Acórdão nº 0386/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Setembro de 2012
Magistrado Responsável | COSTA REIS |
Data da Resolução | 05 de Setembro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……, intentou no TAC de Lisboa, contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP – e o MINISTÉRIO DA ECONOMIA, tendo como contra interessada B……, LDª, processo cautelar requerendo (1) a suspensão de eficácia dos actos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) concedidos pelo Infarmed à contra interessada relativamente aos produtos mencionados na petição inicial, (2) a intimação do INFARMED a não autorizar ou a não realizar a transferência da titularidade das AIM concedidas à contra interessada durante o período de vigência da patente e do CPP 20 até 23/09/2013 relativamente aos identificados produtos e (3) de intimação do Ministério da Economia/DGAE a abster-se de atribuir os Preços de Venda a Público daqueles produtos no mesmo período de tempo.
Sem êxito já que, por sentença de 05/09/2011, o TAC de Lisboa indeferiu as requeridas providências com fundamento na não verificação dos pressupostos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, do art.º 120.º do CPTA.
Sentença que o TCA SUL,por Acórdão de 26/01/2012, confirmou.
É contra este julgamento que a presente revista se dirige onde se formulam as seguintes conclusões: 1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n° 62/2011, de 12/12, tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista tem por fundamento questões jurídicas fundamentais que, no entender da Recorrente, revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.
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Os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância da AIM e também a aprovação de PVP terem por objecto mediato uma actividade - a comercialização do medicamento genérico da Contra-Interessada - violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental de natureza análogo à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17° da Constituição e, para além disso, considerada pela lei como um crime.
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Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam per se violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.
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Na acção principal a Recorrente invocou a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do art.º 133°, n.° 2, c) e d) e do art.º 135°, ambos do CPA, por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo art.º 321º do Código da Propriedade Industrial.
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Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do art.° 135° do CPA por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente o art.º 18° da Constituição que tem aplicação directa.
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A Lei n.° 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.° e 135.° do CPA e, por isso, dele não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada procedente porque a declaração de invalidade dos actos de AIM destes autos nela pedida é formulada à luz das referidas normas.
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O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do acto administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed ou pela DGAE, respectivamente.
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A nova norma do artigo 23-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.
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As normas dos artigos 25.°, n.° 2, e 179.°, n.°2, do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei n.° 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o Infarmed sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133° e 135° do CPA, nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos do Infarmed à luz dessas disposições.
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As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.
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Se, porém, tais normas forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o Infarmed aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18° da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.
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As considerações cima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do art.º 8° da Lei n° 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.
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As disposições constantes do art.º 19°, n° 8, do art.º 23°-A, n° 1 e n.° 2, do art.º 25°, n.° 2 e do art.º 179°, n.° 2, do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4° da Lei n° 62/2011 -, bem como o art.º 8º, n°s 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.
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Se se entendessem as normas do art.º 19°, n.° 8, do art.º 23°-A, n.° 1 e n° 2, do art.º 25°, n.° 2, e do art.º 179°, n° 2, do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo art.º 4° da Lei n.° 62/2011 - bem como o art.º 8.°, n.° 1. 2, 3 e 4 do mesmo diploma, como contendo uma proibição absoluta de que o Infarmed (e o MEE/DGAE) tome conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM (e de aprovação de PVP), da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou o obriguem a deferir requerimento de concessão de AIM (e, respectivamente, de aprovação de PVP) para um tal medicamento, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos art.ºs 17°, 18°, 62° n.° 1 e 266° da CRP.
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Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do art.º 19.°, n ° 8, do art.º 23°-A, n.º 1 e n.° 2, do art.º 25° n.º 2 e do art.º 179°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4° da Lei n.° 62/2011 -, bem como o art.º 8°, n.°s 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o Infarmed e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIM e de aprovação de PVPS para um tal medicamento, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos art.ºs 17°, 18°, 62° n°1 e 266° da CRP, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.
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A norma do art.º 9° n.° 1 da Lei n° 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do acto de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.
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Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu art.º 18° n°3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.
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Uma vez que o Tribunal a quo aplicou ao caso vertente os artigos 19°, n.º 8, 23°-A n.º 1 e n.° 2, 25.°, n.° 2 e 179.° n.° 2 do Estatuto do Medicamento - na redacção conferida pelo artigo 4° da Lei n.° 62/2011 -, bem como o art.º 8.°, n.°s 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma com base no referido artigo 9.° n.º 1 da Lei n.° 62/2011, tal interpretação (e aplicação) é inconstitucional por introduzir uma restrição retroactiva de um direito fundamental, violando-se o art. 18°, n° 3 da Constituição, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.
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A douta sentença recorrida fez uma interpretação errada dos preceitos da Lei n° 62/2011, de 12712 acima citados, nos termos também acima expostos, violando entre outros os artigos 18° da Constituição e 133 n°2 c) e d) do CPA e ainda o art.º 120° nº 1 b) do CPTA.
O MINISTÉRIO DA ECONOMIA contra alegou, formulando as seguintes conclusões: A) O Recurso de Revista, tem natureza excepcional, e, o seu âmbito de intervenção, deve restringir-se àquelas matérias de maior importância, e, em função da sua relevância jurídica ou social, o que não se verifica in casu; B) A Lei n.° 62/2011, de 12/12, vem clarificar o disposto no DL n° 176/06, de 30/08, foi correctamente aplicada e é aplicável ao caso em apreço.
C) No âmbito do procedimento administrativo de fixação de PVP, está legalmente vedado à DGAE a consideração ou ponderação quanto à existência de eventuais direitos de propriedade industrial; D) Os actos praticados pelo MEE, nada têm a...
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