Acórdão nº 1534/11.7TMLSB-A.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução26 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

O Ministério Público, por apenso aos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, instaurou a presente acção especial visando o regresso à Bélgica da menor A..

.

A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese: A A…a é filha de B… e de C…, ambos portugueses, casados entre si em 17.12.2008.

Desde o ano de 2006 que residem na Bélgica, país que consagra que o poder paternal cabe a ambos os progenitores unidos pelo matrimónio.

No dia 4.6.2011, a progenitora viajou para Portugal com a menor, com regresso previsto decorridas cerca de 3 semanas, mas no dia 16.07.2011 informou o marido que não regressaria à Bélgica nem faria regressar a filha.

O progenitor participou os factos à Autoridade Central Belga e solicitou à Direcção Geral de Reinserção Social as diligências indispensáveis com vista ao regresso da menor à Bélgica.

Ouvida a requerida, pronunciou-se no sentido da menor não ser afastada de si, visto ser “a que apresenta melhores condições e porque se pretende evitar colocar a menor numa situação intolerável sujeitando-a a perigos de ordem física e psíquica, caso regresse à Bélgica”. Arrolou testemunhas.

Face ao teor da contestação, o tribunal recorrido ordenou a notificação do progenitor para exercer o contraditório, o qual se pronunciou no sentido de ser determinado o regresso imediato da menor à Bélgica, e foi solicitada avaliação à situação daquele pelos competentes serviços.

Foi, posteriormente, ordenada a elaboração de relatório social sobre as condições de vida da menor.

Juntos os relatórios, o MP emitiu parecer mantendo o peticionado.

Foi, então, proferida decisão que determinou o regresso imediato da menor à Bélgica e ao domicílio do progenitor.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerida, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem: . Veio o Tribunal A quo, de forma incompreensível, determinar o regresso imediato à Bélgica e ao domicílio do progenitor, da menor A...

. Por motivos indecifráveis, tal sucedeu antes de terem sido notificadas a mãe da menor, ou a sua representante legal e, naturalmente, muito antes de a decisão transitar em julgado.

. Com efeito, esta foi surpreendida na sua residência (onde é público e notório que reside) pela presença de agentes de autoridade mandatados para recolher a menor, a fim de a fazer levar até seu pai, na Bélgica.

. Não se compreende ou aceita o que possa ter justificado que esta decisão tenha sido executada antes mesmo de se ter sido dado hipótese de defesa à mãe da menor.

. Sem ter sido aceite ouvir as testemunhas arroladas por aquela.

. Tal decisão, desprovida de razão ou bom senso, é amplamente fundamentada num relatório social elaborado no território da Bélgica onde se faz fé nas palavras do pai da menor e de alguns amigos e colegas de trabalho que muito certamente não terão presenciado quaisquer discussões entre o casal, alias, muito certamente mal conhecem a mãe da menor, uma vez que esta desconhece por completo quem são os ditos: . Em primeiro lugar, porque a requerida raramente saia de casa pelo facto de ter de tomar conta da filha de ambos, . E em segundo lugar, porque como a larga maioria das discussões entre casais, era entre quatro paredes longe dos olhares e ouvidos alheios.

. Ao invés, o relatório social elaborado pela Segurança Social portuguesa faz uma análise ao próprio comportamento da criança referindo o seguinte: “A menor (…) denota acentuada hiperactividade e deficit de concentração comportamental, o que sugere que a criança (s)e encontre sob efeito traumático das cenas de violência ocorridas entre os progenitores” (negrito nosso) . Importa referir que na realidade o relatório social português é o que aqui verdadeiramente importa uma vez que a menor sempre viveu com a sua mãe, registando-se notório afecto recíproco.

. Ocorre que, por razões que a razão desconhece, o Tribunal A quo em momento algum se pronuncia sobre o conteúdo do relatório social português, nem tampouco se pronuncia sobre as conclusões aí apresentadas: “(…) a menor deverá permanecer junto da progenitora sob risco de vir a sofrer consequências físicas e psíquicas inestimáveis caso viesse a ser retirada do enquadramento familiar em que está integrada” (negrito nosso) resultando pois que a decisão é nula por omissão de pronúncia sobre questões que deveria conhecer, e por a mesma não ter sido sustentada no acervo probatório ao dispor do processo (artigo 668º n.º1 d) do Código de Processo Civil) . A entrega da menor ao seu pai e afastamento face a sua mãe, a manter-se, acarretará para ela indubitavelmente um sofrimento, que porá em risco a sua estabilidade emocional e afectiva, reflectindo-se necessariamente no seu normal desenvolvimento.

. Tal situação traduz-se, objectiva e inequivocamente, na verificação da situação de risco grave para a criança, a que alude a alínea b) do artº 13º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 25 de Outubro de 1980, mas a desconsideração dos meios de prova coligidos no processo levou a decisão diversa, senão vejamos: . A Convenção “teve por fim proteger a criança no plano internacional dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita e estabelecer formas que garantam o regresso imediato da criança ao estado de residência habitual, bem como assegurar a protecção dos direitos de visita, não é menos verdade que foram razões inerentes à salvaguarda dos interesses superiores das crianças que estiveram na base do estabelecimento das excepções à aplicação do regime de recondução das mesmas para o país onde se encontravam antes da actuação ilegítima, isto é, foram essas razões que estão na base da previsão deste artº 13º, em particular, da alínea b) do mesmo” (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.02.2005).

. Ora, como pode ser tomada decisão diversa, ao arrepio da Lei e dos meios probatórios constantes dos autos? . Mais, o que pode justificar a urgência desta decisão, sustentada em pressupostos tão precários e com a multiplicidade de factos que apontam em sentido contrário? . A mãe da menor não está foragida, é conhecida de todos a sua localização.

. Nunca a mãe da menor fez o menor esforço para esconder a filha, a sua própria localização nem pode ser posto em causa o tremendo esforço racional e comprovado que tem feito para legal e legitimamente ficar com a guarda da menor.

. Então cumpre apurar por que motivo foi entendido pelo Tribunal A quo conferir a este processo semelhantes contornos de urgência, algo que terá de ser respondido, e que sustenta o pedido para o recurso ter efeito suspensivo (só assim se reduzirão as consequências nefastas da decisão “a quo”).

. Vem o Tribunal A quo considerar provados os pontos 23, 24 e 25, que salvo melhor opinião não podem ser considerados provados.

. O pai da menor não juntou qualquer documento que comprovasse a inscrição da menor numa creche.

. Mais uma vez faz-se fé na palavra do pai da menor.

. Como pode ser considerado provado que o progenitor diligenciou para obter ajuda familiar para recolha da menor na cresce? Que familiar? Qual o nome desse familiar? Falou-se com essa pessoa? Sob juramento? . Na realidade o pai da menor não tem qualquer apoio familiar na Bélgica.

. Mais se dirá, no que se refere ao facto número 26, que um teste toxicológico de despiste de consumo de drogas, em nada prova factos ocorridos há um ano, ainda para mais, note-se, uma vez que a Requerida NUNCA o acusou de consumo de drogas, mas sim de consumo excessivo de álcool.

. Vem o Tribunal A quo considerar provado no ponto 20, que o pai da menor reside num T2. Na realidade vem o relatório social dizer que é uma casa com 2 quartos, uma cozinha, uma varanda e uma casa de banho, isto é na realidade um T1 pois não tem uma sala.

. Não entendemos com base em que provas, deu o Tribunal A quo como provado o ponto 28, verificado que a assistente social não conseguiu contactar qualquer vizinho e os “depoimentos” junto aos autos não dispõem de tradução certificada nem tampouco foram prestados perante qualquer autoridade judicial sob juramento.

. Toda a produção de prova testemunhal foi indeferida pelo Tribunal A quo, não obstante, valorou as cartas apresentadas pelos amigos do pai da menor.

. Teria sido certamente muito fácil a mãe da menor apresentar cartas de todas as pessoas que arrolou se soubesse que iriam ser valoradas.

. Muito teriam a escrever sobre a falta de idoneidade do pai da menor.

. Assim, dir-se-á que não se compreende ou tão pouco se aceita que uma decisão desta envergadura tenha sido executada antes mesmo de se ter notificado a mãe da menor.

. Logo, sem a decisão ter transitado em julgado.

. Sem ter sido dada hipótese de defesa àquela, em violação clara e inequívoca do contraditório previsto no artigo 3º do CPC pois foi decidida uma questão sem ter sido ouvida a mãe da menor: . Aliás, conforme decorre do preâmbulo do CPC: “como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

. Para que se perceba o alcance da violação deste princípio básico, o próprio processo foi bloqueado no CITIUS da representante legal da mãe da menor, tendo sido violados em absoluto os direitos de defesa desta.

. É certo que o mesmo artigo 3º dispõe no seu número 2 que...

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