Acórdão nº 0913/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | COSTA REIS |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……., requereu, no TAC de Lisboa, providência cautelar contra o INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE IP, o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E INOVAÇÃO, (actual MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO) e, na qualidade de contra-interessadas, B…… LDA e C…… LDA, pedindo a suspensão da eficácia das Autorizações de Introdução no Mercado [“AIM’s”] de medicamentos compostos pela substância activa Valsartan, durante o período de vigência da Patente de que era titular e do respectivo CCP, sob as designações indicadas ou quaisquer que venham a ser as designações destes medicamentos no futuro, bem como de intimação do MEI a abster-se de, enquanto aquela Patente e o respectivo CCP estiverem em vigor, fixar o PVP requerido pela Contra-interessada, suspendendo o respectivo procedimento ou a abster-se de fixar tais preços enquanto a Patente e o CCP estivessem em vigor.
O TAC de Lisboa indeferiu aquela pretensão.
Decisão que o TCA SUL confirmou.
Foi contra este julgamento que o Autor dirigiu a presente revista onde formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do n.° 1 do artigo 143.° do CPTA.
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A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.° 62/2011, de 12/12, tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excecional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.
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O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excecional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.
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Face ao corpo factual que resulta provado pelas instâncias, é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.
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Os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM (e também a aprovação de PVP) ter por objeto mediato uma actividade - a comercialização dos medicamentos da Contrainteressada - violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime previsto e punido pelos artigos 321.º e 324.° do CPI, sendo nulos, nos termos do artigo 133°, n.° 2, alíneas e) e cl) do CPA.
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Nessa acção não se defende que as AIMs (ou as aprovações de PVP) em causa sejam per se violadoras dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente: o que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da invalidade dos actos administrativos impugnados e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE.
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Um acto de concessão de AIM de um medicamento é acto administrativo cujo objecto é o da viabilização jurídica da actividade de comercialização desse medicamento no território nacional, actividade essa que, de outro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma actividade.
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Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de protecção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.
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Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18.°.
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Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indirecta ou reflexa, decorrente da protecção directa que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.° da Constituição.
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Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adoptar formas de organização e de procedimento adequadas à sua protecção efectiva.
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Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.
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O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua actuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.
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Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adopção do seu comportamento.
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Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal actividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua actividade.
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A Lei n.° 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.
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A Lei n.° 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 131° e 135.° do CPA.
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Uma vez que a declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na ação principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.° e 135.° do CPA, da Lei n.° 62/2011 não pode decorrer que a ação principal deva ser julgada improcedente.
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O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do acto administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respectivamente.
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A nova norma do artigo 23.°-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.
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As normas dos artigos 25.°, n.° 2 e 179.°, n.° 2, do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei n° 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.° e 135.° do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos do INFARMED à luz dessas disposições.
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As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.
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Se, porém, tais normas forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele ato administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.° da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.
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As disposições constantes do artigo 19.º. n.° 8, do artigo 23.°-A, nº 1 e n.° 2, do artigo 25.°, n.° 2, e do artigo 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 -,bem como o artigo 8.°, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da ação principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos atos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.
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Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do art.º 19.º, n.° 8, do art.º 23°-A, n.° 1 e n.° 2, do artigo 25°, n.° 2 e do art.º 179.º, n.° 2, do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo art.º 4.º da Lei n.° 62/2011 - bem como o art.º 8.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos art.ºs 17.º, 18º, 62º, n.° 1, e 266.º da CRP, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.
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A norma do artigo 9.º, n.° 1 da Lei n.° 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do ato de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.
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Tal desiderato não...
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