Acórdão nº 09248/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Novembro de 2012
Magistrado Responsável | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
Data da Resolução | 22 de Novembro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O presente recurso vem interposto por A..., LIMITED.
· A..., LIMITED intentou no T.A.C. de Lisboa processo cautelar contra · INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, · MINISTÉRIO DA ECONOMIA E INOVAÇÃO (MEI), e · B...— Produtos Farmacêuticos, Lda., como contra-interessada.
Pediu incidentalmente ao tribunal da 1ª instância o seguinte: -a revogação da providência cautelar tomada pelo TCA Sul, de suspensão da eficácia dos actos de AIM referidos nos autos enquanto vigorar a patente n.° 503785 e o CCP 155 e da providência cautelar de intimação da DGAE do MEl a não determinar os PVPs relativos aos medicamentos genéricos aqui em causa enquanto vigorar a citada patente e o referido Código dos Contratos Públicos, com fundamento na alteração das circunstâncias, decorrente da entrada em vigor de diploma legal — Lei 62/2011, de 12/12 — que torna manifestamente improcedente a acção principal e, consequentemente, a inexistência de um dos pressupostos previsto no art. 120° do CPTA (requisito do fumus non malus iuris).
Por despacho de 6-6-2012, o referido tribunal decidiu revogar as providências antes decretadas.
* Inconformada, a requerente do processo recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. Ao presente recurso deve atribuir-se efeito suspensivo, nos termos da regra geral relativa ao efeito dos recursos contida no n.° I do artigo 141° do CPTA, uma vez que não foi interposto de uma decisão que adote uma providência cautelar mas, ao invés, foi interposto de uma decisão que revogou tal providência.
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Um ato de concessão de AIM de um medicamento é ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade.
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Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de proteção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.
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Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18.°.
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Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indi- reta ou reflexa, decorrente da proteção direta que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.° da Constituição.
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Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adotar formas de organização e de procedimento adequadas à sua proteção efetiva.
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Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.
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O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua atuação, a Administração res- peite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.
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Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adoção do seu comportamento.
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Assim e na estreita medida em que as autorizações administrativas ora impugnadas têm como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.° do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal atividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua atividade.
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A Lei n.° 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, e não devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente.
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Os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância da AIM (e também a aprovação de PVP) ter por objeto mediato uma atividade - a comercialização dos medicamentos da Contrainteressada - violadora dos direitos de patente da Recorrente que constituem um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime previsto e punido pelos artigos 321." e 324.° do Código da Propriedade Industrial, sendo nulos, nos termos do artigo 133.", n.° 2, alíneas c) e d) do CPA.
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Nessa ação não se defende que as AIMs (ou as aprovações de PVP) em causa sejam per se violadoras dos direitos invocados pela ora Recorrente.
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O que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da invalidade dos atos administrativos impugnados e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE.
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Invocou a Recorrente na ação principal a nulidade dos atos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133° n° 2 c) e d) do Código do Procedimento Administrat1ivo ("CPA"), por tais atos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de proteção dos autos e porque a atividade por eles licenciada é uma atividade criminosa, punida como tal pelo artigo 3210 do Código da Propriedade Industrial.
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Mais invocou que o mesmo ato era inválido, nos termos do art." 135.° do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um ato administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente o artigo 18° da Constituição que tem aplicação direta.
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Uma vez que a declaração de invalidade dos atos de AIM pedida na ação principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.° e 135.° do CPA, da Lei n.° 62/2011 não pode decorrer que a pretensão da Recorrente na ação principal se tornou manifestamente improcedente e com esse fundamento, que a presente providência cautelar deva ser revogada.
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A nova norma do artigo 23.°-A do Estatuto do Medicamento apenas tem a ver com os pressupostos de facto dos atos de emissão de AIMs, relativos à saúde pública e não já com a teleologia dessas mesmas AIM, que é o que releva para a decisão desta causa, tal como se encontra formulada pela ora Recorrente, não impedindo a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.
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As normas dos artigos 25.°, n.° 2 e 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.° 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição, meramente procedimental, de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133° e 135° do CPA, nem um impedimento de os Tribunais de apreciarem a validade dos atos do INFARMED à luz dessas disposições.
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As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.
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Se, porém, tais normas forem entendidas — o que não deriva do seu texto — como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele ato administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.° da Constituição, por falta de urna protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sui.
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As considerações cima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do...
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