Acórdão nº 0470/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução05 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A…… interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 150.°/1 do CPTA, recurso de revista do Acórdão do TCA Sul – que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo INFARMED, revogou a sentença do TAC de Lisboa que julgara procedente a providência cautelar interposta contra ele, o Ministério da Economia e Inovação e a contra-interessada B…… e, em consequência, suspendeu a eficácia dos actos de AIMs concedidas a esta contra-interessada relativos a determinados medicamentos enquanto a patente PT 90845 e o CCP 152 estivessem em vigor, bem como intimou a Direcção Geral das Actividades Económicas, na pessoa do requerido Ministério da Economia e Inovação, a abster-se de fixar os PVP daqueles medicamentos durante esse período – que julgou improcedente a referida providência cautelar.

Formulou as seguintes conclusões: A. Deve ser entendido que a apreciação da aplicação da Lei n.° 62/2011, de 12/12, reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros, devendo, por isso, o presente recurso ser admitido.

B. As questões objecto do presente recurso assumem não só relevância jurídica fundamental, por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional, mas também conduzirão a uma melhor aplicação do direito, devendo, consequentemente, o mesmo ser admitido.

C. A Lei n.° 62/2011 não tem qualquer relevância para a análise da verificação do requisito do fumus bonus iuris ou do fumus non malus iuris, requisitos para a concessão da presente providência, pelo que não deveria ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

D. As disposições constantes do art.º 25°, n.° 2 (e, apesar de não referido pelo douto Acórdão) os art.ºs 19°, n.° 8, do art.º 179°, n.° 2 e do art.º 23.°- A, n.° 1 e 2) do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 -, bem como o art.º 8°, n.° 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

E. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 25.°, n.° 2, e, apesar de não referido pelo douto Acórdão, os artigos 19°, n.° 8, do artigo 179.°, n.° 2 e do artigo 23°-A n.° 1 e 2) do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 -, bem como o artigo 8.°. n.° 1. 2. 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o Infarmed e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos art.ºs 17.°, 18.°, 62.°, n.° 1 e 266.° da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

F. A norma do art.º 9°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do ato de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.

G. Contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição que, no seu art.º 18°, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

H. As considerações acima expostas aplicam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.° da Lei n.° 62/2011, ao pedido de suspensão do ato de atribuição do PVP pela DGAE.

I. A alteração legislativa implementada pela Lei n.° 62/2011 não alterou os termos da avaliação do pedido da Autora, ora Recorrente, na acção principal da qual estes autos são dependentes.

J. Com efeito, os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM, bem como a atribuição de PVP, terem por objecto mediato uma actividade - a comercialização dos medicamentos genéricos das contra interessada - violadora dos direitos de patente da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análogo à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, considerada pela lei como um crime.

K. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam, per se, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

L. Com efeito, invocou a Recorrente na acção principal a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133°, n.° 2, alíneas c) e d) do artigo 135°, ambos do CPA, por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321.° do Código da Propriedade Industrial.

M. Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do artigo 135.° do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente, o artigo 18.° da Constituição que tem aplicação directa.

N. A Lei n.° 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.° e 135.° do CPA.

O. Uma vez que a declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na acção principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.° e 135.° do CPA, da Lei n.° 62/2011 não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.

P. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do ato administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed ou pela DGAE, respectivamente.

Q. A nova norma do artigo 23.°-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

R. Com vista a uma “melhor aplicação do direito”, deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni iuris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei n.° 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

S. Os factos dados como provados pela decisão ora em recurso são suficientes para determinar, sem esforço, que a presente providência cautelar deve ser decretada.

T. Tendo em consideração que a Lei n.° 62/2011 não poderá ser aplicada como aplicável no caso vertente - hipótese que, no mínimo, sempre teria de equacionada pelo Tribunal a quo por ser discutida e ter sido suscitada a inconstitucionalidade da aplicação do diploma -, se Tribunal a quo observou, que, de uma determinada perspectiva de direito as provas não seriam suficientes para conceder a providência, então, nos termos do artigo 712.° n.°4 do CPC, mesmo oficiosamente, o Tribunal deveria ter procedido à correcção da matéria de facto, designadamente ordenando a baixa dos autos a fim de ser produzida prova sobre os factos controvertidos, a fim dos mesmos poderem ser julgados como provados, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

U. Caso o Tribunal a quo, ao não verificar se a prova constante dos autos era bastante para possibilitar a correcta solução jurídica, incorreu em clara violação da lei processual, designadamente dos art.ºs 265.°, n.° 3, 511.°, 659°, n.° 1 e 660°, nº 2, todos do CPC, aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA V. Tendo sido dado como provado - cf., entre outros, o ponto K dos factos dados como provados - que a Patente 90845 tem por objecto um processo de fabrico de um produto novo, nos termos do artigo 98.° do Código da Propriedade Industrial, deveria ter sido dado como provado que o mesmo produto fabricado por um terceiro será, salvo prova em contrário, considerado como fabricado pelo processo patenteado.

W. Uma vez desaplicada a Lei n.° 62/2011 e dando-se por verificados os requisitos do fumus bonus iuris (ou, no mínimo non malus iuris) e do periculum in mora deixará de haver obstáculo a que a presente providência seja concedida.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e conceder-se a providência requerida pela Recorrente, devendo, designadamente: i) considerar que a Lei n.° 62/2011 não é aplicável ao caso vertente e, subsidiariamente, ii) considerar que a Lei n.° 62/2011, designadamente as normas acima enunciadas nas alegações, não pode ser aplicada ao caso vertente com fundamento na sua inconstitucionalidade.

O INFARMED contra alegou para concluir como se segue: 1. O presente recurso não preenche os pressupostos previstos no artigo 150.°/1 do CPTA, porquanto as questões em causa não são questões cuja...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT