Acórdão nº 218/09.0TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução12 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: “A” intentou a presente acção contra “B” pedindo a condenação desta a restituir-lhe 41.368,48€, acrescida dos juros vincendos à taxa legal.

Para tanto, alegou, em síntese, que a ré manteve com o autor, a partir de Novembro de 2005, um relacionamento amoroso como se marido e mulher fossem, embora sem viver em permanência na casa do autor; em 19/05/2006, o autor, numa perspectiva de vida em comum com a ré, abriu com ela uma conta co-titulada por ambos e que por ambos podia ser movimentada, e transferiu para essa conta todas as suas poupanças (78.960,31€); em 21/10/2006, o autor, porque a ré lhe disse que não tinha dinheiro para pagar a advogado, emitiu a favor dela dois cheques (de 1000€ e 500€), que a ré depositou numa conta titulada só por ela; e na primeira semana de Dez2006 pagou-lhe serviços prestados por terceiros, no valor total de 149,31€; a 12/10/2006, a ré convenceu o autor, com o pretexto de pagar mais despesas judiciais e dívidas, a fazer uma transferência de 18.000€ para a conta desta; a 14/10/2006 emitiu-lhe mais um cheque de 3500€ (porque a ré se queixou que não tinha dinheiro para pagar a um advogado) que a ré depositou na sua própria conta; a 16/12/2006, a ré acabou por preencher um cheque assinado em branco pelo autor, tendo nele escrito 15.000€ e a data e o local de emissão e depois depositou-o na sua própria conta; a “deslocação do património do autor para o património da ré teve como justificação a união de facto entre ambos e que o autor pretendia encorajar e manter”; a partir de 19/12/2006, a ré decidiu terminar o relacionamento, pelo que cessou a união de facto; conclui que o património da ré aumentou em 38.149,31€ à custa do património do autor; calcula os juros desde a data do levantamento dos cheques. A ré contestou, aceitando o essencial deste resumo dos factos (com excepção do que se refere a serem os 78.960,31€ todas as poupanças do autor e que ela tivesse acabado de preencher o cheque de 18.000€), mas diz que “o autor não alega sequer factos que possam, ainda que provados, levar à condenação da ré no pedido” (isto depois de ter citado um acórdão do STJ – de 20/09/2007, 07B2156 [da base de dados do ITIJ] – que diz, em síntese, que aquele que apenas prova que depositou dinheiro na conta do seu companheiro para dado fim não alcança a demonstração de que o que foi recebido o foi por causa que deixou de existir).

Depois do julgamento, foi proferida sentença absolvendo a ré do pedido.

O autor recorre – para que sejam alteradas as respostas a dados quesitos e para que a sentença seja revogada e substituída por outra que condene a ré no pedido – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [as relativas à decisão da matéria de facto serão transcritas abaixo]:

  1. A matéria de facto assente no despacho de condensação já demonstra que houve uma deslocação patrimonial da esfera do au-tor para a esfera da ré, havendo a causa justificativa de perspectiva de vida em comum, indo a ré viver com o autora.

  2. A cessação dessa perspectiva, por iniciativa da ré determi-nou o desaparecimento posterior da causa da deslocação patrimo-nial verificada e originou o nascimento do direito do autor a exigir a restituição, em função do regime de enriquecimento sem causa, nos termos do art. 473 do CC.

  3. A deslocação das quantias provada nos autos não tem qualquer causa justificativa, designadamente por não ser devida em função de qualquer título ou acto válido e eficaz, por cessação, por iniciativa da ré, da perspectiva de vida em comum, da ré viver com o autor.

  4. A ré, ao fazer suas as quantias provadas nos autos, por ex-pectativa que criou no autor de vida em comum, bem sabia que es-tava a postergar o princípio da boa fé (cfr arts. 227-2 e 762 do CC), exigido a todos os cidadãos.

  5. O Estado tem o dever de proteger as pessoas idosas, garan-tindo-lhes segurança económica para que evitem e superem o isola-mento ou a marginalização social (art. 72 da Constituição).

  6. O desrespeito do art. 72 da CRP conduz à nulidade da in-terpretação e da decisão decretada pelo tribunal recorrido, de acor-do com o disposto no art 3º-3 da CRP, “a validade das leis e dos mais actos do estado … depende da sua conformidade com a CRP.” g) Sem prescindir, o autor desde já argui a inconstitucionali-dade material - por violação dos princípios constantes dos nºs 2 e 3 do artigo 3º, bem como do art. 72 da CRP - da norma ínsita no art. 473 do CC, em conjugação com os arts 236 e 237 do CC, quando interpretados no sentido de haver justa causa de enriquecimento da ré à custa do empobrecimento do autor.

A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

* Questões que cumpre solucionar: se a resposta aos quesitos 1, 2 e 5 deve ser alterada no sentido pretendido pelo autor; se estão provados os requisitos do enriquecimento sem causa e especificamente o da falta de causa justificativa; se a decisão recorrida violou as normas constitucionais invocadas; e se as normas substantivas invocadas pelo autor foram interpretadas nalgum sentido inconstitucional.

* Factos dados como provados (os sob alíneas vêm dos factos assentes, excepto o sob v) que foi tomado em consideração na sentença por ter sido confessado pela ré; os sob números vêm da resposta aos quesitos; puseram-se os factos por ordem cronológica; alterou-se a redacção do facto sob U) visto que as partes admitem que o cheque aí referido é o cheque que estava em causa nos quesitos 3 e 4):

  1. Em meados de Agosto de 2005, numa excursão a Málaga, o autor travou amizade com a ré.

  2. A partir da data referida em A), autor e ré encontraram-se noutras excursões.

  3. A ré demonstrou ser uma pessoa cativante, que inspirou confiança e credibilidade ao autor D) A partir de Novembro de 2005, a amizade entre autor e ré transformou-se num envolvimento amoroso.

  4. Nas excursões, autor e ré viajavam sentados no mesmo banco do autocarro e partilhavam o mesmo quarto do hotel.

  5. A ré passou a ter a chave da casa do autor.

  6. A ré confeccionava, de vez em quando, uma panela de sopa para o autor H) A ré lanchava com o autor todos os dias na Pastelaria ....

  7. Algumas vezes, a ré almoçava com o autor no restaurante.

  8. A ré comunicava com o autor, por telemóvel, todos os dias, a horas certas, manifestando a intenção de cuidar dele até ao fim dos seus dias.

  9. A 19/05/2006, numa perspectiva de vida em comum, o autor, acompanhado da ré, abriu conta no Millenium com o nº 0000...., titulada por si e pela ré e que podia ser movimentada por qualquer deles sem autorização do outro.

    1 e 2. [Na perspectiva de vida em comum] o autor deu ordem de transferência para a conta referida em M), em Maio de 2006, da quantia de 52.100€ e, a 19/05/2006, da quantia de 24.140,57€ [a parte em parênteses é acrescentada por força do que se dirá abaixo].

  10. A 21/10/2006, o autor emitiu dois cheques a favor da ré, um no valor de 1.000€ e outro no valor de 500€.

  11. A 26/10/2006, a ré depositou em conta apenas por si titulada os cheques referidos em N).

  12. Em meados de Novembro de 2006, a ré, por ter a intenção de residir definitivamente com o autor, levou para casa deste várias estatuetas, quadros pintados a óleo assinados, peças de louça chinesa e outras peças decorativas com o intuito de a tornar mais acolhedora.

  13. A 02/12/2006, o autor pagou a inspecção do veículo da ré no valor de 26,27€.

  14. A 05/12/2006, o autor pagou os serviços de mudança de pneus do veículo da ré no valor de 80€.

  15. A 07/12/2006, o autor pagou diversos serviços prestados por terceiro à ré no valor de 43,04€ [rectifica-se o valor – pois que constava 149,31€ - para pôr o facto de acordo com o...

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