Acórdão nº 08540/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução22 de Novembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso do acórdão do TAF de Leiria que julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial, declarando nulos os actos impugnados – Deliberações da Câmara Municipal de Alcobaça, de 21.06.2004, que, no âmbito do processo de obras nº 224/2004, aprovou o projecto de arquitectura, de 31.01.2005, e os actos consequentes, deliberação que aprovou os projectos das especialidades e do acto administrativo, de 21.02.2005, que autorizou a emissão do alvará de licença de obras particulares nº 52/2005, relativo ao “processo nº 01/2004/224”.

Em alegações são formuladas as seguintes conclusões: I - No presente recurso apenas se suscita a questão jurídica da existência de erro de julgamento quanto a dois segmentos da sentença/acórdão recorrida, a saber: a) a interpretação da norma do n° 1 do artigo 14° do Decreto Regulamentar n° 32/93, de 15 de Outubro, em conjugação com o disposto no n° 2 do artigo 50° do Plano Director Municipal (doravante PDM) de Alcobaça, que estabelece o número máximo de pisos nos edifícios novos construídos em São Martinho do Porto; b) a interpretação das normas do artigo 125° do Código do Procedimento Administrativo (CPA) relativas aos requisitos da fundamentação dos actos administrativos.

II - O licenciamento da obra regeu-se pelo disposto no n° 2 do artigo 50° do PDM de Alcobaça que estabelece o seguinte: "No espaço urbano de São Martinho do Porto, coincidente com a área definida no Decreto Regulamentar n° 32/93, de 15 de Outubro, aplicam-se as regras nele estipuladas. " Por sua vez, o n° l do artigo 14° do Decreto Regulamentar n° 32/93 estabelece o seguinte: "Na área urbana de São Martinho do Porto - Salir de Matos, designada na carta anexa por SM, aplicam-se os condicionalismos referidos no número anterior, com excepção do número de pisos máximo das novas edificações, que não pode exceder os quatro. " (sublinhado nosso) III - Com o devido respeito - que é muito - o Tribunal a quo quedou-se pelo simples elemento literal da interpretação: quatro pisos são quatro pisos, quer se trate de pisos acima da cota da soleira, quer de pisos subterrâneos. Logo, um prédio com quatro pisos acima da cota de soleira e um piso subterrâneo viola a norma do n° 1 do art. 14 do Decreto Regulamentar n° 32/93 que apenas autoriza a construção de quatro pisos.

IV - Tal como foi dito pela aqui Recorrente em sede de alegações finais na presente acção, "A interpretação lógica na norma do n" l do ar t. 14° do Decreto Regulamentar n" 32/93 repousa no fim concreto, na necessidade que a norma visa satisfazer. A sua ratio júris é a integração urbanística dos novos edifícios, a salvaguarda da estética urbana e a protecção de direitos de terceiros a um ambiente urbano sadio, arejado e iluminado. Face a esse fim, o legislador não pode ter querido incluir os pisos subterrâneos no cálculo do número máximo de pisos admitidos para os novos edifícios, uma vez que os pisos subterrâneos não comprometem a realização daquele fim. " V - Daí que o elemento racional da interpretação lógica da referida norma nos imponha a conclusão de que os pisos subterrâneos não relevam para o cálculo dos quatro pisos admitidos pela referida norma. Também o elemento sistemático da interpretação lógica dessa norma nos conduz à conclusão de que o fim que ela pretende prosseguir é o estabelecimento de um limite para a altura dos prédios.

VI - Existem no ordenamento jurídico normas de direito do urbanismo que devem ser cotejadas com o n° 1 do art. 14° do Decreto Regulamentar n° 32/93 e que levam a concluir que o seu real sentido é a fixação da altura máxima dos edifícios. Assim:

  1. Para a integração paisagística e urbanística das edificações releva sobremaneira a sua altura, a qual é tecnicamente designada por cércea.

    A al. e) do art. 3° do Decreto Regulamentar n° 32/93 define "cércea" como a "dimensão vertical da construção, contada a partir do ponto da cota média do terreno no alinhamento da fachada até à linha superior do beirado ou platibanda ou guarda do terraço. " Idêntica definição nos é dada pela ai. y) do art. 4° do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Litoral Costeira (POOC) de Alcobaça-Mafra - na qual se inclui São Martinho do Porto -, e pela ai. 13) do art. 5° do PDM de Alcobaça.

    B) Percorrendo o normativo do Decreto Regulamentar n° 32/93, encontramos em várias normas a previsão de uma "cércea máxima" [v.g. art. 12°, n°s 2 e 3; art. 13°, n°3, ai. a); art. 15°, n° l, al. d)].

    C) Deve também notar-se que em várias normas desse diploma estabeleceu-se o número máximo de pisos e, simultaneamente, previu-se uma cércea máxima que corresponde à soma das alturas desses pisos (vg. art. 12°: máximo de 1 piso e cércea máxima de 3 m / máximo de 2 pisos e cércea máxima de 7 m; art. 15°: máximo de 2 pisos e cércea máxima de 7 m). Daqui resulta inequivocamente que quando o legislador previu o número máximo de pisos tinha em vista a delimitação da altura dos edifícios.

    D) No normativo do POOC de Alcobaça-Mafra foi usada a mesma técnica legislativa, designadamente nos arts. 14°, n° 2, e 18°, n°s 3 e 4.

    E) Por seu turno, a al. c) do n° 5 do art. 48°, a ai. d) do n° 4 do art. 50°, a ai. d) do n° 2 do art. 51°, a al. d) do n° 3 do art. 52° e a al. d) do n° 3 do art. 53°, todos do PDM de Alcobaça, relacionam directamente a cércea com o número de pisos admitidos, ao considerarem como cércea "a dominante das construções envolventes, não excedendo [número variável] pisos. " F) Veja-se ainda o sentido da norma da al. b) do n° 1 do art. 13° do Decreto Regulamentar n° 32/93, para o qual remete o seu art. 14°, n° 1. Estabelece essa norma que "O número de pisos máximo não pode ultrapassar os quatro, não podendo ser ultrapassados os dois pisos nas situações de cota superior a 50 m. " Quer dizer: Por razões de "adequada integração paisagística", nas situações de cota superior a 50 m excepcionaram-se os quatro pisos admitidos como regra, autorizando-se apenas dois pisos. Ora, esta norma não teria qualquer sentido útil se o legislador não estivesse a referir-se a pisos acima da cota de soleira.

    VII - Daqui podemos concluir que quando o legislador se refere a um número máximo de pisos tem em vista a delimitação da cércea dos edifícios.

    Por isso, a interpretação lógica do n° 1 do art. 14° do Decreto Regulamentar n° 32/93 deve ser feita no sentido de entendermos que os quatro pisos autorizados são pisos acima da cota da soleira, isto é, pisos que relevam para o cálculo da cércea.

    VIII - A matéria aqui em debate já foi objecto de doutas decisões do Supremo Tribunal Administrativo. Assim:

  2. Pelo acórdão de 5 de Maio de 2010 (Proc. 0688/09) foi entendido pelo STA que os pisos que relevam para determinação da altura do edifício (cércea) são "contados a partir do piso definido pela cota da soleira", devendo como tal considerar-se "o piso onde se situa a entrada principal do edifício.

    "O mesmo acórdão considerou que "no caso, a altura máxima do edifício não coincide efectivamente com o número total de pisos, já que o edifício projectado tem no total seis pisos, mas dois deles ficam situados abaixo da cota da soleira, como se provou, pelo que, face ao exposto, estes não relevam para efeitos da altura máxima do edifício...".

    B) Por seu lado, o acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 26 de Maio de 2010 «(Proc. 0183/10) confirmou a sentença do TAC de Coimbra que decidira que "naquela contabilização dos três pisos maximamente admitidos não se incluíam caves", entendendo ainda que "o facto de as caves serem havidas como pisos não influía na contagem dos que contribuíam para a altura das construções." C) Em idêntico sentido, veja-se ainda o acórdão do STA, de 3 de Maio de 2011 (Proc. n° 0290/10), de todos o mais recente, que confirma aquele mesmo entendimento.

    IX - A informação a que se refere a deliberação que a sentença/acórdão recorrida considerou inválida constitui o doc. 20 junto à PI. Pela sua leitura, poderão Vossas Excelências verificar que a mesma forneceu à Câmara Municipal de Alcobaça um enquadramento de facto (n°s 1 e 2 desse documento) e de direito (seus números seguintes) do pedido de licenciamento suficientemente claro e elucidativo, permitindo a este órgão tomar a decisão requerida de forma fundamentada.

    X - Relativamente à fundamentação de direito, a referida informação apreciou expressamente a conformidade do pedido com as normas aplicáveis do Decreto-Lei n° 555/99, da Portaria n° 1110/2001, do PDM de Alcobaça, do Decreto Regulamentar n° 32/93, e do RGEU. Tendo concluído no seu n° 5 que à luz "do RGEU, bem como de todos os regulamentos aplicáveis a este caso, nada se encontra que obste à aprovação da pretensão ".

    (sublinhado nosso) XI - O Tribunal a quo parece considerar que a invocada falta de fundamentação se deve a uma questão meramente formal: à falta de referência expressa daquela informação técnica a cada um dos fundamentos de indeferimento previstos no art. 24° do Dec. Lei n° 555/99, tomados de per si.

    Ora, como o devido respeito, esta tese não deve vingar por não se mostrar razoável nem ter cobertura legal.

    XII - Com efeito, o que o referido art. 24° enuncia são os vários fundamentos de indeferimento dos pedidos de licenciamento, sendo certo que in casu não houve qualquer proposta ou acto de indeferimento. Pelo que esse artigo não é aplicável à avaliação do grau de coerência, clareza e suficiência da fundamentação.

    XIII - Porém, sempre se diga que o elenco de fundamentos de indeferimento daquele art. 24° teve de estar presente no espírito do técnico quando elaborou a informação e concluiu que o projecto respeitava o "RGEU, bem como todos os regulamentos aplicáveis a este caso".

    O que o técnico não fez foi um exercício de conferência expressa de cada um desses fundamentos de indeferimento. Mas a lei não lho exigia! No entanto, tendo afirmado que o pedido respeitava "todos os regulamentos aplicáveis", o técnico terá, a contrario, verificado a inexistência de fundamentos de...

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