Acórdão nº 09159/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução06 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A...– Investigação, Desenvolvimento e Fabricação Farmacêutica, Lda. e Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, com os sinais nos autos, inconformados com o acórdão proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dele vêm recorrer, concluindo como segue: A – Recurso interposto por A...– Investigação, Desenvolvimento e Fabricação Farmacêutica, Lda.

  1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a presente acção administrativa especial e, em consequência, anulou os actos de AIM concedidos pelo Infarmed à Recorrente em relação aos medicamentos da Contra-lnteressada.

  2. O artigo 19º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei n? 72/91, de 8 de Fevereiro estabelece como condição da qualificação como medicamento genérico que: tenham "caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico".

  3. Entende o Tribunal a quo que, à luz dessa legislação, para se apurar da legalidade dos actos de AIM em análise, o que importa não é, desde logo, apurar se os direitos de propriedade industrial relativos à substância activa contida nos medicamentos genéricos em análise teriam ou não caducado.

  4. Na opinião do Tribunal a quo, o que verdadeiramente há a verificar é se o Réu Infarmed teria ou não envidado diligências no sentido de reunir os elementos probatórios tendentes a verificar a possível caducidade desses direitos de propriedade industrial.

  5. Sucedendo que do processo instrutor não resulta qualquer diligência no sentido de se apurar a eventual caducidade de tais direitos, deu-se como verificado o vício de "déficit de instrução" o qual, na opinião do Tribunal o quo, é gerador de ilegalidade do acto administrativo.

  6. Conforme se refere na sentença recorrida, perante o processo instrutor e os elementos carreados para o processo pela Entidade Demandada constata-se que inexistem fundamentos de facto para decidir como decidiu por faltar qualquer documento ou declaração no sentido de que se reverificava o pressuposto para a classificação dos medicamentos em causa como genéricos - cfr. art. 19e, n9 l, b) do D.L. n? 72/91, ou seja, de que os direitos de propriedade industrial ou do processo de fabrico sobre a substância activa haviam caducado.

  7. Acrescenta o Tribunal a quo que "não consta nenhum documento ou declaração das ora Coníra-interessadas, então requerentes das AIM's de que sobre a substância activa do medicamento genérico a introduzir no mercado haviam caducado os direitos de propriedade".

  8. No entanto, será salientar que, em total contradição com essa conclusão, o Tribunal a quo conclui também que: - O Infarmed não tem competência "para aferir sobre a validade e caducidade do direito de patente" (página 27). - "O Infarmed não tem competência para decidir quanto à validade e caducidade do direito de exploração da patente n9 98.011, invocado peia Autora" (página 29). - As situações que podem conduzir ao indeferimento de AIMs para medicamentos genéricos encontram-se taxativamente previstas no Estatuto do Medicamento e nas Directivas N? 65/65/CEE, 87/21/CEE, 2001/83/CE "sem que delas conste qualquer referência à aferição do direito de propriedade/ patente relativo à substância activa".

  9. Na opinião do Tribunal a quo, o Infarmed não tem competência para aferir se os direitos de propriedade industrial quanto à substância activa contida nos medicamentos já caducaram...no entanto, entende o Tribunal que deverá efectuar diligências instrutórias no sentido de verificar essa caducidade...

  10. Em face desta total contradição de fundamentos, o que aconteceria se, por exemplo, a Contra-interessada tivesse incluído no processo instrutor uma declaração, por si assinada, assegurando que os direitos de propriedade industrial em causa teriam caducado? Deveria o Infarmed aceitá-la, sem mais, uma vez que carece de competência para decidir quanto à caducidade da patente? Ou, pelo contrário, deveria indagar mais profundamente exigindo que a Contra-interessada juntasse documentação mais adequada a demonstrar a caducidade desses direitos? 11. Em qualquer dos casos, uma vez que o Infarmed carece de competência para verificar a caducidade da patente...é óbvio que também carece de competência para averiguar sobre essa caducidade.

  11. Por essa razão encontra-se, desde logo, afastado o vício que serviu de fundamento à sentença recorrida.

  12. Refere ainda o Tribunal a quo que "Como decorre da própria estruturação da causa, o presente processo é de estrita impugnação, dirigido a atacar a validade de actos administrativos, o que significa que ao Tribunal compete apreciar os vícios imputados aos actos impugnados e verificar se a Administração, ora Demandada, perante os elementos que dispunha e não quaisquer outros futuros, podia ter decidido no sentido em que o fez ou se, como alega a Autora omitiu diligências que estava obrigada a realizar".

  13. Concluindo, pois, que "Assim, é totalmente irrelevante para o sucesso da presente acção o desfecho das demais acções que correm termos no Tribunal de Comércio, que as partes identificam em juízo".

  14. Salvo o devido respeito, tais considerações carecem manifestamente de qualquer fundamento jurídico.

  15. Com efeito, foi dado como provado pelo Tribunal a quo que "o limite máximo de vigência" da PT98011 é: 10 de Julho de 2007 (página 23).

  16. Ou seja, a PT98011 já caducou há mais de 4 anos (a Recorrente protesta juntar certidão).

  17. O artigo 37º nº l, al. a) do Código da Propriedade Industrial refere que os direitos de propriedade industrial caducam, independentemente da sua invocação, "quando tiver expirado o prazo de duração".

  18. Em face do exposto, a caducidade da PT98011 é automática.

  19. Nos termos do disposto no artigo 333e do Código Civil, a caducidade da patente PT98011 é apreciada oficiosamente pelo Tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo.

  20. Assim, o Tribunal deveria ter simplesmente declarado a inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 2872, ai. e), do Código de Processo Civil.

  21. O julgamento da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide consiste na formulação de um juízo sobre o prosseguimento daquela e que dele resulte o que esse prosseguimento é absolutamente inútil, por o mesmo não conduzir à tutela efectiva dos direitos identificados e, portanto, não lhe trazer quaisquer benefícios.

  22. Ora, uma vez que a PT98011 já caducou há mais de 4 anos!, é evidente que já existe qualquer direito a ser tutelado directa ou indirectamente através da presente acção.

  23. Acresce que, no âmbito da definição "medicamento genérico" estabelecida pela legislação comunitária, a concessão de AIM a tais medicamentos não pressupõe, nem se encontra condicionada, pela caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência 25. Com efeito, o art. 108, n» 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE define o que é um "medicamento genérico"; trata-se de um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequiva/ência com este último tenha sido demonstrada por estudos adequados de biodisponibí/idade, 26. Temos assim dois conceitos de "medicamentos genéricos" que assentam em pressupostos distintos: • art. 19e do Estatuto do Medicamento: este artigo, emanado do legislador nacional, condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência; • art. 102, nº 2, al. b) da Directiva 2001/83/CE com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE: este artigo, emanado do legislador comunitário, não condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência.

  24. A questão à qual importa responder é então a seguinte: existindo dois conceitos claramente diferentes (com pressupostos também distintos) do que sejam "medicamentos genéricos" (previstos no Art. IO9, n? 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE e pelo no art. 19e do Estatuto do Medicamento) qual desses conceitos é o aplicável ao caso em análise.

  25. Desde logo, adivinhando-se a intenção do legislador comunitário, no Considerando 16- é tornado claro que o intuito da Directiva 2001/83/CE é harmonizar e adaptar os critérios de recusa, suspensão e revogação das autorizações de introdução no mercado.

  26. Por outras palavras, a Directiva 2001/83/CE, com as sucessivas alterações introduzidas, designadamente pela Directiva 2004/27/CE, estabelece um código comunitário, no sentido de harmonizar a legislação relativa aos processos de AIM para medicamentos de uso humano, afastando a aplicabilidade de normas constantes do ordenamento jurídico interno dos Estados-Membros que dela sejam dissonantes, como é caso do disposto no art. 19º do EM.

  27. Isto mesmo é confirmado pelo disposto art. 2º, nº 2, da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE ao esclarecer que ainda que em caso de dúvida, se, tendo em conta a globalidade das suas características, um produto corresponder simultaneamente à definição do medicamento e ò definição de um produto regido por outras disposições legislativas comunitárias, aplicam-se as outras disposições da presente directiva.

  28. Assim, dúvidas não restam que, o conceito de "medicamento genérico" estabelecido no art, 10º, nº 2, al. b) da Directiva 2001/83/CE com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE - que não condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência - é o aplicável ao caso e, análise.

  29. Tornando-se evidente que o conceito de "medicamento genérico" previsto no art. 19º nº l, al. b) do EM não é aplicável ao caso subjudice, porquanto semelhante exigência -a caducidade de eventuais...

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