Acórdão nº 0397/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A…………, S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrente) deduziu impugnação judicial pedindo no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a anulação da liquidação de uma denominada taxa de publicidade que lhe foi efectuada pela Câmara Municipal de Gondomar.

    1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial.

    1.3 A Impugnante recorreu dessa decisão para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « I - A douta sentença recorrida ao confirmar a legalidade da cobrança de taxas de publicidade pela afixação, em propriedade privada ou espaço contíguo a esta, de mensagens publicitárias com os sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou do respectivo titular da exploração, ou relacionadas com bens ou serviços comercializados no estabelecimento, ainda que visíveis do espaço público, perfilha solução oposta para a mesma questão de Direito daquela que foi acolhida por este STA no Acórdão n.º 033/10, datado de 02-06-2010; II - Assim violando o BLOCO DE LEGALIDADE do Direito da UE aplicável ao caso sub judice, designadamente os Princípios da Necessidade, da Proporcionalidade e da Gratuitidade, descritos no n.º 3 alíneas b) e o) do art. 15.º da Directiva-Serviços n.º 2006/1 23/CE, ex vi da imposição resultante da Liberdade de Estabelecimento e do Princípio da Excepcionalidade de regimes de autorização administrativa (arts. 49.º e 50.º n.º 2 al. c) do TFUE) – bloco este directamente invocável e aplicável, ex officio, na ordem jurídica interna, por força da aplicabilidade directa do Direito da União, nesta sede de direitos análogos – tal como decidido pelo TJUE em diferentes Acórdãos, designadamente Acórdão Van Gend & Loas, Acórdão Marleasing-SA, Acórdão Konstantinos Adeneler, Acórdão Francovitch, Acórdão Simmenthal e Acórdão Coster – em consequente violação do Princípio do Primado do Direito da EU consagrado no art. 8.º, n.º 4, da CRP – vício de nulidade de que igualmente enferma o Acórdão do TC n.º 177/2010 de 5 de Maio – acórdão fundamento da douta Sentença recorrida; III - Consequentemente, se requerendo o reenvio prejudicial ao TJCE para apreciação da existência, no caso recorrido, de uma violação aos arts. 49.º, 50.º n.º 2 alínea c) do TFUE em vigor, bem como violação, quer pela Entidade Recorrida – pela via do Regulamento impugnado nos autos – quer pela Sentença recorrida, dos princípios da necessidade e da proporcionalidade descritos no n.º 3, alíneas b) e c) do art. 15.º da indicada Directiva Serviços no 2006/123/CE, ex vi da imposição e aplicabilidade directa, ao caso dos autos, do princípio da excepcionalidade de regimes de autorização administrativa nesta sede (art.º 50 n.º 2 al. c) do TFUE); IV - Reenvio prejudicial que é da competência obrigatória deste V. STA, ex vi arts. 19.º n.º 3 al. b) do Tratado CE e art. 267.º do TFUE.

    V - Sem conceder, deve ser declarada – ipso jure – a nulidade da douta Sentença recorrida, bem como dos actos de cobrança que nela vêm confirmados – por evidente violação do Princípio da Legalidade, pois que tal cobrança não assenta, na realidade, em qualquer contrapartida comprovável, como tal, de serviços que, concretamente, efectivamente sejam prestados pelo ente autárquico ao particular, igualmente não assentando (a mesma cobrança) na utilização de qualquer bem público ou semi-público, assim resultando violado o princípio da equivalência jurídica (art. 4.º da RTL) – neste sentido, cfr. Ac. deste STA n.º 033/10 de 2/06/2010; VI - Pelo Dec. Lei n.º 92/2010 de 26 de Julho (que transpõe, fora de prazo, para a ordem jurídica interna a Directiva Serviços n.º 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro), vem determinar-se que os Princípios da Proporcionalidade, Adequação, Necessidade e Proporcionalidade em sentido restrito, bem como o Princípio da Gratuitidade, devem presidir a todo o leque de permissões administrativas para acesso ou exercício de actividades de serviços (art. 8.º do citado DL.), VII - Por força do imposto pela citada Directiva, o Dec. Lei n.º 48/2011 de 1 de Abril, no seu art. 31.º, vem dispor no sentido da isenção de quaisquer permissões ou licenças ou autorizações administrativas para a afixação de publicidade em propriedade privada, mesmo que visível do domínio público, quando esta consista na publicitação de marcas ou sinais distintivos de comércio detidos pelos titulares ou detentores dos edifícios ou estabelecimentos onde a mesma seja colocada – vindo reiterar o terminus dos regimes de permissão/autorização administrativa aplicáveis ao tipo de acto administrativo de cobrança sub judice – termo esse (dos regimes permissivos ou autoritários em causa) que, por força da eficácia prática e aplicabilidade directa da citada Directiva no direito interno, se verificou logo a 28 de Dezembro de 2006, data da entrada em vigor daquela Directiva nos respectivos Estados-Membros subscritores, independentemente de qualquer ulterior acto de transposição, por estarem em presença, e em causa, direitos, liberdades e garantias análogos a direitos fundamentais com inerente tutela jurídico-constitucional – esta reforçada pela necessária e primeira aplicação, in casu, do Primado do Direito da União Europeia, ex vi art. 8.º n.º 4 da CRP; VIII - A afixação de publicidade em causa está isenta de qualquer acto de licenciamento, permissão ou autorização administrativa, bem como do pagamento de qualquer taxa, pelo que é livre a respectiva utilização e afixação em bens imóveis de propriedade ou legítima detenção por parte dos interessados – face à revogação sistemática da legislação anterior e/ou posterior à Directiva Serviços, visto que tal legislação se mostre desconforme ao Bloco de Legalidade emergente do Direito da UE, maxime da Directiva Serviços n.º 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro.

    IX - Face ao Bloco de Legalidade aplicável ao caso concreto – quer das normas do Ordenamento Comunitário, quer das normas do Ordenamento Interno, inclusive do constitucional, àquele necessariamente subjacente – deve revogar-se a douta Sentença recorrida, por enfermar a mesma do vício de erro de julgamento em matéria de Direito, por decidir em violação do Princípio da Legalidade.

    Termos em que, Dando-se provimento ao presente Recurso, deverá consequentemente revogar-se a douta Sentença recorrida, por enfermar a mesma do vício de erro de julgamento em matéria de Direito, em consequente violação do Princípio da Legalidade”.

    1.5 O Município de Gondomar contra alegou, apresentando conclusões do seguinte teor: « 1- O pedido de reenvio para o TJUE não consta na impugnação, 2- Acresce ainda que não se mostram preenchidos os pressupostos do artigo 234.º do TCE.

    3- A recente jurisprudência nomeadamente o Acórdão do plenário do Tribunal Constitucional nº 177/2010 de 05.05.2010 considerou, após a consagração do conceito jurídico de taxa no artigo 4 n.º 1 da LGT e no n.º 3 da Lei nº 53-E/2006, não julgar organicamente inconstitucional as normas do Regulamente de Taxas de Licenças da CM de Guimarães (idênticas as dos presentes autos) que prevêem a cobrança da taxa pela afixação de painéis publicitários em prédio pertencente a particular.

    4- Por sua vez o Acórdão do STA de 12.01.2011, processo 752/2010 aderiu a essa tese, 5- O Acórdão do STA datado de 29-02-2012 considerou que “O tributo liquidado ao abrigo das normas constantes dos artigos 16.º e 20.º do Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa (aprovado pelo Edital n.º 35/92, Diário Municipal n.º 16336, de 19 de Março de 1992) e do artigo 27.º e 28.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, referente aos anos de 2002 a 2006, tem natureza jurídica de taxa e não de imposto, ainda que incida sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada”.

    6- No mesmo sentido refere o Acórdão do STA de 19-10-2011 “Tem natureza jurídica de taxa o tributo liquidado ao abrigo das normas constantes do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal da Trofa e da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais desse Município relativas aos anos de 2007, ainda que esse tributo incida sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada”.

    7- Face ao exposto, a sentença recorrida não sofre de nenhum erro de julgamento matéria de direito».

    1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja deferido o pedido de reenvio ao TJUE, com a seguinte fundamentação: «A questão a que se refere o dito pedido é relativa aplicabilidade de normas de Direito da União Europeia (D.U.E.) em face da taxa de publicidade que foi aplicada com base em normas constantes de Regulamento do município de Gondomar, segundo melhor resulta alegado nos pontos II e III das conclusões de recurso.

    Ora, nos termos do art. 267.º do T.RU.E., tal resulta com o carácter de obrigatoriedade se tiver sido “suscitada em processo pendente”.

    Se para tal não bastará que a mesma tinha sido suscitada pela parte no recurso que interpôs, nos termos do art. 280.º n.º 5 do C.P.P.T., parece ser ainda de dar como preenchido no caso tal requisito de que no presente caso em que não se configura como possível outro recurso, em face do que se mostra alegado, resultará aquele mesmo como obrigatório.

    Com efeito, o recorrente invoca tal com base na não transposição de oportuna de uma directiva.

    E tal importa considerar em face de “ausência de regulamentação jurídica” a que se refere ainda o dito recurso.

    É certo que, após o acórdão n.º 177/2010, do Tribunal Constitucional (T.CJ, o qual foi tirado em Plenário, têm vindo a ser proferidas várias decisões pelo mesmo, bem como acórdãos pelo S.T.A., no sentido da sua admissibilidade, em...

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