Acórdão nº 09134/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O presente recurso vem interposto pelo réu.

· A..., solteira, maior, portadora do BI n.º 14164492, válido até 18/03/2014, NIF 269261575, residente na Rua ..., n.º 4, Feijó, Almada, E OUTRAS 210 PESSOAS (todos alunos do ensino secundário recorrente: arts. 11º e 15º do DL 74/2004 e arts. 32º-5 e 38º-A da Portaria 550-E/2004), melhor id. nos autos, intentaram no T.A.C. de LISBOA intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias contra · MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA.

Pediram ao tribunal da 1ª instância o seguinte: -a condenação da Autoridade Requerida «a cessar qualquer ação ou omissão, por ato administrativo, regulamento ou contrato, revogando aqueles já adotados, pela qual se aplique aos AA. o regime legal do DL 42/2012, de 22 de Fevereiro(1), que altera o disposto no DL 74/2006, de 26 de Março, ou, se diferente for o entendimento, anulando-os o tribunal».

Por sentença de 21-6-2012, o referido tribunal decidiu intimar a Autoridade Requerida, no âmbito das suas legais competências, a desaplicar o regime legal decorrente do Decreto-Lei n.° 42/2012 de 22/02(2) aos ora Requerentes, quer quanto a actos passados, quer para o futuro, no âmbito do ano letivo de 2011/2012.

* Inconformado, o réu recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: A. A sentença proferida pelo tribunal a quo viola o disposto no artigo 109.° do CPTA, porquanto, e conforme expressamente o próprio tribunal a quo reconheceu, não foram postos em crise a liberdade de aprender, o direito à educação e ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar, quando refere, de forma inequívoca, que “...quanto à violação da liberdade de aprender e do direito ao ensino em condições de igualdade (cfr. artigos 43.º, 74.º e 13.º da CRP) não podemos verificar que a mesma se verifique.”, não se verificando, assim, estar em causa a violação de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito análogo.

B. O que o tribunal considera ter sido ofendido foi a expetativa dos autores de não terem de realizar exames finais nacionais para efeitos de prosseguimento de estudos no ensino superior, de que, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 42/2012, estavam dispensados, consubstanciando essa ofensa uma violação ao princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.

C. Ora, conforme supra se referiu, na douta sentença ora recorrida o tribunal foi sensível à expetativa dos alunos do ensino recorrente. Só que as expetativas não são direitos e muito menos direitos fundamentais.

D. Para elevar esta expetativa a direito, o tribunal teria – já que os recorridos o não fizeram – de demonstrar a presença de um bem jurídico próprio dos recorridos e de evidenciar a existência de uma intenção normativa de proteção efetiva desse mesmo bem jurídico.

E. É que a confiança só pode ser merecedora de tutela, maxime de tutela constitucional, quando referida a um bem jurídico com igual dignidade, que aqui simplesmente não existe. E não existindo, sobra a expetativa: a expetativa dos autores de serem dispensados da realização de exames finais nacionais para efeitos de acesso ao ensino superior.

F. É esta a expetativa que o tribunal promove, não apenas a direito, mas a direito fundamental, e que considera intencional e solidamente protegida pelo artigo 2.º da CRP e, embora de forma mais tímida, pelo artigo 12.º do Código Civil, incorrendo, por via desta interpretação dos normativos legais, num erro de direito.

G. Face ao exposto, não se verifica preenchido o primeiro pressuposto exigido pelo nº 1 do artigo 109.º do CPTA, para que se possa “lançar mão” da presente tutela jurisdicional – ação de intimação – pelo que deveria o tribunal a quo ter rejeitado a presente tutela jurídica e, consequentemente, julgado procedente a exceção dilatória invocada e absolvido o ora recorrente da instância. Ao não o fazer padece a douta sentença do vício de violação de lei por violação do disposto no mencionado nº 1 do artigo 109.º do CPTA.

H. Acresce que ao intimar o ora Recorrente a “desaplicar o regime legal” decorrente do Decreto-Lei n.º 42/2012, (apenas) por considerar prematura a data da sua entrada em vigor, o tribunal a quo está, verdadeiramente, a condenar o Recorrente a suspender a eficácia desse diploma, prevenindo, deste modo, a respetiva aplicação no ano letivo 2011/2012, o qual, assinale-se, já terminou, sendo, por isso, a suspensão definitiva, embora temporalmente balizada.

I. Sendo que o mesmo efeito útil, traduzido na suspensão da eficácia do diploma, inibitória da sua aplicação, poderia ser igualmente alcançado com o decretamento de uma providência cautelar.

J. Verifica-se ainda que não é possível ao Recorrente determinar as razões pelas quais o Tribunal a quo entendeu que não seria viável o recurso a uma providência cautelar, porquanto apenas refere que“[t]ambém nos parece não viável o uso de um meio processual não urgente (acção administrativa comum ou acção administrativa especial) associado à dedução de um pedido de decretamento de providência cautelar, destinado a assegurar a utilidade da sentença que viesse a ser proferida no âmbito dessa acção, porquanto, desde logo, a presente intimação esgota-se no seu pedido.”, devendo a sentença ora recorrida ser declarada nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 o artigo 668.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.

K. Ainda que assim não se entenda relativamente à procedência da exceção dilatória, sempre se dirá que a sentença proferida padece do vicio de violação de lei igualmente por violação do disposto no artigo 109.º nº 1 do CPTA por entender que se encontram reunidos os pressupostos que levariam à procedência da intimação, o que não sucede, designadamente, por não estarmos em presença de um direito, liberdade ou garantia ou direito análogo, bem como não se encontrar verificada a impossibilidade de recurso a uma providência cautelar como forma de assegurar o exercício em tempo útil, do direito alegadamente violado.

L. Ademais, embora o artigo 109.º do CPTA pressuponha a imposição à administração de uma conduta positiva ou negativa, tal não sucede no caso vertente.

M. Na realidade, a douta sentença ora recorrida não impõe a adoção ou omissão de uma conduta ao Recorrente, mas antes, ao mandar desaplicar, nos termos em que o fez, o regime legal decorrente do Decreto-Lei nº 42/2012, produz o mesmo efeito que seria obtido através de uma providência cautelar de suspensão da eficácia da norma, sendo que a competência do tribunal afere-se, não só pelo “pedido” deduzido pelos Recorridos, mas também pelo alcance da sentença.

N. Nessa medida, considerando que a incompetência do tribunal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 494.º do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, deveria a mesma - não obstante não ter sido suscitada em sede de contestação - ter sido declarada.

O. Assim, viola a sentença recorrida o disposto nos artigos 4.º nº 2 al. a) do ETAF, e a alínea a) do artigo 494.º do CPC.

P. O Recorrente entende ainda que se verifica a impossibilidade jurídica de execução da sentença, porquanto a mesma implica a violação do princípio de separação de poderes e a criação de uma desigualdade no acesso ao ensino superior entre alunos do ensino recorrente.

Q. Com efeito, a entender-se que a decisão do tribunal a quo tenha pretendido repristinar – ou condenar o recorrente a repristinar – o anterior regime legal para os recorridos, tal teria como consequência a imposição de diferentes condições de acesso ao ensino superior para os alunos provenientes do ensino recorrente que propuseram a presente ação, o que levaria à conclusão de que vem o tribunal caucionar a possibilidade de diferentes andamentos no acesso ao ensino superior.

R. Assim, no próximo concurso nacional de acesso ao ensino superior teríamos alunos do ensino regular a candidatarem-se com a nota que resulta da ponderação da avaliação interna e da avaliação sumativa externa; teríamos alunos do ensino recorrente a candidatarem-se nas mesmas condições e teríamos ainda alunos do ensino recorrente a candidatarem-se com a nota que resulta da avaliação interna.

S. Afigura-se-nos, porém, que a repristinação do anterior regime legal é juridicamente impossível, por o “regime legal” atual não ter sido revogado e ser com ele conflituante.

T. Ao que acresce que, encontrando-se o anterior regime legal revogado, não pode o mesmo ser aplicado, criando-se assim um vazio legal, o que conduzirá inevitavelmente à inaplicabilidade da sentença, o que, isso sim, se traduziria numa situação gravosa para os recorridos que ficariam impossibilitados de, no próximo ano letivo, prosseguir estudos no ensino superior.

U. Acresce igualmente que não sendo o Recorrente, titular do poder legislativo, não cabe nas suas atribuições preencher o vazio legal criado pela “desaplicação” do Decreto-Lei nº 42/2012, nem proceder à repristinação de normas legislativas. O que, a suceder, implicaria, além do mais, a violação do princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP.

V. Temos, assim, por evidente que o tribunal a quo excedeu amplamente o âmbito da jurisdição administrativa, porquanto não parece ser da sua competência intimar um Ministério a “desaplicar” uma lei àqueles a quem concedeu vencimento de causa.

W. Por tudo isto, as consequências desta sentença seriam gravíssimas para o interesse público e para os recorridos, não fosse a impossibilidade jurídica de a executar.

X. Também, e contrariamente ao entendimento acolhido pelo tribunal a quo e que é sustentado no facto de o diploma ter sido publicado num momento em que o ano letivo estava já a decorrer e no paralelismo da situação dos alunos que gozavam do estatuto de praticantes desportivos no percurso de alta competição, temos por...

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