Acórdão nº 56/09.0PFAMD.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução12 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 56/09.0 PFAMD, corre termos pelo Juízo de Grande Instância Criminal do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, foram submetidos a julgamento, por tribunal colectivo, os arguidos A..., B..., C... e D…, mediante acusação do Ministério Público que lhes imputou a prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciado nos factos descritos na respectiva peça acusatória.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, por acórdão de 23.01.2012 (fls. 1648 e segs.), foram os arguidos C... e D... absolvidos, mas os demais condenados nos seguintes termos: “c) Operando a requalificação jurídica dos respectivos factos da acusação, condenar o Arguido A...

, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-1, com referência à tabela I – C anexa a esse diploma, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão; d) Operando a requalificação jurídica dos respectivos factos da acusação, condenar a Arguida B...

, como co-autora material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-1, com referência à tabela I – C anexa a esse diploma, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; e) Suspender a execução da pena em que é condenada a Arguida B…, pelo período de um ano e três meses (artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal)”.

Inconformado com tal decisão, o arguido A... dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, concluindo assim a respectiva motivação (em transcrição): 1. Padece de vícios de erro notório na determinação da sanção, pois o aqui recorrente foi condenado a uma pena de prisão de 2 anos e 3 meses e nos termos do art.º 50.º do CP essa pena pode ser suspensa; 2. O Relatório do Instituto de Reinserção Social não foi valorado para apreciação e determinação da sanção, pois o Tribunal pensa que se o arguido, que tem o direito ao silêncio e que por esse silêncio não pode ser prejudicado, não tem direito a que o Relatório que tem declarações suas (do arguido) seja valorado para a determinação da pena; 3. O Arguido está integrado social, profissional e familiarmente; 4. Nunca foi condenado por tráfico de droga; 5. Todas as condenações anteriores são condução sem habilitação legal e ofensa à integridade física e ambas as penas foram cumpridas e encontram-se extintas; 6. Encontram-se preenchidas todas as condições para fazer a suspensão da pena, pois a pena de prisão é a ultima ratio da punição dos crimes, nos termos do art.º 70.º do Código Penal.

* Na 1.ª instância, a digna Magistrada do Ministério Público apresentou resposta, que conclui nos seguintes termos: 1 – No douto acórdão recorrido foi feito o enquadramento jurídico-penal dos factos, o tribunal procedeu à escolha e determinação da medida da pena recorrendo aos basilares princípios, constantes dos arts. 40º e 70º e ss. do CP.

2 - Escolhida a pena, foi fixada a sua medida concreta, à luz dos critérios estabelecidos no art. 71º do CP.

3 - Bem andou o Tribunal quando considerou não estarem preenchidos os pressupostos a que se refere o art. 50º do C. Penal, uma vez que este normativo prevê a suspensão da execução da pena desde que se possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

4 - O arguido tem antecedentes criminais que denunciam a sua personalidade afastada do cumprimento da lei, assim como não mostrou arrependimento, mostra-se desinserido socialmente e tem hábitos de consumo prolongados, circunstâncias que impedem um juízo favorável acerca da sua ressocialização em liberdade, sendo prementes as exigências de prevenção geral e especial.

5 - Não houve qualquer violação de normas legais nomeadamente dos artigos acima referidos.

Entende, por isso, que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.

* Admitido o recurso e já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta manifestou a sua concordância com a posição tomada pela Magistrada do Ministério Público na 1.ª instância, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

* Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo o recorrente apresentado resposta (embora a tenha designado como “motivação do recurso”) ao parecer do Ministério Público, alegando que está, actualmente, empregado, que não é toxicodependente, está afastado das drogas e constituiu família, estando, pois, socialmente integrado.

* Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* II – Fundamentação Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj[1], sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso.

A questão essencial que o recorrente pretende seja apreciada por este tribunal é, como está bom de ver, a da suspensão da execução da pena de prisão por que pugna, pois entende estar reunido o respectivo condicionalismo legal e insurge-se contra a decisão recorrida por não ter tido em consideração o conteúdo do relatório social.

O Ministério Público afirma, na sua resposta, que o arguido “não recorre da matéria de facto mas apenas de direito, quanto à medida concreta da pena”, mas não é assim[2].

Como é bem sabido, uma das vias de impugnação da decisão sobre matéria de facto é a invocação do erro de julgamento, detectável pela análise da prova produzida e valorada na audiência de 1.ª instância.

Quando pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto com esse fundamento, o recorrente tem de especificar, além do mais que para o caso não interessa, § os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido e § as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Não pode dizer-se que o recorrente tenha acatado, rigorosamente, as prescrições legais, mas percebe-se perfeitamente que o seu inconformismo se dirige à decisão na parte em que o tribunal teria ignorado factos relevantes para a escolha e determinação da sanção, por ter desconsiderado o relatório social.

Por isso mesmo, pela simplicidade das questões colocadas à apreciação do tribunal de recurso e porque as razões da discordância do recorrente são facilmente identificáveis, não se impõe um convite para o aperfeiçoamento das conclusões.

Assim, as questões que o recorrente coloca à apreciação deste tribunal e que por isso se impõe apreciar e decidir são as seguintes: § se é de alterar a decisão sobre matéria de facto, por erro na apreciação da prova e, concretamente, por injustificada desconsideração do relatório social; § se se justifica, no caso, a suspensão da execução da pena de prisão cominada ao arguido/recorrente.

* Os factos que o tribunal deu como provados são os seguintes: 1. “O Arguido A... e a Arguida B... vivem um com o outro.

  1. Desde pelo menos Julho de 2009 a 10-2-2010 o Arguido A... procedeu à venda de haxixe a terceiros.

  2. A Arguida B... colaborava nessa actividade, quer entregando-lhe haxixe, para ele, por sua vez, entregar a interessados compradores, quer ela própria também acordou algumas entregas, bem como procedeu a entrega ou a entregas de haxixe pelo menos a uma consumidora, no caso à Arguida D..., irmã do Arguido A....

  3. Designadamente utilizavam os respectivos telefones para estabelecerem contactos entre si e com os interessados na aquisição do haxixe, respectivamente com os números 960301810 e 926187641, sendo o Arguido A... quem normalmente procedia às entregas aos clientes, nos locais e horas acordados, bem como também por vezes essas entregas tiveram lugar na própria habitação de ambos os Arguidos, então em Rua …, Amadora.

  4. O Arguido A... vendia haxixe em “barras”, “pedras” ou “línguas”, de peso não concretamente apurado, ao preço de 5,00 € a 10,00 € a unidade.

  5. Durante o período em questão o Arguido A... e/ou a Arguida B... cederam ou venderam haxixe pelo menos aos seguintes consumidores: a.

    E... – residente em Loures, durante cerca de 5/6 anos consumiu diariamente haxixe e desde pelo menos o mês de Julho de 2009 a Fevereiro de 2010, com frequência sensivelmente bi-semanal, deslocava-se à Brandoa, onde adquiria ao Arguido A... uma “barra” de haxixe, ao preço de 10,00 €, encontrando-se com ele para esse efeito, quer por mera deslocação directa, quer após prévio contacto telefónico, sendo o haxixe fornecido normalmente próximo do Café “…” ou na própria casa do Arguido; b.

    F... – residente em Lisboa, conhece o Arguido A... desde há cerca de 20 anos, consumidor pelo menos ocasional de haxixe, que em meados de Outubro encomendou haxixe ao Arguido A..., para consumir numa festa, com amigos, conforme sucedeu, tendo o respectivo pagamento sido feito pela prestação de um trabalho de joalharia por F... para esse Arguido; c.

    G... – consumidor diário de haxixe, que pelo menos desde Julho de 2009 a Fevereiro de 2010 adquiria ao Arguido A..., ao preço de 5,00 € a 10,00 € cada...

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