Acórdão nº 09102/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução27 de Setembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A..., com os sinais nos autos, inconformada com a decisão incidental ao abrigo do artº 124º CPTA tomada pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo nos termos dos artigos 143.°, n.° l e n.° 2 do CPTA em conjugação com o artigo 692.° n.° 3 alínea d) do CPC aplicável ex vi 140.° do CPTA.

  1. Deve dar-se por verificado e preenchido o requisito do fumus non malus juris - não se verificando quaisquer circunstâncias que determinem que a ação principal não pudesse ser apreciada no seu mérito, para efeitos do decretamento da providência conservatória requerida, nos termos do artigo 120, n.° l, alínea b) do CPTA.

  2. Os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de o ato de registo nacional de AIM comunitária praticado a favor da Contrainteressada ter por objecto mediato uma actividade - a comercialização dos Genéricos Combivir -violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente, os quais constituem um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime.

  3. Nessa acção não se defende que o ato de registo nacional de AIM comunitária, aqui em causa, seja per se violador dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  4. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do ato administrativo em causa e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed.

  5. O direito de exclusivo emergente da titularidade de uma patente (artigos 101.° e 32.°, n.° 4 do CPI) goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral, nos termos do artigo 316.° do CPI, sendo-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental de natureza análogo à dos "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição.

  6. Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de protecção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

  7. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme pacificamente reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, também, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18°.

  8. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indirecta ou reflexa, decorrente da protecção directa que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.° da Constituição.

  9. Um acto de registo nacional de AIM comunitária é ato administrativo cujo objecto é o da viabilização jurídica da actividade de comercialização desse medicamento, no território nacional, actividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu destinatário do dever de exercício dessa mesma actividade.

  10. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adoptar formas de organização e de procedimento adequadas à sua protecção efectiva.

  11. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.

  12. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua actuação, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.

  13. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adopção do seu comportamento.

  14. Assim, e na estreita medida em que a autorização administrativa ora impugnada tem como Finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321. ° do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal actividade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua actividade.

  15. A nova norma do artigo 23-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de um ato administrativo de registo nacional, pelos Tribunais, com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por aquele ato consentida e, mesmo, imposta.

  16. As normas dos artigos 25.° n.°2 e 179.° n.°2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei n.° 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição, procedimental, de o Infarmed alterar, suspender ou revogar actos de registo nacional de AIM comunitária com base na existência de direitos de propriedade industrial.

  17. Elas não têm, porém, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade daqueles actos de registo nacional que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licenciem a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  18. Se, porém, tais normas forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o Infarmed aprecie, no contexto daqueles actos administrativos, a eventual violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.° da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  19. As disposições constantes do artigo 23º-A. n.° l e n.° 2. do artigo 25.°. n.° 2 e do artigo 179.°. n.°2 do Estatuto do Medicamento — na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 —, acima referidas e mencionadas na decisão sob recurso, não têm qualquer conteúdo útil no contexto da acção principal, uma vez que esta não pressupõe que o ato de registo nacional de AIM comunitária, em causa nestes autos, seja “contrário" aos direitos de propriedade industrial da Requerente, baseando-se exclusivamente na circunstância de que o mesmo viabiliza juridicamente a prática de actividade que, ela sim, é contrária a tais direitos.

  20. Se, porém, as disposições constantes do artigo 23.°-A. n.° l e n.° 2. do artigo 25.°. n.° 2 e do artigo 179.° nº 2 do Estatuto do Medicamento (na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011 forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daqueles actos administrativos, a eventual violação direitos de propriedade industrial por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou o obriguem a praticar aqueles actos de registo nacional que viabilizam a comercialização dos medicamentos, tais disposições serão materialmente inconstitucionais, por desconsideração de direitos liberdades e garantias, desde logo por violação dos 17.°, 18.°, 42.°, 62.°, n.° l e 266.° da Constituição da República Portuguesa, consagradores dos direitos/liberdade fundamentais de criação cultural e de propriedade privada, concebidos como alicerces constitucionais dos direitos fundamentais de propriedade industrial e por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, com violação nomeadamente do artigo 18.° da Constituição.

  21. Deverá, assim, este Venerando o Tribunal ad quem recusar a aplicação dessas normas, com um tal entendimento, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação, nomeadamente, dos artigos 17.°, 18.°, 42°, 62º e 266.° da Constituição da República Portuguesa.

  22. Tais normas (artigo 23.°-A, n.° l e n.° 2, do artigo 25.°, n.° 2 e do artigo 179.°, n.° 2 do Estatuto do Medicamento, na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011) são ainda inconstitucionais por consagrarem um desvio legislativo não só quanto à reserva material da jurisdição administrativa constitucionalmente consagrada e ao princípio da protecção jurisdicional efectiva, mas também ao próprio princípio do Estado de Direito, por violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídicas dos cidadãos e do princípio da proibição do arbítrio.

  23. A norma do artigo 9.°. n.° l da Lei n." 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do ato de registo nacional aqui em crise.

  24. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18.°. n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e...

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