Acórdão nº 36126/12.4YIPRT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Janeiro de 2013

Data17 Janeiro 2013
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 02.03.2012 “A”, Sociedade Gestora, S.A.

, apresentou requerimento de injunção contra “B”, S.A.

, solicitando que a requerida fosse notificada para lhe pagar a quantia de € 11 728,54, sendo € 11 253,23 a título de capital e € 373,31 a título de juros de mora.

A requerente alegou ser uma empresa pública de capitais exclusivamente públicos e concessionária do serviço público de criação, instalação, gestão, exploração e promoção dos parques empresariais identificados no anexo I do Dec.-Leg. Regional n.º 28/2001/M, de 28.8. Em virtude de contrato celebrado em 16.9.2010, a requerida vem ocupando o Lote n.º … do Parque Empresarial do …, local onde vem exercendo a sua atividade e pagando à requerente a correspondente retribuição mensal. Porém, encontram-se em dívida diversas retribuições, nomeadamente as referentes aos meses de Junho de 2011 a Fevereiro de 2012.

A requerida deduziu oposição, na qual no essencial alegou que o arrendamento invocado fora celebrado no âmbito de um contrato-promessa de constituição de direito de superfície sobre o lote ocupado pela requerida, vigorando enquanto não fosse celebrado o negócio prometido. Por razão exclusivamente imputável à requerente a situação tem-se arrastado, sem que seja celebrada a prometida escritura de constituição do direito de superfície, pelo que a requerida invoca a exceção de não cumprimento do contrato ou, em alternativa, abuso de direito por parte da requerente, com a consequente absolvição da requerida do pedido.

Distribuídos os autos ao 2.º juízo cível do Tribunal Judicial do Funchal, em 03.8.2012 foi proferido despacho em que se julgou o tribunal absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer e decidir a presente causa e, em consequência, se absolveu a R. da instância.

A Autora apelou de tal despacho, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões: 1- Vem a ora recorrente interpor recurso de apelação, não se conformando com a decisão do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Funchal, a qual considerou ser aquele tribunal absolutamente incompetente em razão da matéria, e em consequência, absolveu a Ré da instância.

2 - O tribunal a quo considerou que a ora recorrente atuou “ investida em poderes de autoridade “, considerando que o contrato promessa de constituição de direito de superfície celebrado entre as partes está submetido ao regime do direito público.

3 - Após largas dezenas de processos (declarativos, de injunção, e execuções ) movidos pela ora recorrente “A” nos tribunais de competência cível, para recebimento de valores devidos por contratos iguais ou semelhantes aos dos autos e outros, esta é a primeira vez que se viu decisão igual.

4 - A “A”, Sociedade Gestora, S.A., como o próprio nome aponta, é uma sociedade comercial, de tipo anónima e que visa o lucro, constituída pelo Decreto Legislativo Regional n.º 28/2001/M e seus anexos, sendo o seu capital social detido pelo Governo Regional da Madeira (51%) e pelo Instituto de Desenvolvimento Empresarial (49%).

5- A ora recorrente atua no âmbito da esfera do direito privado quando é procurada por empresas que pretendem instalar-se nos espaços dos parques empresariais, propriedade da “A”, e com ela celebra contratos, como o dos autos, por forma a formalizar a vontade das partes.

6- E ainda quando celebra contratos de arrendamentos de pavilhões por si construídos por forma a que as empresas se instalem e usufruam desses mesmos pavilhões no exercício do seu ramo de atividade.

7- Não existe, nem se vislumbra em parte alguma do contrato celebrado ou da relação contratual das partes, qualquer poder de autoridade, nem de supremacia, pois em qualquer dos casos, nem de perto, nem de longe, a “A” está munida de “auctoritas publica” (ius imperii).

8 - A “A”, após celebrar um contrato, de âmbito de direito privado, em que cedeu um lote à ora recorrida contra um pagamento de uma verba mensal, prometendo ainda celebrar um contrato definitivo de constituição de direito de superfície, não está a celebrar nenhum contrato “ …de objeto passível de ato administrativo… “, nem “…contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo..”, ou seja, não se encontra abrangida por nenhuma das situações a que alude o art.º 4º do ETAF.

9 - A recorrente “A” não impõe, nem pode impor, seja que contrato, seja que cláusula, seja que regulamento for a nenhum sujeito, pois nem neste caso, nem em qualquer outro detém qualquer poder de autoridade para o fazer.

10 - O tribunal a quo baseia a sua decisão na existência da cláusula quarta do contrato e na existência de um Regulamento de Utilização e Frequência dos Parques para, erroneamente e precipitadamente, concluir que a cobrança dos valores devidos e não pagos é da competência do Tribunal Administrativo do Funchal.

11 – Na aludida cláusula quarta do contrato celebrado apenas se define o prazo do contrato, referindo que o mesmo tem o seu términus em 27/03/2031, data coincidente com o fim da concessão de gestão dos parques. Como se pode simplesmente extrair desta cláusula, a conclusão de que o contrato está submetido ao direito público, só porque se convencionou fazer coincidir o fim do contrato com o fim da concessão ?? 12 - Nem aceita o argumento que o contrato se encontra submetido ao direito público porque existe e a recorrida aceitou se submeter a um regulamento de utilização e frequência dos parques.

13 – Não parece razoável submeter a presente ação aos tribunais administrativos, quando apenas está em causa a pretensão de receber valores de rendas que são devidas à ora recorrente “A” em virtude de um contrato privado celebrado com a recorrida, e não valores devidos por qualquer ato administrativo ou qualquer contrato de direito público.

14 – Não sendo verdade a afirmação contida na sentença em apreço: “ a cobrança do crédito só é possível porque está investida em poderes de autoridade que se impõem aos particulares “.

15 - A recorrente “A” não impõem, nem impôs, qualquer valor aos particulares usando poderes de autoridade, apenas pretende simplesmente receber os valores que lhe são devidos pela utilização do lote que a ora recorrida ocupa no Parque Empresarial do …, sendo que em momento algum do contrato as partes submeteram expressamente o mesmo a um regime substantivo de direito público, conforme o contrato negativamente o demonstra.

16 - Em conclusão, e no caso “sub iudice”, a recorrente não agiu no uso de poderes e prerrogativas de autoridade, ou seja, não agiu no âmbito do direito público, não praticou nenhum ato administrativo, mas sim no âmbito do direito privado celebrou um contrato, o qual foi incumprido, e que a obrigou a recorrer ao tribunal a quo por forma a receber os valores em atraso.

17- Assim, deverá ser considerado como competente o tribunal judicial do Funchal, declarando-se nula e sem qualquer efeito a decisão de que ora se recorre, prosseguindo a ação os seus ulteriores termos até final.

18 - A sentença sub judice violou assim, o disposto nos artigos 493, n.º 2, 494, al. a) e 495º todos do Código do Processo Civil e ainda o art.º 4º f) do ETAF.

A apelante terminou pedindo que se desse provimento ao recurso, considerando-se o tribunal judicial do Funchal como competente para julgar a presente ação, declarando-se nula e sem qualquer efeito a decisão recorrida, prosseguindo a ação os seus ulteriores termos até final, assim se fazendo Justiça.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO A questão objeto deste recurso é se a competência para julgar o presente litígio cabe aos tribunais judiciais ou, conforme foi ajuizado no despacho recorrido, à jurisdição administrativa.

Com interesse para o recurso resulta dos autos a seguinte Matéria de facto 1. A requerente é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e foi constituída pelo Decreto Legislativo Regional n.º 28/2001/M, de 28 de Agosto, posteriormente alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 12/2002/M, de 17 de Julho.

  1. A requerente tem por objeto a concessão de serviço público de criação, instalação, gestão, exploração e promoção dos parques empresariais identificados no anexo I do Decreto Legislativo Regional n.º 28/2001/M.

  2. No exercício da sua atividade em 16.9.2010 a requerente subscreveu, juntamente com a requerida, o “contrato promessa de constituição de direito de superfície” documentado a fls 12 a 14 e v.º dos autos, do qual constam as seguintes cláusulas: “Primeira: O primeiro outorgante [a ora requerente] promete constituir a favor do segundo outorgante [a ora requerida] um direito de superfície sobre um lote de terreno localizado no Parque Empresarial do …, com a área total de 1.622 m2, referenciado com o numero “5” assinalado na planta anexa ao presente contrato, do qual faz parte integrante.

    Segunda – Um: O direito de superfície destina-se a implantação de serviços no domínio da lavagem e limpeza industrial; Dois: Para o efeito, o primeiro outorgante transmite ao segundo outorgante a posse imediata do lote de terreno objecto do presente contrato.

    Terceira –Um: A utilização da construção edificada no lote objecto do presente contrato, para fim diverso do previsto no número anterior, depende da prévia autorização do primeiro outorgante; Dois: Caso seja autorizado, pelo primeiro outorgante, o exercício de outra actividade, poderão ser ajustadas a nova situação, as cláusulas do presente contrato que sejam determinadas pela natureza da actividade a exercer; Três: Ficam dependentes de prévia autorização do primeiro outorgante, sem prejuízo de quaisquer outros condicionalismos legais exigidos, quaisquer construções, alterações, reconstruções ou ampliações de edifícios ou instalações.

    Quarta – Um: O direito de superfície prometido constituir é pelo prazo que durar a concessão do serviço público de criação, instalação, gestão...

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