Acórdão nº 1135/11.0PBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I Nos presentes autos de processo sumário, após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença oral, gravada, com registo na acta do dispositivo seguinte: - condenar a arguida A..., melhor identificada nos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de furto simples p e p pelo art. 203º, n.º1 do C. Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), efectuando o desconto de um dia de multa, ficando assim para cumprir 199 dias à aludida razão diária de € 10,00; - condenar a arguida B..., melhor identificada nos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de furto simples p e p pelo art. 203º, n.º1 do C. Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), efectuando o desconto de um dia de multa, ficando assim para cumprir 249 dias à aludida razão diária de € 10,00.

* Inconformada com a sentença, dela recorre a arguida A....

Na motivação do recurso formula as seguintes CONCLUSÕES (reprodução por sacanner): A. O presente recurso versa sobre a reapreciação da prova gravada relativamente à consumação e circunstancialismo da prática do crime bem como sobre matéria de Direito, no tocante ao não preenchimento dos requisitos objectivos para a punição e medida da pena.

B. Com o presente recurso não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de "manifestação de posição contrária" ou "discordância de opinião", traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea i) do nº 1 do art. 61° CPP e no nº 1 da CRP.

C. Entende-se que a douta sentença padece do vício da nulidade plasmada na alínea c) do n° 1 do art. 379° CPP ao não analisar a questão da consumação da prática do crime ou ocorrência de mera tentativa, sendo tal temática essencialíssima à boa decisão da causa bem como o circunstancialismo de prática dos alegados factos (ausência de dano pela recuperação dos bens) que em nada se assemelham a um furto tal qual se mostra recortado no Código Penal.

D. Tem a recorrente por incorrectamente julgado o facto de se ter apropriado de bens alheios, sendo esse elemento do tipo de crime pelo qual se mostrou acusada, uma vez que os bens foram recuperados tal como confirma a testemunha ... na passagem 01:06 a 01:16, bem como a questão da co-autoria, uma vez que a testemunha ... referiu que as arguidas entraram separadas e saíram separadas (passagem 01:29 a 01:43).

E. A recorrente alegou que nada roubou, tendo sido perseguida e alvo de revista do seu saco e nada tinha, sendo certo que alegadamente apenas numa segunda revista já na loja é que lhe veio a ser imputada a prática de tal crime (depoimento das testemunhas: I) … que relata tais factos na passagem 01:22 a 01:29, 01:40 a 01:48, 01:54 a 02:04, 02:10 a 02:24, sendo perceptível ouvir o próprio Ministério Público a falar em "encalço" na primeira passagem citada: e II) ... na passagem 01:48 a 02:14.

F. Mas há que notar que mesmo o próprio agente (testemunha … ) que acabou por verificar o conteúdo dos sacos, acabou por confirmar que "tiraram para cima do balcão” (passagem 02:53 a 03:00) não conseguindo individualizar o que se mostrava dentro de cada um dos sacos ou, com certeza, afirmar se havia roupa nos dois (passagem 03:13 a 03:38).

G. As situações de perseguição e não estabilidade da posse sempre deverão ser levadas aos factos provados e ser tidas em consideração atenta a especial relevância para efeitos da subsunção dos factos ao Direito bem como relevadas as dúvidas a favor da arguida.

H. Olhada a globalidade da prova tem a recorrente que nem só lhe poderá ser assacada a prática de tais factos, com a certeza e convicção suficiente a afastar as garantis de defesa e o princípio in dúbio pro reo, como ainda os factos configurariam mera tentativa de prática do crime, igualmente punível nos termos do nº2 do art. 203º CP! I. Atentas as circunstancias de prática dos factos temos que, mesmo a dar por provada a subtracção, nada autoriza a que se tenha por consumado o crime por nunca se ter mostrado a arguida numa posse pacífica das coisas, mostrando-se a funcionária da loja no seu encalço.

J. Haverá que aquilatar, com a ajuda de um "furtímetro”, se possível, quando é que tal apropriação justifica a "entrada em cena" do Direito Penal e a punição a título de crime consumado, devendo interpretar-se cum grano salis a norma incriminadora, não se podendo o intérprete cingir à letra da lei, devendo considerar igualmente os elementos histórico, sistemático e sobretudo teleológico e observar os ditames plasmados no art. 9° CC K. Daí que se tenha por inconstitucional o entendimento de que crime de furto se baste com o mero transporte não pacífico da coisa ou bem objecto da subtracção, traduzindo-se num comportamento instantâneo, ocasional e por uma única vez, entendendo-se que o mesmo não se consumará sempre e enquanto se mostre o agente sob vigilância e sob encalço do ofendido ou alguém por si, sob pena de, a assim se não entender, se alargar o âmbito da punição de forma desmesurada, L. E todos os preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação recta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do princípio da Interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa, constituindo a essência do princípio da Igualdade não em tratar tudo por Igual sob pena de, por paradoxal que pareça, gerar manifesta e clara desigualdade, mas sim em tratar de forma igualo igual e de forma diferenciada o desigual M. Têm-se por violados os princípios da Igualdade, proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio do Direito Penal que assim se vê convocado quando a litigiosidade e danosidade material se mostra secundária e a "justiça restauradora" uma realidade ao alcance da devolução dos bens, que in casu foram inequívoca e efectivamente recuperados pelo que nenhuma lesão sensível ocorreu para a ofendida, não devendo unir o julgador o que o legislador desuniu, tratando igualmente situações material e lesivamente desiguais, N. Mostra-se a recorrente condenada em pena de multa fixada em 200 dias (passagem 04,04 a 04:09), entendendo-se tal medida como excessiva e violadora do princípio da culpa e da proporcionalidade, consagrados nos nº 2 e 3 do art. 40° CP bem como as exigências de prevenção e reintegração do agente na sociedade plasmadas no nº 1 de tal disposição legal O. Cumpre referir que não foi a loja lesada nesse montante uma vez que todos os bens foram recuperados, devendo tal facto ser igualmente levado em linha de conta para a determinação da medida da pena conjuntamente com um maior peso a ser atribuído à inexistência de condenações anteriores, diminuta expressão dos factos e ausência de danos...

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