Acórdão nº 08131/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO VASCONCELOS
Data da Resolução06 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul: O Município da Praia da Vitória inconformado com o saneador-sentença proferido pelo TAF de Ponta Delgada, em 3 de Junho de 2011, que, na presente acção administrativa comum, sob a forma ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades publicas intentada contra o Estado Português, julgou procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e consequentemente absolveu o R. da instância, dele recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões (sintetizadas): “1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, no âmbito do Processo de Impugnação Judicial n.º 656/07.3 BELRS, através da qual o mesmo julgou “verificada a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria, com a competente absolvição do réu da instância – artigos 288º, nº 1 , alínea e), 493º, nºs 1 e 2, e 494º, alínea a), do Código de Processo Civil”.

  1. Com a presente acção de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito – fundada no artigo 15.º, n.º 1, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – pretende-se que o RECORRIDO seja condenado a pagar ao RECORRENTE uma indemnização no montante de € 815.474,36.

  2. Para tanto a RECORRENTE procurou demonstrar que as Leis do Orçamento do Estado para 2009, para 2010 e para 2011 (Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril e Lei n.º 55-A, de 31 de Dezembro) constituem actos legislativos desconformes com a Constituição da Republica Portuguesa e com a Lei de Enquadramento Orçamental (na parte em que prescrevem a inscrição das denominadas despesas obrigatórias na Lei do Orçamento do Estado, ou seja, das despesas decorrentes de obrigações legais), impossibilitando, desse modo, a realização das transferências financeiras relativas à “participação variável de 5% no IRS” a que o RECORRENTE tinha direito.

  3. Com efeito, a percentagem variável – com o limite de 5% - no IRS, constitui um “novo” critério de mensuração das transferências financeiras que devem ser efectuadas pelo Estado em cumprimento do direito de participação dos municípios nas receitas provenientes dos impostos directos [ cf. Artigos 238.º, n.º 2, 254.º, n.º 1, da CRP e 10.º, alínea a), da LFL], e não, portanto, uma receita tributária (de IRS) própria dos municípios.

  4. O mesmo é dizer, pois, que a participação variável de 5% no IRS não investe os municípios na titularidade do produto da cobrança de 5% do IRS devido pelos seus munícipes (já cobrado e inscrito como receita em momento anterior) mas, tão – somente, no direito – de crédito – concretizado no montante apurado por referencia àquele mesmo produto.

  5. Ora, considerando que a participação variável de 5% no IRS constitui um critério de mensuração do direito de participação dos municípios nas receitas dos impostos directos do Estado – ao invés de uma receita tributária (de IRS) própria dos municípios -, conclui-se que o regime prescrito pela LFL, relativo à participação variável de 5% no IRS, cria na esfera do RECORRIDO uma efectiva obrigação legal de despesa, consubstanciada nas transferências financeiras anualmente devidas aos municípios nacionais de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 25.º da LFL.

  6. Nestes termos, o RECORRIDO estava obrigado a inscrever, em cada período orçamental , o respectivo montante devido aos municípios como despesas de transferência – apurado nos termos da alínea c) do artigo 19.º da LFL -, nos respectivos MAPAS DDE BASE da Lei do Orçamento do Estado, i.e., nos Mapas II e III (cf. Artigo 33.º da Lei de Enquadramento Orçamental).

  7. Porém, contrariando o procedimento contabilístico – orçamental prescrito pela CRP e pela Lei de Enquadramento Orçamental – o procedimento este, aliás, adoptado para os anos de 2007 e de 2008 – o legislador orçamental optou por não inscrever nos MAPAS DE BASE das despesas (mapas II e III) da Lei do Orçamento do Estado para 2009 (Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) qualquer transferência financeira referente à mencionada participação variável de 5% no IRS.

  8. A única inscrição orçamental relativa a essa participação variável de 5% no IRS foi vertida num MAPA DERIVADO, especificamente no MAPA XIX (“Transferências para os municípios”).

  9. O procedimento de contabilização orçamental da participação variável de 5% no IRS adoptado pelo legislador orçamental no ano de 2009, foi, mutatis mutandis, mantido na elaboração da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010) e da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011).

  10. Neste contexto, e no que respeita aos municípios da Região Autónoma dos Açores (em cujo universo se inclui o ora RECORRENTE), os serviços do RECORRIDO apenas efectuaram as referidas transferências correspondentes aos meses de Janeiro e de Fevereiro de 2009, tendo, a partir desse momento, deixado de proceder a qualquer transferência relativa à participação variável de 5% no IRS (neste momento qualificada, conforme observado, como receita de IRS própria dos municípios).

  11. Posto isto, a questão que se impunha resolver era a de saber se, não obstante o direito do RECORRENTE à participação variável de 5% no IRS, o RECORRIDO se encontrava efectivamente habilitado, nos anos de 2009 e de 2010, e se se encontra presentemente habilitado – durante o ano de 2011 -, a proceder à transferência de tais valores para o RECORRENTE.

  12. Todavia, convocando o disposto no n.º 3 do artigo 33,º da Lei de Enquadramento Orçamental, que define os Mapas Derivados coo sendo “os que apresentam todas ou parte das receitas e das despesas inscritas nos mapas de base, de acordo com outras classificações ou formas complementares de especificação”, verifica-se que a inscrição de uma determinada despesa num Mapa Derivado não supre a ausência do requisito de cuja verificação depende a execução do orçamento das despesas: o da “inscrição orçamental”, previsto na alínea b) do n.º 6 do artigo 42.º da Lei de Enquadramento Orçamental.

  13. Significa o anterior, consequentemente, que a não inscrição, nos Mapas de Base das Leis do Orçamento do Estado para 2009, 2010 e 2011, das despesas de transferência impostas pelo regime da participação variável de 5% no IRS, inviabiliza a realização, por parte do Governo, dos correspondentes actos de transferência financeira para os municípios nacionais, entre os quais o RECORRENTE.

  14. O que significa, no caso concreto , que, tendo as despesas relativas às transferências financeiras para o RECORRENTE nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º da LFL, sido inscritas na – e, consequentemente, autorizadas pela – respectiva Lei do Orçamento do Estado, o Governo se encontraria, inclusivamente por falta de cabimentação orçamental, impossibilitado de proceder à sua realização, sob pena de manifesta ilegalidade.

  15. Por este motivo, concluiu o RECORRENTE pela inidoneidade de uma eventual interposição de uma acção para condenação à pratica de acto devido, sob a forma de acção administrativa especial ( ao abrigo do n.º 2 do artigo 46.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), já que, perante a demonstrada ausência de inscrição orçamental das correspondentes despesas de transferência, a prática do acto concretamente...

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