Acórdão nº 0872/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelROSENDO JOSÉ
Data da Resolução26 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Formação de Apreciação Preliminar Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I – Relatório B…….

Requereu no TAC de Lisboa contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, o Ministério da Economia e do Emprego (MEE), e as interessadas C……, SA; D……, Lda E……, Lda; e F……, SA, a suspensão de eficácia dos actos administrativos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) dos medicamentos genéricos que contêm a substância activa Telmisartan (…, …., E……e F……, nas dosagens de 20, 40 e 80 mg comprimidos), durante o período de vigência da patente EP 502314 e o CCP41 (cujo prazo expira em 12.12.2013), sob as designações indicadas ou quaisquer outras que venham a ser adoptadas no futuro, bem como que o Infarmed seja ainda intimado, enquanto a patente e a extensão do seu âmbito de protecção garantida pelo CCP 41 estiverem em vigor, a não autorizar ou não realizar a transferência da titularidade das AIMS concedidas às contra-interessadas.

Pediu ainda que a DGAE na pessoa do MEE, seja intimada, enquanto a Patente e o CCP estiverem em vigor, de fixar os PVPs requeridos ou na eminência de serem requeridos pelas contra-interessadas, suspendendo o respectivo procedimento administrativo, ou a abster-se de fixar tais preços sem que essa fixação fique condicionada a apenas entrar em vigor na data em que a patente e CCP caducarem relativamente aos mesmos medicamentos compostos pela aludida substância ou quaisquer outras que venham a ser as designações desses produtos no futuro.

Por sentença de 12 de Fevereiro de 2012 foi decidido julgar improcedente o processo cautelar.

Inconformada a requerente apelou para o TCA, que por acórdão de 31/05/2012, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.

É deste acórdão que a recorrente pede a admissão de recurso de revista para este Supremo Tribunal, concluindo: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do n°1 do artigo 143.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro tem que conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  2. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  3. Face ao corpo factual que resulta provado é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.

    5, Os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância da AIM (e também a aprovação de PVP) ter por objecto mediato uma actividade - a comercialização dos medicamentos das contra interessadas - violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime previsto e punido pelos artigos 321.0 e 324.° do Código da Propriedade Industrial, sendo nulos, nos termos do artigo 133.°, n.°2, alíneas c) e d) do CPA.

  4. Nessa acção não se defende que as AIMs (ou as aprovações de PVP) em causa sejam per se violadoras dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  5. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da invalidade dos actos administrativos impugnados e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE.

  6. Um acto de concessão de AIM de um medicamento é acto administrativo cujo objecto é a viabilização da actividade de comercialização no território nacional, actividade que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma actividade.

  7. Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de protecção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

  8. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18.°.

  9. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indirecta ou reflexa, decorrente da protecção directa que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.0 da Constituição.

  10. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adoptar formas de organização e de procedimento adequadas à sua protecção efectiva.

  11. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.

  12. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua actuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.

  13. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adopção do seu comportamento.

  14. Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.0 do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal actividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua actividade.

  15. A Lei n.° 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa e não devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  16. A nova norma do artigo 23.°-A do Estatuto do Medicamento apenas tem a ver com os pressupostos de facto dos actos de emissão de AIMs, relativos à saúde pública e não já com a teleologia dessas mesmas AIM, que é o que releva para a decisão desta causa, tal como se encontra formulada pela ora Recorrente, não impedindo a declaração de ilegalidade de uma AIMI pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  17. As normas dos artigos 25.°, n.° 2 e 179.°, n.°2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei n.° 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de...

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