Acórdão nº 01082/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução17 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A……. LIMITED (A…..), com os sinais dos autos, interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul (TCAS), de 8.8.2012 (fls. 1229, ss., dos autos), pelo qual foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Circulo (TAC) de Lisboa que julgou improcedentes os pedidos cautelares de suspensão de eficácia das autorizações de introdução no mercado (AIM) concedidas pelo INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (INFARMED) à contra-interessada B……., LDA (B…….), durante o período de vigência da Patente PT 97451 e do Certificado Complementar de Protecção 15, relativamente aos produtos identificados na matéria de facto, de nome genérico Candesartan Ombene, e de intimação da Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE) através do Ministério da Economia e Emprego (MEE) a abster-se de autorizar os preços de venda ao público (PVP) dos referidos medicamentos enquanto se mantiver em vigor a referida Patente.

Apresentou alegação (fls. 1265, ss., dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excecional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.

  2. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excecional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

  3. Por referência à questão dos autos, o Supremo Tribunal Administrativo tem constantemente vindo a admitir o recurso de revista, assim as Apreciações Preliminares dos Recursos n.ºs 386/12, 390/12, 392/12, 425/12, 437/12, 442/12, 465/12, 470/12, 554/12, 588/12, 539/12, 541/12, 588/12, 592/12 e 0604/12.

  4. Face ao corpo factual que resulta provado pelas instâncias, é manifesto o erro de julgamento do Acórdão recorrido e a necessidade premente de melhor aplicação do Direito.

  5. Um ato de concessão de AIM de um medicamento é ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, de outro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade.

  6. Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de proteção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

  7. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18.º.

  8. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indireta ou reflexa, decorrente da proteção direta que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.º da Constituição.

  9. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adotar formas de organização e de procedimento adequadas à sua proteção efetiva.

  10. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.

  11. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua atuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.

  12. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adoção do seu comportamento.

  13. Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.º do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal atividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua atividade.

  14. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, não devendo ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente.

  15. Os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM (e também a aprovação de PVP) ter por objeto mediato uma atividade – a comercialização dos medicamentos da Contrainteressada – violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime previsto e punido pelos artigos 321.º e 324.º do CPI.

  16. Nessa ação não se defende que as AIMs (ou a aprovação de PVP) em causa sejam per se violadoras dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente; o que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da invalidade dos atos administrativos impugnados e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED.

  17. O que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da ilegalidade do ato administrativo de concessão da AIM e de PVP, à luz dos referidos artigos 133º e 135.º do CPA, e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED.

  18. A Lei n.º 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133.º e 135.º do CPA.

  19. A nova norma do artigo 23.º-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  20. As normas dos artigos 25.º, n.º 2 e 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.º 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133.º e l35.º do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos atos do INFARMED à luz dessas disposições.

  21. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  22. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele ato administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  23. As disposições constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011-, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insuscetíveis de obstarem à procedência da ação principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos atos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  24. Se, porém, as disposições constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, forem entendidas como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED tome conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente e CCP por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou o obriguem a deferir os respetivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos para um tal medicamento, tais disposições serão materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17º, 18º, 62º nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, consagradores dos direitos/liberdade fundamentais de criação cultural e de propriedade privada, concebidos como alicerces constitucionais dos direitos fundamentais de propriedade industrial e por falta de uma proteção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, com violação nomeadamente do artigo 18.º da Constituição.

  25. Deverá, assim, este Venerando...

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