Acórdão nº 0516/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução05 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A……Limited, veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 15.3.12, que, revogando sentença do Tribunal Administrativo de Circulo (TAC) de Lisboa, que julgou improcedente a providência cautelar, interposta pela ora recorrente contra os ora recorridos INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (INFARMED), Ministério da Economia e Inovação (MEI) e as sociedades contra-interessadas B……, (…..) e C…….

(……) – de suspensão de eficácia dos actos de autorização de introdução no mercado (AIM) concedidos pelo recorrido INFARMED às contra-interessadas, relativamente aos medicamentos Candesartan + Hidroclorotiazida B…… 8mg + 12.5mg; 16mg + 12.5mg; 32mg + 12.5mg; 32mg + 25mg; Candesartan + Hidroclorotiazida ....... 8mg + 12.5mg; 16mg + 12.5mg e 32mg + 12.5mg; 32mg + 25mg; Candesartan + Hidroclorotiazida C…… 8mg + 12.5mg e 16mg + 12.5mg, comprimidos, até à data de caducidade da última, 7 de Junho de 2014, não abrangendo tal suspensão os actos preparatórios do lançamento no mercado dos medicamentos em causa, desde que a eficácia dos mesmos actos fique diferida para o termo da vigência da Patente PT 97451 e respectivo CCP 15 e a Patente 753301, bem como ser o recorrido INFARMED intimado a publicitar no respectivo website a menção à suspensão de eficácia das AIM’s e também a abster-se de, até à data de caducidade da última delas, 7 de Junho de 2014, fixar os preços de venda ao público (PVP) requeridos ou na eminência de serem requeridos pelas ora contra-interessadas, suspendendo o respectivo procedimento administrativo ou a abster-se de fixar tais preços sem que essa fixação fique condicionada a apenas entrar em vigor na data em que as Patentes e CCP caducarem, relativamente aos medicamentos acima identificados.

Apresentou alegação (fls. 1344, ss., dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: 1.

A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro tem que conduzir à conclusão de que o presente recurso excecional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  1. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excecional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  2. A Recorrente requereu ao douto Tribunal a quo que se pronunciasse sobre a suspensão de eficácia dos atos administrativos que AIM concedidos pelo Infarmed, bem como, a abstenção de aprovação dos PVPs pelo MEE/DGAE dos medicamentos dos autos contendo Candesartan como princípio ativo.

  3. Estribando-se no Acórdão de 19.02.2012 (Proc. 8253/11) – o qual se refere apenas a atos administrativos de AIM – o Tribunal a quo acabou por não decidir sobre uma concreta pretensão requerida no procedimento cautelar (a abstenção de aprovação dos PVPs pelo MEE/DGAE), o que consubstancia uma nulidade da decisão, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

  4. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  5. Os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância da AIM e também a aprovação de PVP terem por objeto mediato uma atividade – a comercialização dos medicamentos genéricos das Contrainteressadas – violadora dos direitos de patente da Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição e, para além disso, considerada pela lei como um ilícito criminal (art. 321.º do Código da Propriedade Industrial).

  6. Na ação principal a Recorrente invocou a nulidade dos atos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133º nº 2 c) e d) e do artigo 135º, ambos do Código de Procedimento Administrativo, por tais atos serem violadores do conteúdo essencial do seus direitos fundamentais emergentes da patente e certificado complementar de proteção.

  7. Mais invocou que o mesmo ato era inválido, nos termos do art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um ato administrativo por si praticado, ofendendo, nomeadamente o artigo 18.º da Constituição.

  8. A Lei n.º 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133º e 135º do CPA e, por isso, dela não pode decorrer que a ação principal deva ser julgada improcedente.

  9. O que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da ilegalidade do ato administrativo de concessão da AIM e de PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed ou pela DGAE, respetivamente.

  10. As normas dos artigos 25.º, n.º 2 e 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei nº 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o Infarmed sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133º e 135º do Código de Procedimento Administrativo, nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos atos do Infarmed à luz dessas disposições.

  11. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  12. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o Infarmed aprecie, no contexto daquele ato administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  13. As considerações cima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei n.º 62/2011, ao pedido de suspensão do ato de aprovação de PVP pela DGAE.

  14. As disposições constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insuscetíveis de obstarem à procedência da ação principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos atos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar (e ao provimento do presente recurso).

  15. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 – (e ainda que não referido, do artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma), contêm uma proibição absoluta de que o Infarmed (e o MEE/DGAE) tome conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM (e de aprovação de PVP), da existência de violação de patente por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou o obriguem a deferir requerimento de concessão de AIM (e, respetivamente, de aprovação de PVP) para um tal medicamento, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17º, 18º, 62º nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  16. A norma do artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objetivo de lhes atribuir efeito retroativo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso dos atos de concessão de AIM aqui em crise.

  17. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18.º, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroativo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

  18. Contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, a inconstitucionalidade deve ser analisada e decidida no presente processo, uma vez que o juízo de inconstitucionalidade se traduz sempre num juízo de compatibilidade ou de não compatibilidade da norma infraconstitucional com os princípios e as normas constitucionais, com reflexo direto sobre os termos em que, no caso, fica concedida a tutela cautelar.

  19. A alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 62/2011 não alterou os fundamentos em que se baseia a pretensão da ora Recorrente na ação principal de que estes autos cautelares são dependentes.

  20. Com vista a uma “melhor aplicação do direito”, deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni juris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei n.º 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

  21. Tendo em consideração que a Lei n.º 62/2011 não é aplicável ao caso vertente – hipótese que, no mínimo, sempre teria de...

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