixada (arts. 9° e 16°). No que se refere ao acesso às categorias de ministro plenipotenciário e de embaixador não se previa a existência de um concurso mas estabeleciam-se procedimentos...

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