Acórdão nº 0850/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução31 de Outubro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……., LIMITED requereu, no TAC de Lisboa, providência cautelar contra o INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO e PRODUTOS M DE SAÚDE, IP, o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO e, na qualidade de contra-interessada, a sociedade B……. LDª e C…… pedindo a suspensão de eficácia dos actos de AIMs, concedidos pela Infarmed à contra-interessada referentes aos medicamentos Candesartan + Hidroclorotiazida B…… de 8 e 16 mg durante o período de vigência da Patente 97451 e do CCP 15 bem como a intimação da DGAE a abster-se de, enquanto aquela Patente e o respectivo CCP estivessem em vigor, fixar os actos de PVP para os mencionados medicamentos.

O TAC de Lisboa julgou improcedente a tal pretensão.

Decisão que o TCA SUL confirmou.

É contra este julgamento que a presente revista se dirige onde foram formuladas as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 143.° do CPTA.

  1. O presente recurso deverá ser admitido na medida em que as questões levantadas pela Recorrente no âmbito do presente recurso de revista assumem não só especial relevância jurídica, mas também conduzirão indubitavelmente a uma melhor aplicação do direito - cf. Acórdãos do presente Alto Tribunal de 9.5.2012 (proc. 0387/12, 0390/12, 0391/12, 0393/12 e 0385/12).

  2. A alteração legislativa implementada pela Lei n ° 62/2011 não alterou os termos da avaliação do pedido da Autora, ora Recorrente, na acção principal da qual estes autos são dependentes.

  3. Com efeito, os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM, bem como a atribuição de PVP, terem por objecto mediato uma actividade - a comercialização dos medicamentos genéricos da Contrainteressada - violadora dos direitos de patente da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análogo à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, considerada pela lei como um crime.

  4. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam, per se, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  5. Com efeito, invocou a Recorrente na acção principal a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133.º, n.° 2, alíneas c) e d) do artigo 135º, ambos do CPA, por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321º do Código da Propriedade Industrial.

  6. Mais invocou que o mesmo ato era inválido, nos termos do artigo 135º do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um ato administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente, o artigo 18.º da Constituição que tem aplicação directa.

  7. A Lei n.° 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.º e 135.° do CPA.

  8. Uma vez que a declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na acção principal é formulada à luz dos referidos artigos 133º e 135.° do CPA, da Lei n.° 62/2011 não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.

  9. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do acto administrativo de concessão da ATM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed ou pela DGAE, respectivamente.

  10. A nova norma do artigo 23°-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  11. As normas dos artigos 25.º, n.° 2 e 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei n.° 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133º e 135º do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos praticados pelo INFARMED tendentes à violação desses direitos, à luz dessas disposições.

  12. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  13. Se, porém, tais normas forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  14. As considerações acima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8º da Lei n.° 62/2011, ao pedido de intimação da DGAE/MEE.

  15. As disposições constantes do artigo 19.º, n.° 8, do artigo 21.°-A, n.° 1 e n.° 2, do artigo 25.°, n.° 2 e do artigo 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 - bem como o artigo 8º, nº 1, 2, 3 e 4, do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar ao decretamento da presente providência cautelar.

  16. Se, porém, as disposições constantes do artigo 19.°, n.º 8, do artigo 23.°-A, n.° 1 e n.° 2, do artigo 25.°, n.° 2 e do artigo 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento (na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011), bem como o artigo 8.°, n.° 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/DGAE apreciem, no contexto daqueles actos administrativos, a eventual violação direitos de propriedade industrial por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou de deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições serão materialmente inconstitucionais, por desconsideração de direitos liberdades e garantias, desde logo por violação dos 17°, 18°, 42°, 62°, n.° 1 e 266° da CRP, consagradores dos direitos/liberdades fundamentais de criação cultural e de propriedade privada, concebidos como alicerces constitucionais dos direitos fundamentais de propriedade industrial e por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Pública, com violação nomeadamente do artigo 18 .° da Constituição.

  17. Deverá, assim, este Venerando o Tribunal ad quem recusar a aplicação dessas normas, com um tal entendimento, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação, nomeadamente, dos artigos 17°, 18.°, 42°, 62.° e 266.° da CRP.

  18. Tais normas são ainda inconstitucionais por consagrarem um desvio legislativo não só quanto à reserva material da jurisdição administrativa constitucionalmente consagrada e ao princípio da protecção jurisdicional efectiva, mas também ao próprio princípio do Estado de Direito, por violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídicas dos cidadãos e do princípio da proibição do arbítrio.

  19. A norma do artigo 9.°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito...

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