Acórdão nº 3095/08.5YXLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Data da Resolução05 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório: Veio o Ministério Público, ao abrigo do disposto nos arts. 25 e 26, nº 1, al. c), do DL nº 446/85, de 25.10, instaurar contra B…, S.A., acção declarativa sob a forma sumária, invocando, em síntese, que celebrando a Ré, no âmbito do seu objecto social, contratos de disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva de lazer, para o que apresenta aos interessados um contrato de adesão sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, a mesma inclui nesse contrato-tipo cláusulas cujo uso é proibido por lei. Assim, e pelas razões que enuncia, pede que sejam declaradas nulas as seguintes cláusulas: 5ª, nº 1, alíneas c) e e), 6ª quanto ao prazo inicial de vigência do contrato, 7ª, nº 2, na parte respeitante à não restituição das quantias pagas, 7ª, nº 5, ponto 1, na parte em que é exigida a aceitação pelo clube, 7ª, nº 5, ponto 2, quanto à menção “Caso a direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite” e quanto à clausula penal fixada, 9ª, nº 1, e 12ª, condenando-se a Ré a abster-se de as utilizar nos contratos que de futuro venha a celebrar. Pede, ainda, a condenação da mesma Ré a dar publicidade a tal proibição e a comprová-lo nos autos, em prazo a determinar, devendo aquela ser efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a 1/4 de página.

Contestou a Ré, impugnando a alegação constante da p.i. e defendendo a validade de cada uma das cláusulas assinaladas. Pede a improcedência da acção.

Foi elaborado despacho saneador, dispensando-se a selecção da matéria de facto.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, e após fixada a matéria assente, foi proferida a seguinte sentença: “(...) decido julgar a presente acção provada e parcialmente procedente e, em consequência:

  1. Declaro proibidas as seguintes cláusulas, ínsitas no contrato designado “… Health Club, Contrato de Adesão – Cláusulas Gerais”, elaborado por L…. SA, condenando a ré a abster-se de as utilizar: • “5.1, alínea e), na parte em que determina que: O clube reserva-se o direito de alterar as instalações e actividades disponibilizadas continuando o sócio responsável pelo pagamento das quotas.”; • “ 6., na parte em que estipula que: O presente contrato vigora pelo período mínimo de 12 meses, a partir da data de início identificada no contrato de adesão”; • “7.2, na parte em que estipula que: sem que lhe assista (ao sócio) o direito de reaver quaisquer quantias pagas.”; • “7.5.2, na parte em que estipula: Caso a Direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite. Se o pedido for aceite, o sócio ficará apenas obrigado a pagar 50% do remanescente da quota anual.”; • “9.1 – O Clube poderá transmitir a sua posição contratual, nomeadamente, em resultado de fusão, cisão, qualquer outra alteração do seu contrato de sociedade ou outra forma de transmissão de estabelecimento.”; • “12. - Para todas as questões emergentes ou relacionadas com o presente contrato é competente o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, sendo a opção realizada por aquela que se situe mais próximo do domicilio relevante do sócio, por forma a que não resultam graves inconvenientes para o mesmo”, absolvendo-se do demais peticionado quanto a esta matéria.

  2. Condeno a ré a dar publicidade à proibição determinada, em anúncio, de tamanho não inferior a 1/4 de página, a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem, no País, durante três dias consecutivos, comprovando no autos essa publicidade, em 10 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença.

  3. Condeno autor e ré nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/9 e 7/9, respectivamente, encontrando-se o autor isento do pagamento de custas – art. 446º do C. Processo Civil.” Inconformados interpuseram recurso da sentença proferida o A. e a Ré.

    O Ministério Público/A. culmina as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ 1- Na interpretação da cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c) do “Contrato de Adesão – Cláusulas Gerais” celebrado pela Ré há que atender ao princípio geral contido no art. 10.º da LCCG.

    2- O objectivo desse princípio “é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.”.

    3- Irreleva, portanto, a intenção da predisponente, o sentido que a aqui Recorrida afirma ter pretendido dar à cláusula, coincidente com a decisão tomada pela Mm.ª Juíza.

    4- No caso, decerto o declaratário normal, colocado perante as cláusulas 5.ª, n.º 1, alínea c) e 6.ª do contrato em questão, lendo-as em simultâneo, iria entender que durante o período que, de modo peremptório, é definido como a Ré como “período mínimo de 12 meses” (sublinhado nosso) não há lugar à rescisão da adesão admitida pela cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c): seria isso que aquele razoavelmente poderia inferir da conduta deste.

    5- E é assim, em simultâneo, que esta leitura tem de ser feita. Só desta forma se coaduna com o elemento “contexto de cada contrato singular” a que alude o art. 10.º da LCCG.

    6- Atender à realidade contratual em que a cláusula se inclui significa ter presente que se trata de um contrato de prestação de serviços com uma cláusula de fidelização que impõe uma duração mínima do contrato.

    7- Ao efectuar uma leitura isolada da cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c), considerando-a, consequentemente, válida na redacção que apresenta, a Mm.ª Juíza a quo manteve a possibilidade que a Ré tem de alterar livremente o valor da quota anual no decurso do período mínimo de duração do contrato, invocando depois esse decurso para obstar à rescisão.

    8- Da conjugação dos textos das cláusulas 5.ª, n.º 1, alínea c) e 6.ª resulta, pois, claro que, no decurso do período inicial de doze meses, o aderente está vinculado a qualquer alteração livre do valor da quota anual efectuada pela Ré.

    9- Lendo-se na cláusula 5.ª, n.º 2, alínea c) do contrato que “os montantes e datas dos débitos são os estipulados no contrato de adesão”, a alteração do valor da quota anual corresponde a uma alteração dos termos do contrato.

    10- Atribuindo, assim, a cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c) à Ré “o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato”, sem que exista qualquer motivo atendível que as partes tenham acordado.

    11- Pelo que, por força do art. 22.º, n.º 1, alínea c) da LCCG, é relativamente proibida.

    12- Esta total liberdade – sem possibilidade de manifestação de oposição por parte do aderente – que a cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c) concede à Ré quer em termos temporais quer em termos quantitativos quanto à mudança do valor da quota anual leva a concluir que a mesma permite elevações de preços, num contrato de sucessivas prestações, em prazos notoriamente breves, ou, para além desse limite, elevações exageradas. E que impede a imediata denúncia do contrato quando as elevações dos preços a justificam.

    13- Constituindo por isso, também devido ao preceituado pelas alíneas e) e f) do mesmo art. 22.º, n.º 1 da LCCG, uma cláusula relativamente proibida.

    14- Do mesmo modo, a focada liberdade em termos quantitativos significa que a cláusula consagra, a favor da Ré, a possibilidade de alterar as prestações, sem compensação equivalente às modificações de valor ocorridas.

    15- O que conduz ao preenchimento da alínea h) do art. 19.º da LCCG e, de novo, à sua qualificação como cláusula relativamente proibida.

    16- Perante o enunciado, deveria, pois, a Mm.ª Juíza a quo ter considerado proibida a cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c) por força do disposto nos arts. 22.º, n.º 1, alínea c), e) e f) e 19.º, alínea h), todos da LCCG. Tendo, deste modo, com a decisão tomada no sentido da respectiva validade, violado estes normativos legais, assim como o art. 10.º da LCCG.

    17- Quanto à cláusula 7.ª, n.º 5, ponto 1, a aí utilizada expressão “após aceitação do clube e nos seguintes casos” (sublinhado nosso) contém inequivocamente uma exigência cumulativa: a aceitação do clube e a verificação de uma das situações que de seguida são enumeradas.

    18- É claríssima a redacção da mesma no sentido de que só verificados os dois aludidos pressupostos é que o sócio pode rescindir o contrato.

    19- É este, sem dúvida, o significado “que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário” pode extrair do comportamento do declarante, da redacção por ele dada à cláusula em apreço, em obediência à regra contida no art. 10.º da LCCG.

    20- Acresce e no que concerne ao “contexto de cada contrato singular” mencionado pelo art. 10.º da LCCG que, se a falta de aceitação pela Ré fosse tão inócua e inconsequente como consta da decisão sob recurso, não faria sentido a estipulação presente na também citada cláusula 7.ª, n.º 5, ponto 2 de que “caso a Direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite”. Para quê a Ré consignar tal efeito se entendesse não ter esta não aceitação tácita qualquer consequência? 21- Ainda que se entendesse, à semelhança da Mm.ª Juíza a quo, que à Ré, na sequência da resolução do contrato, apenas restava “interpor a respectiva acção judicial”, não vislumbramos como negar que a cláusula permite a invocação pela Ré de que a rescisão se encontra dependente da sua aceitação.

    22- Na verdade, a apreciação a fazer no âmbito das cláusulas contratuais gerais tem de ser necessariamente endógena, passar pela indagação do que elas permitem à sua utilizadora fazer.

    23- Há que olhar...

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