Acórdão nº 1447/10.0TJLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | MARIA JOSÉ MOURO |
Data da Resolução | 21 de Junho de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I - O Ministério Público intentou acção declarativa sob a forma sumária, contra «“A” – Soluções Empresariais de Telecomunicações e Sistemas, S.A.».
Alegou o A., em resumo: A cláusula 12.4 do clausulado “Condições Gerais de Prestação do Serviço Telefónico acessível ao público num local fixo”, clausulado já impresso e previamente elaborado que a R. apresenta aos interessados que com ela queiram contratar aquele serviço, impõe aos contratantes aderentes, no caso de atraso no pagamento, o pagamento de juros comerciais à taxa aplicável. Tal cláusula integra-se num contrato respeitante a serviço público essencial – o serviço de comunicações electrónicas previsto no art. 1º, nº 2, al. d), da Lei nº23/96 – sujeitando ao pagamento de juros comerciais o cliente que seja consumidor; o art. 2º, nº 2 al. a), do dl nº 32/2003 de 17 de Fevereiro limitou o campo de aplicação do art. 102 do CCom ao excluir do regime especial dos juros de mora pelos atrasos nos pagamentos os contratos celebrados com os consumidores. Concluiu o A. que a cláusula em causa é nula atento o disposto no art. 15º do D.L. nº 446/85.
Pediu o A. que seja declarada nula a cláusula 12.4 do clausulado “Condições Gerais de Prestação do Serviço Telefónico acessível ao público num local fixo”, condenando-se a R. a abster-se de a utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição; mais pediu que a R. seja condenada a dar publicidade a tal condenação e a comprovar nos autos essa publicidade.
A R. contestou dizendo, essencialmente, que o conceito de cliente, no âmbito do referido contrato, abrange apenas as pessoas colectivas ou equiparadas que o destinam a uso profissional, pelo que não há dúvidas de que tais contratos se referem a actos de comércio, além de que a R. é uma entidade empresarial que celebra tais contratos no exercício da sua típica actividade económica de prestação de serviços de comunicações electrónicas, enquadrável no art. 230 do CCom; defendeu que o dl 32/2003 não é aplicável à situação em apreço e que a noção de consumidor não se reconduz ao caso dos autos.
Concluiu pela improcedência da acção.
O processo prosseguiu e, a final, foi proferida decisão que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.
Da sentença apelou o A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1- O conceito de consumidor não é inequívoco na nossa ordem jurídica, uma vez que a sua definição emerge, de formas distintas, em vários diplomas legais.
2- Em face da diversidade de conceitos legais, entende-se que a definição de consumidor não radica na distinção pessoa singular/pessoa coletiva, mas antes na contratação para fins não profissionais.
3- Os consumidores não estão sujeitos à taxa de juro comercial, quer por aplicação do Código Comercial, quer por aplicação do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.
4- O artigo 464.º, n.º 1, do Código Comercial exclui a compra e venda de bens de consumo.
5- Por outro lado, a ressalva contida no artigo 99.º do Código Comercial permite concluir que os consumidores, no nosso ordenamento jurídico, nunca estiveram sujeitos ao pagamento de juros comerciais.
6- O concurso da regulamentação das relações de consumo em determinados sectores mistos, derroga a aplicação do artigo 99.º do Código Comercial.
7- O artigo 2.°, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, limitou o campo de aplicação do artigo 102.° do Código Comercial, ao excluir do regime especial dos juros de mora pelos atrasos nos pagamentos os contratos celebrados com os consumidores.
8- No caso dos autos, a Ré logrou demonstrar, em sede de audiência de julgamento, que apenas contrata os serviços indicados no clausulado em apreço a pessoas coletivas para fins profissionais.
9- A prova de tal facto (fins profissionais) foi efetuada mediante a inquirição de testemunhas, tendo o Tribunal recorrido fundado a sua convicção única e exclusivamente na prova testemunhal e não no teor do contrato em apreço.
10- Porém, a fiscalização da legalidade das cláusulas contratuais gerais é feita em abstrato e deve cingir-se única e exclusivamente ao conteúdo do contrato tal como se encontra redigido, não podendo ser produzida prova testemunhal que venha adicionar condições ao clausulado previamente elaborado, restringindo a sua aplicação, nos termos dos artigos 393.º e 394.º, ambos do Código Civil.
11- A matéria de facto em análise deve ser considerada como não escrita, não podendo ser dada como provada para fundamentar a decisão recorrida.
12- Acresce que a expressão “contratação para fins profissionais” é uma expressão conclusiva, a qual contém, em si, um conceito legal que carece de concretização, o que não foi feito pela Ré na contestação.
13- As respostas sobre matéria de direito ou conclusiva e carecendo de concretização padecem dos vícios de obscuridade e deficiência, como é o caso, nos termos dos artigos 655.º e 712.º a contrario, ambos do Código de Processo Civil.
14- A matéria dada como provada no ponto 8 da matéria assente deve igualmente ser considerada não escrita, com fundamento e nos termos do artigo 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
A R. contra alegou nos termos de fls. 92 e seguintes.
* II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1) A Ré encontra-se matriculada sob o n.º ..., na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
2) A Ré tem por objecto social a “Prestação de serviços de telecomunicações e o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações, bem como o desenvolvimento, consultoria e actividades no âmbito das tecnologias de informação e respectivos conteúdos”.
3) No exercício de tal actividade, a Ré procede à celebração de contratos de prestação de serviço telefónico acessível ao público num local fixo.
4) Para tanto, a Ré apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar formulários de subscrição de serviço telefónico acessível ao público num local fixo e um clausulado já impresso e previamente elaborado, análogo ao que se junta, intitulado “Condições Gerais de Prestação do Serviço Telefónico acessível ao público num local fixo da “A”-Soluções Empresariais de Telecomunicações e Sistemas, S.A”.
5) O clausulado já impresso e previamente elaborado intitulado “Condições Gerais de Prestação do Serviço Telefónico acessível ao público num local fixo da “A” Soluções Empresariais de Telecomunicações e Sistemas, S.A” não contém quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes/aderentes que em concreto se apresentem a contratar com a Ré.
6) É o seguinte o texto da cláusula 12.4 das referidas condições gerais, sob a epígrafe “Modo e Prazo de Pagamento”: “Sobre os valores em débito não liquidados pontualmente incidem juros de mora à taxa legal em vigor, nos termos do art.102º § 3 do Código Comercial.” 7) É o seguinte o texto da cláusula 1.2 das referidas condições gerais, sob a epígrafe “Objecto”: “O conceito de CLIENTE, no âmbito do presente contrato, abrange apenas as pessoas colectivas ou equiparadas.” 8) A Ré apenas contrata e presta o Serviço Telefónico acessível ao público num local fixo a pessoas colectivas ou equiparadas, que utilizam tais serviços para fins profissionais.
* III - O percurso seguido pela sentença recorrida foi o seguinte: o serviço fornecido pela R. insere-se no rol de serviços públicos essenciais, serviços que são prestados a utentes que tanto podem ser pessoas...
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