Acórdão nº 748-A/2002.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução12 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório.

    1. O presente recurso de agravo surge no âmbito da execução com processo ordinário instaurada pelo Banco (…) S. A. contra os executados MM (…) Lda, CC (…) e CM (…) para obter o pagamento da quantia €626.970,54 euros, e respeita à sentença que declarou a recorrida A (…), S. A., habilitada como cessionária a suceder no lugar ocupado pelo exequente Banco (…) e a prosseguir com a execução.

      Para o efeito, a recorrida alegou que, por escritura pública de 03 de Abril de 2006, o Banco (…) S. A., cedeu o crédito dado à execução, à empresa A (…), a qual, por sua vez, em 16 de Maio de 2006, o cedeu, mediante negócio formalizado em documento particular, à requerente A (…) S. A., e, daí o pedido no sentido de ser admitida a ocupar a posição do primitivo exequente.

    2. Os executados opuseram-se a esta pretensão invocando a nulidade da cessão de créditos efectuada por parte da empresa A (…) para a requerente A (…) S. A., por não ter sido celebrada por escritura pública, como determina o artigo 578.º, n.º 2 do Código Civil, bem como pelo facto de existir impossibilidade do respectivo objecto, nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil, pois a cessão de créditos só produz efeitos sobre o devedor depois de lhe ter sido comunicada, como dispõe o artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil, sendo certo que não foi comunicada previamente aos executados qualquer uma das duas cessões de créditos invocadas.

      Por conseguinte, a segunda das cessões não podia ter ocorrido, pois a primeira, por falta de notificação aos executados, ainda não tinha produzido quaisquer efeitos sobre estes, não sendo suprível tal falta de notificação pela comunicação de tal cessão efectuada, só agora, no âmbito do incidente de habilitação.

      Os recorrentes defendem esta posição com base na segurança que deve estar subjacente ao comércio jurídico, não sendo admissível, sob pena de inconstitucionalidade (artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), a situação de desconhecimento por parte do devedor em relação à identidade do credor.

      Acrescentam ainda que as cessões de créditos sempre serão ineficazes em relação aos executados, devido ao facto de as mesmas não lhes terem sido comunicadas, tal como dispõe o n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil, integrando tal notificação a própria causa de pedir do presente incidente de habilitação, o que implica que já tenha de existir antes da dedução do incidente.

      Por fim, referiram que relativamente aos executados pessoas singulares, estes são avalistas e, por isso, são chamados «…a responder perante o credor a título pessoal pelo direito que o título materializa» (cf. artigo 59 da contestação), pelo que, como na cessão invocada não foram endossados os títulos (livranças) para a cessionária, esta última não tem quaisquer direitos contra os avalistas.

    3. A requerente respondeu referindo não existir o apontado vício de forma, na medida em que a mencionada cessão podia ter sido, como foi, celebrada por documento particular, por ser essa a forma exigida pelo n.º 1, do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, tendo a respectiva operação sido aprovada pela entidade reguladora, ou seja, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

      Relativamente à nulidade da cessão argumentou que, face ao regime da titularização de créditos constante do mencionado decreto-lei, a cessão em causa é eficaz logo que realizada, mesmo sem o conhecimento do devedor, sendo certo que, face ao disposto no artigo 577.º do Código Civil, a cessão pode ser levada ao conhecimento do devedor por via da notificação feita para os termos do próprio incidente de habilitação, pois a mesma não depende da aceitação do devedor e, por isso, o devedor tem de se conformar com ela.

      Por fim, quanto à posição dos executados avalistas, refere que a execução foi instaurada pelo portador da livrança e, pela cessão, o cessionário entrou na posse da livrança, nos termos permitidos pelos artigos 424.º do Código Civil (cessão da posição contratual) e artigo 56.º do Código de Processo Civil (legitimidade no caso de sucessão no direito).

    4. No despacho saneador que se seguiu, o tribunal declarou habilitada a recorrida A (…) SA para prosseguir a execução no lugar do exequente Banco (…), S.A., tendo-se considerado, para o efeito, que não ocorriam vícios de forma e que a validade da cessão efectuada ao abrigo do regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, não dependia da notificação da cessão ao devedor.

    5. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, no qual os executados insistem nos argumentos que serviram de base à contestação, salvo quanto à questão da nulidade por vício de forma, que deixaram cair, acrescentando ainda que a decisão sob recurso padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão dos avais prestados pelos executados pessoas singulares.

      Os recorrentes concluíram as alegações, desta forma: «…7.

      ln casu, nenhuma das duas cessões foi comunicada aos ora Agravantes, nem a primeira (agora em discussão), entre Banco (…), SA e A (…) LLC, nem a segunda, entre esta última entidade e a habilitante (conforme infra se demonstrará).

      (…) 9. Tal negócio, porque não notificado, jamais produziu efeitos sobre os Agravantes e, assim sendo, não podia a A (…), LLC, transmitir à habilitante e Agravada um direito ineficaz sobre a parte devedora.

      1. O objecto do negócio entre A (…)LLC e a habilitante é impossível e, por isso, ao abrigo do disposto no art. 280.º/1 do Código Civil fica inexoravelmente ferido de nulidade, pelo que carece de efeitos jurídicos, vício que expressamente se invoca.

      2. O que foi ignorado na Douta Decisão ora em crise, existindo como tal, manifesta omissão de pronúncia.

      3. Nem pode pretender suprir-se a inexistência de comunicação, notificando, ela mesma, os agravantes da cessão de crédito, pois a posição jurídica em que sucedeu deveria ter sido, previamente, comunicada aos agravantes para que pudesse, mais tarde, uma segunda transmissão dos mesmos créditos ser sobre eles eficaz.

      4. Não se pode, em caso algum, admitir é que um conjunto múltiplo de entidades entre si venha transmitindo sucessiva e repetidamente um direito creditório sobre os agravados sem que estes alguma vez sejam de tal notificados.

      5. Tal procedimento viola, de forma patente, a premissa elementar de Segurança Jurídica que enforma o nosso Direito Civil, já que nenhum devedor, em nenhum momento, poderia conhecer com certeza a identidade da pessoa jurídica perante quem deve solver a sua obrigação.

      6. O quadro da Lei positiva pretende conferir, em sentido contrário, efectiva segurança aos operadores no comércio jurídico, asseverando-lhes com clareza da entidade a quem devem satisfazer a prestação debitória para encerrar definitivamente a relação obrigacional onde estão inseridos, e consequentemente, entendimento diverso ao que ora se propugna redundaria em manifesta e grosseira inconstitucionalidade (cfr. art. 27.º/1 da CRP).

      7. (…).

      8. Nenhuma das cessões de créditos foi notificada aos agravantes (sem prejuízo do que infra se dirá quanto à parte decisória relativamente à desnecessidade dessa notificação no que concerne à 2.ª transmissão), a qual é condição da sua eficácia e, consequentemente, da sua exigibilidade perante os agravantes, também já se referiu e aqui se reitera (cfr. art. 583.º/1 do Código Civil).

      9. A obrigação, para ser objecto de execução coerciva, tem de ser exigível.

      10. Não sendo a dívida exigível perante os agravantes, pois que temos que a habilitação não é possível, pelo que o presente Incidente se encontra vaticinado ao fracasso.

      11. Nem se venha dizer que a notificação dos aqui agravantes para o Incidente de Habilitação convola a necessidade de notificação como condição de eficácia da cessão sobre os mesmos, pois os recorrentes foram convocados para vir discutir da admissibilidade da habilitação, apenas e tão-somente, e um dos fundamentos que podem convocar para conduzir à sua improcedência é, precisamente, a falta de eficácia da cessão sobre si.

      12. (…).

      13. Não consta da factualidade provada, nem da prova documental dos autos, nem o objecto social da sociedade A (…), LLC, nem o tipo de sociedade que a mesma representa, para que se possa concluir que a mesma se encontra abrangido pelo art. 6.º n.º 4 do DL n.º 453/99 de 05.11, na redacção conferida pelo DL n.º 82/2002 de 05.04.

      14. O DL n.º 453/99 de 05.11, na redacção conferida pelo DL n.º 82/2002 de 05.04, cuja vigência se operou 5 dias após a sua publicação (cfr. art. 3.º) refere no n.º 1 do art. 6.º, sob a epígrafe "Efeitos da Cessão" que "1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, a eficácia da cessão para titularização em relação aos devedores fica dependente de notificação.

      15. O que não se verificou como resulta à saciedade dos autos.

      16. Para que se possa verificar a «dispensa» de notificação, a sociedade cedente tem de pertencer a um dos tipos aludidos neste transcrito n.º 4 e, reitera-se, não resulta dos autos qualquer referência ao tipo de actividade/sociedade visado pela cedente A (…) LLC.

      17. Certo é que não se trata de uma Instituição de Crédito e entendem os agravantes que também não integra a previsão de sociedade financeira, nos termos do disposto no art. 5.º do RGICSF aplicável à data da cessão (16.05.2006), muito menos os demais tipos de sociedades previstos no já referido e transcrito n.º 4 do art. 6.º do DL n.º 453/99 de 05.11, na redacção conferida pelo DL n.º 82/2002 de 05.04.

      18. Igualmente em sede da segunda transmissão, contrariamente ao entendido pelo Douto Tribunal a quo, a notificação dos agravantes era legalmente imposta e não foi cumprida, verificando-se os pressupostos aludidos nos pontos supra quanto à ineficácia da transmissão perante os aqui agravantes.

      19. Os agravantes, em sede de oposição ao incidente de Habilitação, suscitaram a ilegitimidade da Habilitante e ora agravada para demandar os avalistas o que não mereceu qualquer posição por parte do Douto Tribunal na sentença que veio a proferir, corporizando nulidade por...

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