Acórdão nº 905/05.2JFLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | ABRUNHOSA DE CARVALHO |
Data da Resolução | 10 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Na 5ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 15/05/2012, constante de fls. 737 a 754, foi o Arg.
[1] R…, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 737) absolvido nos seguintes termos: “…Em face a tudo quanto se deixa exposto, decidem os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo julgar a acusação improcedente, por não provada e, consequentemente absolver o arguido R… que mandam em paz.
…”.
* Não se conformando, o Exm.º Magistrado do MP[2] interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 774 a 803, com as seguintes conclusões: “…1. - O presente Recurso circunscreve-se (A) à absolvição do Arguido R… pela prática de 2 crimes de falsificação de documentos e 2 crimes de burla qualificada tentada, relativos aos factos descritos no Capítulo I, da Acusação (sob a epígrafe “Cheques estrangeiros furtados”, artºs. 13º a 24º), de que vinha acusado, bem como (B) à absolvição do referido Arguido pela prática de 1 crime de falsificação de documentos e 1 crime de burla qualificada tentada, relativo aos factos descritos no Capítulo III, da Acusação (sob a epígrafe “Compra de cheque GBP 53.000.000,00”, artºs. 13º a 24º) de que vinha, igualmente, acusado; (…) Em conformidade, propugna-se pela procedência do Recurso, condenando-se o Arguido pelos crimes referenciados, suprindo-se o vício e a nulidade apontados.
Subsidiariamente, caso assim não seja entendido - o que não podemos excluir, por uma questão de princípio -, deve ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente aos segmentos da matéria de facto ora impugnados.
…”.
* O Arg.
respondeu ao recurso, nos termos de fls. 810 a 833, concluindo da seguinte forma: “… A) o arguido não cometeu qualquer dos crimes de que foi acusado; B) Não teve conhecimento de que terceiros tenham cometido qualquer crime, tal como consta deste processo; C) Menos consentiu que alguém tivesse praticado os factos que constam destes autos, Logo, e muito simplesmente, D) O arguido foi absolvido em Primeira Instância, E) Decisão que se deverá manter, …”.
* Neste tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 868, em suma, subscrevendo a posição assumida pelo MP na primeira instância.
* A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.
Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis ou seja o princípio da verdade material; da livre apreciação da prova e o princípio “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade bem como da oralidade e da imediação.
A decisão em crise fixou da seguinte forma a matéria de facto: “…No prosseguimento resultaram provados os factos seguintes: (…) * Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP[3] determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas.
Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado[4].
No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma: “… (…) .
…”.
* É pacífica a jurisprudência do STJ[5] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes: I – O acórdão recorrido padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de omissão de pronúncia; II – O tribunal recorrido não devia ter dado como não provados os factos relativos aos crimes de falsificação e burla imputados ao Arg., porque existe prova que impõe que tais factos se dêem como provados.
* Cumpre decidir.
I – Entende o MP que acórdão recorrido não deu como provada nem não provada parte dos factos constantes dos art.ºs 45º e 46º da acusação, pelo que, em seu entender, padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de omissão de pronúncia.
E tem razão.
Na verdade, acusando-se em tais art.ºs 45º e 46º o Arg. de ter praticado tais factos, ou de ter pedido a terceiro que o fizesse, o tribunal recorrido só deu como não provado que não foi o Arg. que os praticou, nada tendo dito sobre se tais factos foram praticados por terceiro a seu pedido e com o seu conhecimento.
Importa, antes do mais, qualificar este vício como insuficiência para a decisão da matéria de facto ou como omissão de pronúncia, uma vez que, como explicaremos infra, consideramos que, neste último caso, o tribunal de recurso não pode sanar a nulidade.
Para que exista o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto, é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e seja de concluir que o tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico suporte bastante dessa decisão[6].
“Está-se na presença da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito quando os factos colhidos, após o julgamento, não consentem, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade, o ilícito dado como provado.”[7],[8].
Não ocorre esse vício quando o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar. E o princípio da investigação oficiosa no processo penal, conferido ao tribunal pelos art.ºs 323°/a) e 340°/1 do CPP tem os seus limites na lei e está condicionado pelo princípio da necessidade, dado que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a uma decisão justa, devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase de julgamento, ou a requerimento dos sujeitos processuais.
Aquele juízo de oportunidade, de necessidade de diligências de prova não vinculada, dada a imediação e a vivência do julgamento, sede do contraditório, constitui pura questão de facto não subsumível ao art.º 410°/2-a), b) e c)/3 do CPP e, portanto, insusceptível de ser sindicada pelo tribunal de recurso.
Quando se verifica este tipo de vício, o processo só deve ser devolvido à 1.ª Instância se o tribunal superior não dispuser dos elementos necessários à sua sanação (art.ºs 430º e 431º/a) do CPP).
Uma vez que o tribunal recorrido não disse se considerava provada ou não provada a referida matéria, parece ser de concluir que se mostra verificado este vício de insuficiência.
Por outro lado, tratando-se de factos relevantes que constavam da acusação, uma vez que poderiam conduzir à condenação do Arg. como co-autor dos mesmos, e sobre os quais a decisão recorrida não se pronunciou, parece ser de concluir que esta padece do vício de omissão de pronúncia[9].
Considerando, relativamente à questão em causa nos presentes autos, que constitui o vício de insuficiência, pronunciou-se o STJ de 17/02/2003[10], nos seguintes termos: “… A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão.
…”.
No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos da RE de 28/11/2012, relatado por Ana Bacelar Cruz, in JusNet 6700/2012, e da RG de 01/09/2006, relatado por Fernando Monterroso, in www.gde.mj.pt, processo 1311/06-1, do qual citamos: “…Mas, se a sentença não dá como «provado», nem como «não provado» algum facto relevante, que devia ter sido investigado, a questão não é de nulidade da sentença, mas da existência do vício do art. 410 nº 2 al. a) do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Este vício verifica-se quando há omissão de pronúncia pelo tribunal relativamente a factos alegados por algum dos sujeitos processuais ou resultantes da discussão da causa, que sejam relevantes para a decisão …”.
No sentido de que uma tal omissão constitui o vício de nulidade da sentença, previsto no art.º 379º/1-c) do CPP, parece ter decidido o acórdão do STJ de 14/05/2008, relatado por Maia Costa, in www.gde.mj.pt, processo 08P1130, de cujo sumário citamos: “…I - Numa situação em que o Tribunal da Relação considerou a prova insuficiente relativamente a dois...
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