Acórdão nº 1837/02.1PFLRS.L2-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelFILOMENA CLEMENTE LIMA
Data da Resolução05 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

1.1.

No 4.º Juízo Criminal de Loures foi proferida sentença a absolver o arguido A... da acusação da prática do crime p. e p. pelo art.º 148.º, n.º 1, do Código Penal e, bem assim, a julgar improcedentes os pedidos civis deduzidos contra a demandada Companhia de Seguros ..., SA.

1.2.

1.2.1.Recurso da decisão principal: O demandante cível interpôs recurso da decisão final, concluindo do seguinte modo: “ 1 - O tribunal a quo cometeu um erro na apreciação da velocidade de circulação do arguido pelo que se impugna, porque incorrectamente julgado, parte do facto constante na alínea a) da matéria de facto provada, no que tange ao facto de, no tempo e local apurados, o arguido seguir "a uma velocidade de cerca de 30 km/h".

2 - Sendo ponto assente que o arguido percorreu a distância que antecede a passadeira "imprimindo ao seu veículo uma velocidade uniforme" (cfr alínea o) da factualidade provada, o tribunal avaliou erradamente, e com violação das regras de experiência comum, a velocidade a que o arguido circulava.

3 - Consta do processo que a travagem deixou um rasto de 9,60 metros o que, por aplicação das tabelas de DÁRIO DE ALMEIDA, de MANUEL DE OLIVEIRA MATOS ou da plataforma de cálculo desenvolvida pelo Instituto Superior Técnico (em parceria com a seguradora "..." e a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) corresponde a uma velocidade de circulação nunca inferior a 40 quilómetros por hora.

4 - Com pacificamente se tem entendido, "Se o tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum ( ... ) incorre, inquestionavelmente, em erro na apreciação da prova." (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/10/1996, in www.dgsi.pt); 5 - "O erro notório na apreciação da prova tem de substanciar-se em afirmações feitas pelo tribunal e dentro do contexto factual dado como comprovado e não comprovado, por modo a haver de um lado a afirmação que, posta em confronto com outra, evidencie situação que não pode ser harmonizada, tomando como referência os pontos da factualidade posta em confronto" (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/01/1998, in www.dgsi.pt).

6 - Segundo as regras de experiência comum, um veículo que deixa um rasto de travagem de com 9,60 metros não pode, de todo, circular a uma velocidade de cerca de 30 km/hora.

7 - O tribunal deve, pois, corrigir este ponto da matéria de facto, alterando-a para a seguinte formulação (ou semelhante): "a) no dia 15 de Abril de 2002, pelas 6:50 horas, o arguido seguia ao volante do veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-…, a uma velocidade de pelo menos 40 km/hora, pela Rua Almirante Gago Coutinho, …, área desta comarca. " 8 - O recorrente impugna o ponto a matéria de facto em que se deu com provado que "o arguido accionou os travões no momento em que o ofendido embateu no veículo".

9 - Estamos perante um verdadeiro erro de julgamento pois a prova produzida foi incorrectamente valorada já que o arguido, a testemunha T1... e a testemunha T2… depuseram, aliás, em uníssono, que a travagem só se dá após o embate do veículo no ofendido (vide indicações das passagens da prova gravada).

10 - A descrição que a sentença faz do conteúdo dos depoimentos acima indicados não corresponde ao que, na realidade, o arguido e as testemunhas disseram pelo que deve modificar-se tal decisão da matéria de facto para: "h) o arguido accionou os travões logo após o momento em que o ofendido embateu no veículo".

11- O que se passou na audiência de discussão e julgamento não tem perfeito reflexo com a matéria factual dada como provada na sentença, razão pela qual se impugna parcialmente, assinalando a negrito, a matéria de facto dada como provada nas seguintes alíneas: " c) o queixoso B…, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar referidas em a), acompanhado do seu irmão, dirigia-se para a escola, no passeio que antecede a passadeira o ofendido circulava a cerca de 1 m atrás do irmão, circunstância que se verificava quando chegaram à passadeira de peões; d) ao chegar junto da passadeira, o irmão do ofendido parou e olhou para via, tendo visto que o veículo conduzido pelo arguido se encontrava a cinco metros da passadeira, motivo pelo qual não procedeu à travessia da via, por entender que não o podia fazer em segurança; f) quando o ofendido iniciou a travessia da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido, o veículo conduzido por este já se encontrava sobre a passadeira;" 12 - Assim, e naturalmente em coerência, impugna-se, porque incorrectamente julgado, ter-se dado como não provado que "o embate aludido em g) se tivesse ficado a dever a falta de atenção do arguido, designadamente aos peões que pretendessem proceder à travessia da via".

13 - Tal impugnação funda-se nas passagens da prova gravada melhor constantes e indicadas no ponto VI da presente alegação.

14 - Não está em causa a livre apreciação da prova da Exma. Sra. Juíza de Direito junto do 4.º Juízo Criminal de Loures mas, isso sim, a descrição que a sentença faz do conteúdo dos depoimentos indicados e que não correspondeu à realidade da prova produzida em julgamento pelo que se impõem as seguintes modificações à matéria de facto provada: "c) o queixoso B…, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar referidas em a), acompanhado de sue irmão, dirigia-se para a escola, no passeio que antecede a passadeira o ofendido caminhava atrás do irmão, circunstância que se verificava quando chegaram à passadeira de peões; d) ao chegar junto da passadeira, o irmão do ofendido parou e olhou para via avistando o veículo conduzido pelo arguido a cerca de trinta metros; mantendo-se na berma da passadeira, em cima do passeio, aguardava a chegada do irmão quando olhou novamente para a via, tendo visto que o veículo conduzido pelo arguido se encontrava a cinco metros da passadeira, motivo pelo qual não procedeu à travessia da via, por entender que não o podia fazer em segurança.".

15 - A sentença recorrida padece do vício de contradição na fundamentação pois a matéria dada como provada nas alíneas a), e), f) e g) traduz uma dinâmica de acidente que está inquinada pela impossibilidade lógica e material.

16 - "A sentença recorrida deu como provado que o veículo conduzido pelo arguido, no momento em que ocorreu o acidente, vinha animado de uma velocidade de cerca de 30 km/hora, o que corresponde, sensivelmente, a 8,33 metros por segundo." 17 - "Partindo do princípio que a passagem de peões onde o sinistro teve lugar obedecia ao padrão máximo de largura de 4 metros, a viatura que o arguido conduzia teria necessitado de menos de meio segundo para a transpor. " 18 - "A velocidade de marcha do peão sinistrado, ora recorrente, aquando do atravessamento da passadeira, não se mostra quantificada na matéria de facto provada". Então, sabia-se algo que hoje não se sabe, ou melhor, que não ficou provado: "... sabendo-se apenas que efectuou o atravessamento em passo apressado. ".

19 - "Caso o recorrente tivesse transposto em meio segundo a distância de 2,55 m, que, de acordo com a factualidade assente, mediou entre o passeio onde ele iniciou o atravessamento da via e o local onde ele embateu na viatura conduzida pelo arguido, tal teria significado que a sua velocidade de marcha era superior a 5 metros por segundo, ou seja, mais de 18 km/h. " 20 - "Ora, uma velocidade de marcha de 18 km/h equivale, para qualquer indivíduo adulto normal, a um passo de corrida (e o recorrente, ao tempo dos factos, ainda não era plenamente adulto), pelo que a velocidade a que o peão sinistrado caminhava, aquando da ocorrência, teria de ser substancialmente inferior a essa. " 21 - "Neste contexto, teremos de concluir que, em face daquilo que se apurou sobre as velocidades de circulação do veículo e de marcha do peão e assente que este inicia o atravessamento da rua quando aquele já se encontra sobre a passadeira, o embate do peão no veículo não poderia ter ocorrido a 2,55 m do ponto onde se inicia a travessia, pois, no momento em que o peão ali chegou, o veículo já teria por lá passado, ou, pelo menos, teria tido lugar num ponto da carroçaria da viatura muito mais traseiro do que aquele onde, de acordo com a factualidade provada, se verificou, isto é a ilharga do pneu dianteiro. " 22 - "Por conseguinte, verifica-se que os factos julgados provados pelo Tribunal "a quo" que integram a dinâmica do acidente em que foram intervenientes o arguido e o recorrente, mostram-se logicamente incompatíveis uns com os outros quando considerados no seu conjunto. " 23 - "Dito por outras palavras, o acidente não poderia ter ocorrido conforme descrito na factualidade provada, tendo em conta pontos de factos relevantes para o efeito, que a sentença recorrida deu como demonstrados: velocidade de circulação do veículo, velocidade de marcha do peão, local onde se encontrava a viatura no momento em que o peão inicia o atravessamento da via, local da via onde ocorre o embate do peão no veículo, ponto da carroçaria da viatura em que tem lugar o impacto do peão. " 24 - Continua por determinar quais os factos que foram incorrectamente julgados mas é patente - e continua a ser - a incompatibilidade lógica entre os vários pontos, mantendo-se, integralmente, as razões que levaram esta Relação a reenviar o processo para julgamento.

25 - Impõe-se, assim, o reenvio do processo para julgamento já que tal clamorosa contradição para a decisão da matéria de facto provada impede a boa decisão da causa.

26 - Não obstante, e caso os Exmos. Srs. Juízes-Desembargadores assim não entendam, poderá desde já ser proferida decisão diversa e que considere que o tribunal violou o disposto nos arts. 24.º, n.º1,25.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CE, bem como o disposto no art. 148.º do Código Penal ao desconsiderar a condução desatenta e imprudente do arguido como causadora do acidente, violando os deveres objectivos de cuidado, designadamente as regras de direito...

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