Acórdão nº 0437/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO A……… (“A………”), com os sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a fls. 1468 e segs., que negou provimento ao recurso interposto, pela ora recorrente, da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida a fls. 984 e segs., que lhe indeferiu o presente pedido cautelar.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro tem que conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dada (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  1. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  2. A Lei nº 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, e não devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  3. Os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM, bem como a aprovação de PVP, terem por objecto mediato uma actividade – a comercialização dos medicamentos genéricos da Contra-interessada – violadora dos direitos de patentes da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artº17º da Constituição, considerada pela lei como um crime.

  4. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam, per se, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  5. Na acção principal a Recorrente invocou a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133º, nº2, alíneas c) e d) do artigo 135º, ambos do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321º do Código de Propriedade Industrial.

  6. Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do artº135º do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente, o artigo 18º da Constituição que tem aplicação directa.

  7. A Lei nº62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133º e 135º do CPA e, por isso, dela não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.

  8. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da ilegalidade do acto administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respectivamente.

  9. A nova forma do artigo 23º-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo imposta.

  10. As normas dos artigos 25º, nº2 e 179º, nº1 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei nº62/2011, têm de ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133º e 135º do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos praticados pelo INFARMED à luz desta disposições.

  11. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  12. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente do artigo 18º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Pública, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  13. As considerações acima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8º da Lei nº62/2011,ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.

  14. As disposições constantes do artigo 19º, nº8, do artº23-A, nº1 e 2, do artº25º, nº2 e do artº179º, nº2 do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4º da Lei 62/2011-, bem como o artº8º, nº1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados, ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente, também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  15. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 19º, nº8, do artigo 23º-A, nº1 e 2, do artigo 25º, nº2 e do artº179º, nº2 do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4º da Lei 62/2011, bem como o artigo 8º, nº1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contém uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17º, 18º, 62º, nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  16. A norma do artº9º, nº1 da Lei nº62/2011 é também inconstitucional, pois que ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do acto de concessão de AIM e de PVP em crise.

  17. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição que, no seu artigo 18º, nº3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

  18. A alteração legislativa levada a cabo pela Lei nº62/2011 não alterou os fundamentos em que se baseia a pretensão da ora Recorrente na acção principal de que estes autos cautelares são dependentes.

  19. Com vista a « uma melhor aplicação do direito», deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni iuris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei nº 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

  20. São necessários à boa decisão da causa os seguintes factos, desconsiderados pelo douto acórdão recorrido: – a substância Telmisartan foi descrita pela primeira vez pela patente Alemã DE1991-4103492, de 06 de Fevereiro de 1991; – A EP 502314 foi pedida a 31.01.1992 pela A………, reivindicando a prioridade do pedido da patente Alemã DE1991-4103492, de 06.02.1991, de acordo com o artº88º da Convenção de Patente Europeia de 1973.

    - De acordo com a enciclopédia clássica “The Mercks Index”, 13ª Edição, as primeiras referências ao Telmirsartan foram a EP 502314 (cfr. Doc. Nº2 que se junta e dá por integralmente reproduzido).

    Concluindo-se, tal como alegado nos artº12º e 65º do Requerimento inicial: “A EP 502314 B tem por objecto um processo de fabrico de um produto novo – o Telmisartan.» 22. Devendo dar-se por verificada a existência de fumus boni iuris, deve ser então apreciado por este Tribunal o requisito do periculum in mora, nos termos do artigo 150º, nº3 do CPTA.

  21. O não decretamento da providência requerida levará com toda a probabilidade ao lançamento dos medicamentos dos autos no mercado, o que determinará uma situação de facto consumado, já que a eliminação do exclusivo de comercialização da Recorrente será na prática eliminado sem possibilidade de vir a ser restabelecido, uma vez que os direitos da Recorrente caducarão antes de decorrido o prazo normal de julgamento definitivo da acção principal e jamais lhe poderá ser concedido novo prazo de tal exclusivo pelo período que perdurar a venda ilegal dos medicamentos da Contra-Interessada.

  22. Verifica-se assim a situação de « fundado receito de constituição de facto consumado» a que se reporta o artº120º, nº1, alínea b) do CPTA, ou seja, encontra-se verificado o requisito do «periculum in mora».

  23. A douta sentença recorrida fez uma interpretação e aplicação erradas dos preceitos da Lei nº62/2011, de 12 de Dezembro acima citados, nos termos também acima expostos, violando, entre outros, os artigos 17º, 18º, 62º, nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, 133º, nº2, alíneas c) e d) e 135º do CPA e ainda o artigo 120º, nº1, alínea b) do CPTA.

    * Contra-alegou o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO ( MEI), concluindo assim: A. É sabido que a lei...

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