Acórdão nº 01053/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A……… Ltd. interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul que negou provimento ao recurso que ela deduziu da sentença em que o TAF de Lisboa indeferira os seus pedidos – dirigidos contra o Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação, B……… Ld.ª, C……… e D………. – de suspensão da eficácia de nove actos de autorização de introdução no mercado (AIM) de certos medicamentos e de três actos de fixação dos preços de venda ao público (PVP), bem como de intimação para se não aprovarem os PVP relativos a seis desses medicamentos.

A recorrente findou a sua minuta de recurso oferecendo as conclusões seguintes: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do n.° 1 do artigo 143.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro, tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excecional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  2. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excecional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  3. Face ao corpo factual que resulta provado pelas instâncias, é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.

  4. Um ato de concessão de AIM de um medicamento é ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, de outro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade.

  5. Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de proteção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam, ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

  6. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18°.

  7. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indireta ou reflexa, decorrente da proteção direta que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna portuguesa por força do disposto no artigo 8.° da Constituição.

  8. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adotar formas de organização e de procedimento adequadas à sua proteção efetiva.

  9. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.

  10. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua atuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.

  11. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adoção do seu comportamento.

  12. Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321º.do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal atividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua atividade.

  13. A Lei nº 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente.

  14. Os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM (e também a aprovação de PVP) ter por objeto mediato uma atividade — a comercialização dos medicamentos das Contra-interessadas — violadora dos direitos emergentes da Patente e CCP da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime previsto e punido pelos artigos 321.0 e 324.° do CPI.

  15. Nessa ação não se defende que as AIMs (ou a aprovação de PVP) em causa sejam per se violadoras dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  16. O que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da ilegalidade do ato administrativo de concessão da AIM e de PVP, à luz dos referidos artigos 133.° e 135.° do CPA, e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respetivamente.

  17. A Lei n.° 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.° e 135.° do CPA e, como tal, não pode consubstanciar uma alteração de circunstâncias relevante para efeitos de revogação de medida cautelar já decretada.

  18. A nova norma do artigo 23°-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  19. ...

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