Acórdão nº 4272/08.4TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução06 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra * M (…), divorciado, sem exercer profissão conhecida, residente em Viseu, intenta contra “G (…)– Sociedade de Construções Lda.

”, com sede na freguesia do ..., Viseu, a presente acção declarativa constitutiva (subsidiariamente de condenação) pedindo, primeiramente, seja declarada a resolução, por incumprimento definitivo pela ré, do contrato promessa entre ambos celebrado, e a consequente condenação da ré a restituir o dobro do que recebeu a título de sinal; subsidiária e encadeadamente, pede ainda a condenação da ré, a título de mora, na reparação dos danos que provocou ao autor e, por último, a declaração de nulidade do contrato, com a devolução da quantia recebida.

Invoca o autor, em síntese, que subscreveu um contrato redigido em consonância com o interesse da ré, em função do que lhe entregou, a título de sinal, quinze mil euros; que se apercebeu, posteriormente, de que alguma ilegalidade ou falta de meios poderiam condicionar o cumprimento do mesmo, pelo que deixou de pagar a quantia em falta a título de sinal e tentou, debalde, ceder a sua posição contratual; ainda que, sem o seu conhecimento, a ré pretendeu subtrair o contrato à disciplina legal de reconhecimento notarial das assinaturas, por não ter licença de utilização, pelo que o autor perdeu o interesse na celebração do negócio.

Citada a Ré, deduziu a mesma a sua contestação, invocando, em síntese, que o autor pretendeu adquirir-lhe a casa para imediata revenda com lucro, mas que, como não encontrou cliente a quem passar o imóvel, se viu impossibilitado de cumprir o contratado com a ré, que o convocou para realização da escritura, em prazo que ele desrespeitou. Acrescenta que sempre teve licença de obras e, desde Maio de 2008, de utilização, enquanto que era o autor quem pretendia, a todo o custo, renegociar o contratado, por não estar em condições de escriturar. Mais sustenta que o pedido no qual foi arguida a nulidade do contrato é incompatível com os anteriores pedidos e causa de pedir e, por tal, inadmissível. Pede, em reconvenção, a resolução do contrato, por incumprimento do autor, fazendo a ré suas as quantias por aquele entregues a título de sinal.

* Replicou o autor a fls. 195, reafirmando a sua anterior versão dos factos e a falta de razão para o aduzido pela Ré, sendo que no segmento da resposta à reconvenção, sustenta a falta de interesse da Ré em agir, pois se a acção viesse a improceder, o efeito útil pretendido pelo A. era garantido pela própria improcedência do pedi (independentemente da reconvenção), mais alegando que o alegado e pretendido nesta sede pela Reconvinte é extemporâneo, pois há muito que ele Reconvindo perdeu o interesse no contrato, termos em que conclui no sentido de que deve a reconvenção ser declarada inadmissível e, caso assim se não entenda, ser julgada improcedente e absolvido o Reconvindo do pedido reconvencional, e bem assim que deve a acção ser julgada procedente nos termos requeridos na p.i..

* Treplicou a Ré a fls. 209, pugnando no mesmo sentido anteriormente feito.

* Sem outros articulados, foi realizada audiência preliminar a qual resultou frustrada quanto ao objectivo de conciliação entre as partes, após o que foi proferido despacho saneador, através do qual se começou por admitir o pedido reconvencional deduzido, se considerou serem compatíveis os pedido formulados, se afirmou a verificação dos demais pressupostos de validade e regularidade da instância, se descreveram os factos assentes e se organizou a base instrutória (cfr. fls. 217 a 229).

Essas decisões não foram impugnadas.

Realizou-se audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, culminando-se nas respostas à base instrutória que constam do despacho de fls. 319 a 327, sem reclamação.

Na sentença, considerou-se, em suma, e declarou-se, que não havia incumprimento definitivo por parte da Ré, se negou a procedência do pedido de reparação dos alegados prejuízos causados por mora da Ré, se negou a procedência do pedido de nulidade do contrato por o A. estar a agir em abuso do direito nessa parte, sendo que, em termos de reconvenção, começando-se por afirmar a procedência, de princípio, do direito da Ré em fazer suas as quantias de sinal entregues pelo A., se prosseguiu por reconhecer e afirmar oficiosamente a anulação retroactiva do contrato, termos em que se concluiu por julgar igualmente improcedentes acção e reconvenção, assim absolvendo a Ré do pedido e o autor da reconvenção.

* Inconformada, apresentou a Ré reconvinte recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finaliza com as seguintes conclusões : 1) Atentos os supra citados factos, o Ilustre Tribunal a quo, na douta sentença ora posta em crise adere na íntegra aos fundamentos aduzidos pela ora Recorrente.

Porém, 2) Salvo o devido respeito, o Ilustre Tribunal a quo, olvida completamente o Assento 3/95 de 1.02.1995 e o que constitui Jurisprudência e Doutrina dominantes ao declarar “ex officio” a nulidade do contrato, quando tal conhecimento lhe estava vedado.

3) No dito Assento, hoje Acórdão de Uniformização de Jurisprudência por via do Art. 17.º n.º 2 do Dec. Lei 329/-A/95 de 12/12, fixou-se a seguinte jurisprudência “No domínio do n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil (redacção do Decreto-Lei n.º 36/80, de 18 de Julho), a omissão das formalidades previstas nesse número não pode ser oficiosamente conhecida pelo tribunal”.

4) Assim sendo a douta Sentença ora recorrida fez uma errada interpretação da lei e violou o Art. 410.º n.º 3 do C.C., o Art. 17.º n.º 2 do Dec. Lei 329/-A/95 de 12/12, e os Arts. 732.º A e ss do CPC..

5) O pedido formulado pelo A., ora recorrido teria que ser julgado improcedente por inexistência de fundamento factual e legal para o pedido de restituição de sinal em dobro decorrente do incumprimento definitivo e a inexistência de mora, uma vez que não se provou que o Recorrente se recusou a cumprir ou que o recorrido tivesse qualquer prejuízo no suposto atraso na obtenção da licença de utilização, conforme se encontra provado nos números 1, 5. 6, 8 a 21, 23, 27, 43 a 48, 54, 56 e 57 referidos supra.

6) O pedido formulado pelo Recorrido relacionado com a nulidade do contrato decorrente da violação das regras do Art. 410.º n.º 3 do CC., também não pode ser julgado procedente.

7) Ora, só por si, o facto de o Recorrido ter formulado em primeiro lugar dois pedidos que se prendem e estão intimamente ligados com o (in)cumprimento do contrato de forma definitiva e depois a título de mora é por si só indiciador do dito “venire contra factum proprium” que a Recorrente alega na sua defesa contra a invocação da sita nulidade.

8) Só por aqui, deveria a referida alegação de nulidade do contrato ser julgada improcedente, pois o próprio promitente-comprador considera-o válido e sem mácula quando pretende que seja decretado o incumprimento da Recorrente.

9) Ora se o contrato é válido para a restituição do sinal em dobro não se pode depois vir aproveitar de uma nulidade formal com vista a locupletar-se às custas da Recorrida.

10) Na verdade, a nulidade atípica, uma vez que só deferida ao promitente comprador, deve estar sujeita ao escrutínio do instituto do Abuso de Direito que expressamente se invocou e invoca.

11) Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objectivamente, trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça. Ou seja, tem de existir uma situação de confiança, justificada pela conduta da outra parte e geradora de um investimento, e surgir uma actividade, por “factum proprium” dessa parte, a destruir a relação negocial, ao arrepio da lealdade e da boa fé negocial, esperadas face à conduta pregressa. Não se busca o “animus nocendi” mas, e como acima se acenou, apenas um comportamento anteriormente assumido que, objectivamente, contrarie aquele. Para o Prof. Menezes Cordeiro (apud “Da Boa Fé no Direito Civil”, 45) “o venire contra factum...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT