Acórdão nº 31/11.5PEVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução23 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório 1. No âmbito do processo comum colectivo n.º 31/10.5PEVIS do Tribunal Judicial de ..., o arguido A..., residente na Rua … , ..., actualmente detido no Estabelecimento Prisional de ..., foi condenado como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido, pelo art. 21º, nº1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A,I-B e I-C anexa a tal diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.

    1. Inconformado com a decisão recorre o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. O arguido confessou toda a factualidade descrita na acusação, com excepção de que tivesse procedido à venda de haxixe, facto este que não se provou.

    2. A prova produzida resultou exclusivamente da confissão do arguido em audiência de discussão e julgamento, e dos autos de apreensão de produto estupefaciente de fls. 30/31 e 216 a 224 e dos relatórios de exame toxicológico de fls. 166/167, 340 e 403/404.

    3. A postura do arguido foi importante para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.

    4. O arguido ao confessar os factos que lhe vinham imputados, esclareceu o tribunal sobre o modo como se desenvolveu a sua actividade de tráfico e dessa forma mostrou o seu arrependimento pela prática dos factos pelos quais foi condenado.

    5. Permitiu até considerar na factualidade provada alguns factos que não constando da acusação, foram por ele trazidos a tribunal.

    6. Postura essa que evidencia que o arguido começa agora a interiorizar o carácter reprovável das suas actuações.

    7. À data dos factos o arguido era consumidor de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e haxixe, consumia, em média, diariamente, três a quatro gramas de cocaína e dez gramas de haxixe.

    8. A actividade de tráfico do Arguido cingiu-se a um período máximo menos três meses e apenas foram identificados dez consumidores.

    9. A ilicitude dos factos praticados pelo arguido mostra-se consideravelmente diminuída.

    10. O arguido actuava sozinho, sem qualquer estrutura organizativa.

    11. A personalidade do Arguido aponta mais para um dealer de rua do que para um grande traficante, relegando-o para o elo final da cadeia comercial, o que desvaloriza a sua intervenção no mercado do tráfico.

    12. O arguido interiorizou o desvalor da sua conduta e tem vontade de se tratar e de sair da toxicodependência, e, também por isso colaborou com o tribunal e confessou os factos de que vinha acusado, confissão que foi até para além dos factos da acusação como supra se referiu.

    13. O arguido frequenta um tratamento para combater a sua toxicodependência.

    14. A postura de colaboração assumida pelo arguido na audiência de julgamento “evidencia que tal arguido começa agora a interiorizar o carácter reprovável das suas actuações”.

    15. A conduta do arguido deveria ter sido enquadrada na previsão do artigo 25° do D.L 15/93 e condenando-o à respectiva pena, cuja moldura penal é de um a cinco anos de prisão, o que não se fez.

    16. O arguido era toxicodependente à data da prática dos factos, e que justifica a pequena dimensão da actividade delituosa perpetrada pelo Arguido, não perpetuou grande tráfico, mas sim pequeno tráfico, preenchendo a sua conduta de forma correcta e proporcional o tipo privilegiado p. e . p. no artigo. 25 do D. L. n.° 15/93 de 22/01.

    17. Não pode o tribunal a quo, face à factualidade provada, deixar de enquadrar o comportamento ilícito do arguido na prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, prevista no artigo 25° a) do D.L. 15/93.

    18. O Tribunal a quo violou o preceituado nos art.s 21° e 25° a) do D.L 15/93 de 22/01,art. 32° n° 2 da C R P. o principio do in dubio pro reo, 40°, 71° do C.P.

    19. A pena aplicada ao arguido é manifestamente exagerada e excessiva e ultrapassa a medida da sua culpa e não atende às necessidades de prevenção especial, nomeadamente à ressocialização do arguido.

    20. Militam a favor do arguido as suas modestas condições de vida.

      Lei Violada: Art.s 21° e 25° a) do D.L.

      15/93 de 22/01.art. 32° n° 2 da C.R.P. (o principio do in dubio pro reo), 40°. 71° do CP Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas., doutamente suprirão, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência ser o douto acórdão recorrido reparado com as premissas supra expostas, concluindo-se pela integração dos factos praticados no crime de tráfico de menor gravidade, e alterando-se, diminuindo-a, a medida da pena, Assim se fazendo JUSTIÇA” 3.

      Na 1.ª instância respondeu ao recurso o Digno Procurador da República, concluindo: “(…) 1. À factualidade assente foi dado correcto enquadramento jurídico-penal.

    21. Tendo presente as finalidades da punição, a culpa do agente e as exigências de prevenção, sem haver deixado de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra aquele, o Tribunal determinou, com critério, a pena concreta aplicada ao arguido/recorrente.

    22. Essa pena de cinco (5) anos e dois (2) meses de prisão mostra-se ajustada à gravidade dos factos em ponderação e a uma personalidade que evidencia propensão para o crime, total indiferença pelas regras jurídicas que disciplinam a vida em sociedade e por elevados bens jurídicos merecedores da tutela do direito penal.

    23. O douto acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal e, designadamente, o preceituado nos artigos 21.° e 25° a) do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, artigo 32.°, n.° 2, da C.R.P., o princípio do in dubio pro reo e os artigos 40° e 71° do Código Penal.

    24. Nestes termos e pelo mais que, V.as Ex.as, Venerandos Juizes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, julgando-se improcedente o recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o douto acórdão condenatório recorrido, far-se-à Justiça.” 4. O Ilustre Procurador - Geral Adjunto na Relação, aderindo, no essencial, aos termos da resposta do Ministério Público em 1.ª instância, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e integralmente confirmada a decisão recorrida.

    25. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve resposta.

    26. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar.

  2. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

    No caso concreto, face às conclusões apresentadas, incumbe apreciar apenas questões de direito: · a conduta do recorrente integra a infracção prevista no art. 21º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, ou antes a do art. 25º, do mesmo diploma; · se a pena aplicada é excessiva.

    1. A decisão recorrida 2.1. No acórdão recorrido constam como provados os seguintes factos: «1. Em data imprecisa dos finais de 2010, o arguido, que então residia na Rua … ..., passou a dedicar-se à comercialização de heroína e cocaína através da venda dessas substâncias a terceiros, mediante a cobrança de um preço superior ao despendido por ele com a respectiva compra, como forma de obter os proventos de que necessitava para custear o seu sustento e para se proporcionar melhores condições de vida.

    2. Em execução desse propósito, passou a deslocar-se ao Porto – normalmente ao Bairro de S. Roque – para adquirir esses produtos estupefacientes, destinando parte da cocaína também ao seu consumo pessoal.

    3. A partir do início de 2011 era já com frequência quase diária que se deslocava ao Porto, onde adquiria, em regra, cerca de 30 a 40 gramas de heroína e 20 gramas de cocaína que depois, já em ..., doseava para a entrega directa aos consumidores.

    4. Nas suas deslocações ao Porto para adquirir aquelas substâncias e na entrega destas aos consumidores que fornecia utilizava, normalmente, os veículos de consumidores que o acompanhavam.

    5. O arguido comprava a heroína a cerca de 20,00€ a grama e, após a dosear em porções menores, obtinha um montante de 50,00€ a grama, Com a venda de tal produto estupefaciente e, bem assim, da cocaína, o arguido obtinha um rendimento semanal entre 700 e 750 euros.

    6. Por vezes, alguns dos consumidores conhecidos do arguido serviam de intermediários a outros nessas aquisições de estupefacientes, designadamente quando esses outros não conheciam o arguido, socorrendo-se muitas vezes de informações de outros consumidores que permaneciam na zona de Santa Cristina, em ....

    7. O arguido exercia a sua descrita actividade de venda de heroína e cocaína na zona de Santa Cristina, em ..., sendo que também se deslocava, com alguma frequência, à zona da Isabelinha, na Rua Direita, após ter combinado com os consumidores aqueles locais.

    8. A partir dos finais do ano de 2010/início do ano de 2011, pelo menos, o arguido passou a vender heroína e cocaína fazendo de tal prática o seu único meio de subsistência.

    9. Esta actividade perdurou até 20 de Março de 2011, data em que o arguido foi detido para interrogatório judicial nestes autos.

    10. Na sua actividade de tráfico o arguido utilizava os telemóveis que lhe foram apreendidos aquando da sua detenção, sendo contactado pelos consumidores que pretendiam adquirir-lhe estupefacientes através do n.º 910111752.

    11. Estes telefonavam-lhe muitas vezes de cabines públicas mas também dos seus próprios telemóveis.

    12. O arguido, no mencionado período de tempo, abasteceu de heroína, e cocaína...

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