Acórdão nº 482/09.5TBTMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Julho de 2012
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
Em 22/04/2009[1] a Sociedade M…, Lda.
(A. e aqui Apelante) demandou C… (R. e aqui Apelado), pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €6.748,22 e juros, respeitante a uma prestação de serviços (elaboração de um parecer técnico para utilização como prova num processo judicial) encomendada à A. pelo R., advogado de profissão, e ao preço de umas obras realizadas pela mesma empresa A. no escritório do R., tudo respeitante ao preço daquele parecer e destas obras facturados pela A. e não pagos pelo R.
1.1.
Este (o R.) contestou, negando a contratação (por ele) do parecer técnico indicado pela A. (afirma que quem efectivamente o solicitou – um cliente do R. –, aliás, já o teria pago) e alegando ter satisfeito, quanto às obras no escritório do R., o preço acordado com o responsável da A. (€5.410,00, v. artigo 55º da contestação a fls. 117, contendo a alegação de pagamento por banda do R.
[2]).
1.2.
Realizado o julgamento, depois de fixados os factos provados por referência à base instrutória (despacho de fls. 285/289), foi a acção decidida em primeira instância através da Sentença de fls. 296/307 – esta, integrada por esse despacho de fls. 285/289, constitui a decisão objecto do presente recurso – julgando improcedente (totalmente improcedente o pedido da A.).
1.3.
Inconformada, apelou a A. (a motivação do recurso está a fls. 311/363) aí concluindo o seguinte: “[…] II – Fundamentação 2.
Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – foram elas transcritas no item anterior – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[3]. Com efeito, fora das conclusões só valem, em qualquer recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos do recorrente, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões fundamentos) e não aos diversos argumentos jurídicos que vão sendo introduzidos ao longo da motivação do recurso.
Neste caso, refere-se o recurso fundamentalmente à matéria de facto – aos trechos desta referentes ao pagamento das três facturas (de fls. 11, 17/20 e 23[4]) à sociedade A. – pretendendo a Apelante que as respostas aos quesitos correspondentes sejam alteradas no sentido de dar por indemonstrado (não provado) esse pagamento[5]. É certo que, a ser acolhido este fundamento do recurso referido aos factos (a serem alterados os factos no sentido propugnado pela A./Apelante), deverá este Tribunal de recurso, subsequentemente e dentro da lógica substitutiva que caracteriza a intervenção desta instância, julgar a acção de acordo com o novo elenco fáctico.
É nestes termos, pois, que se caracteriza o recurso cuja apreciação agora encetamos. 2.1.
Como pressuposto da apreciação dos factos importa indicar aqui a base de trabalho – quais os factos – que se nos oferece(m) como resultado do julgamento em primeira instância. Tal indicação apresenta, na lógica expositiva deste Acórdão, a provisoriedade decorrente de estar em causa, pendente de apreciação – digamo-lo assim – o fundamento central do recurso que se traduz, precisamente, na pretensão de actuar sobre esses factos, alterando-os em determinados trechos muito significativos para o resultado da acção[6]. Feita esta advertência de provisoriedade aqui transcrevemos o rol dos factos provados segundo o entendimento do Tribunal a quo: “[…] 2.1.1.
Como factos não provados – e continuamos a reproduzir os termos do julgamento da matéria de facto pela primeira instância – foram indicados no texto da Sentença os seguintes: “[…] 2.2.
Através da presente acção pretende a sociedade A., a ora Apelante, cobrar o valor de três facturas (facturas nºs 175, 176 e 177, v. nota 5 supra), referidas a duas situações perfeitamente distintas de prestação de serviços ao R., uma delas assumindo a forma de um contrato de empreitada, emergindo como questão fulcral em ambas as situações o pagamento dos trabalhos em causa nessas facturas, embora no caso da primeira situação (a da factura nº 175) o R. conteste a própria prestação de serviços, enquanto acordo contratual a ele reportado (nega o R. ter celebrado o contrato com a A., referindo tal celebração a um terceiro, embora tenha sido ele que aproximou a A. desse terceiro). Com efeito, a primeira situação (factura nº 175 de fls. 11), configurando-se como uma prestação de serviços pura [v. artigo 1154º do Código Civil (CC)], refere-se à elaboração pela A. de um parecer técnico sobre os defeitos de uma determinada obra, parecer este que a A. afirma ter-lhe sido encomendado directamente pelo R., pretendendo aquela receber deste o respectivo “preço” (€380,00) – a retribuição (v. trecho final do artigo 1154º do CC) – desse parecer. A defesa do R. assenta na negação da celebração desse acordo, embora instrumentalmente afirme a realização (por um terceiro que indica como o verdadeiro contraente[7]) desse pagamento, num montante (€100,00) diverso do indicado pela A.
Caracterizando a dinâmica argumentativa desta situação (a indicada primeira situação), em vista da alocação a uma das partes do ónus da prova e da extracção da correspondente “regra de decisão” para o caso – se for esse o caso – de um resultado correspondente a um non liquet[8], caracterizando essa dinâmica, dizíamos, está em causa o ónus da A. (o ónus da prova pela A.) da própria situação da qual emerge a factura nº 175: tem – tinha – a A. de provar (artigo 342º, nº 1 do CC) a existência do contrato de prestação de serviços, enquanto acordo de vontades referido a ela (Sociedade M…, Lda.) e ao R. (Dr. C…), através do qual este teria encomendado (ele próprio) o mencionado parecer técnico, assumindo perante a A. (ele próprio) o encargo de satisfazer o preço desse parecer.
Quanto à segunda situação (facturas nºs 176 e 177, de fls. 17/20 e 23), está em causa – e isso é consensual – uma empreitada assumida pela A. (como empreiteira) traduzida na realização de determinadas obras no gabinete de trabalho do R., indicando a A. que o preço correspondente à execução deste contrato (v. artigo 1207º do CC) não foi satisfeito pelo R. Este, por sua vez, aceitando a realização das obras, contrapõe o efectivo pagamento à A. do preço destas – em numerário (foram mais de €5.000,00 na versão do próprio R.), directamente ao sócio da A., …, pagamento este que teria ocorrido no escritório do R. e sem emissão, nessa circunstância, de qualquer recibo ou documento titulando a entrega desse dinheiro (v. os artigos 53º a 58º da contestação a fls. 117/118).
Neste caso, no que concerne à dinâmica argumentativa da acção, diversamente do que sucedeu com a primeira situação enunciada neste item, estamos perante a alegação pelo R. do pagamento, funcionando este como facto extintivo do direito da A., traduzindo, pois, uma excepção peremptória invocada pelo R. em sua defesa (v. artigo 493º, nº 3 do CPC), proporcionando esta incidência uma distinta alocação do ónus da prova e, relativamente à indicada primeira situação, o emergir de uma regra de decisão (v. nota 11 supra e o texto que para ela remete) subjectivamente distinta. Com efeito, trata-se aqui da prova de um facto extintivo (o pagamento) do direito invocado pela A. (o direito a receber o preço da empreitada), cuja prova compete ao R. – aquele contra quem a invocação desse direito é feita –, nos termos do artigo 342º, nº 2 do CC. Constitui esta uma asserção indiscutível, invariavelmente afirmada pela jurisprudência[9], e que configura neste caso concreto a alocação do ónus da invocação desse pagamento ao R. (e este cumpriu-o, sem dúvida), tal como do ónus da...
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