Acórdão nº 0732/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Setembro de 2012
Magistrado Responsável | MADEIRA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A…… Ltd., interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul que negou provimento ao recurso que ela deduzira da sentença em que o TAF de Lisboa indeferira os seus pedidos – dirigidos contra o Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação, B……., Ld.ª e C……, Ld.ª – de suspensão da eficácia de oito actos de autorização de introdução no mercado de determinados medicamentos e de intimação para se não aprovarem os seus preços de venda ao público.
A recorrente findou a sua minuta de recurso oferecendo as conclusões seguintes: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do nº 1 do artigo 143º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro tem que conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam: as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.
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O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.
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Face ao corpo factual que deve resultar provado é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.
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Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de protecção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam, ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.
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Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18°.
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Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indirecta ou reflexa, decorrente da protecção directa que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna portuguesa por força do disposto no artigo 8º da Constituição.
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Um ato de concessão de AIM de um medicamento é ato administrativo cujo objecto é o da viabilização jurídica da actividade de comercialização desse medicamento no território nacional, actividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma actividade.
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Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adoptar formas de organização e de procedimento adequadas à sua protecção efectiva.
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Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.
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O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua actuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.
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Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adopção do seu comportamento.
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Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal actividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua actividade.
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A Lei n.° 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa e não devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.
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A nova norma do artigo 23.°-A do Estatuto do Medicamento apenas tem a ver com os pressupostos de facto dos actos de emissão de AIMs, relativos à saúde pública e não já com a teleologia dessas mesmas AIM, que é o que releva para a decisão desta causa, tal como se encontra formulada pela ora Recorrente, não impedindo a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.
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As normas dos artigos 25.°, n.° 2 e 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei nº 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.° e 135.° do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos praticados pelo INFARMED tendentes à violação desses direitos, à luz dessas disposições.
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As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.
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Se, porém, tais normas forem entendidas — o que não deriva do seu texto — como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.° da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.
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As considerações acima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei nº 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.
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As disposições constantes do artigo 19.°, nº 8, do artigo 23.°-A, n.° 1 e n.° 2, do artigo 25.°, n.° 2 e do artigo 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 —, bem como o artigo 8.°. nº 1. 2. 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção...
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