Acórdão nº 565/09.1T2ILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução29 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A 29 de Outubro de 2009, no Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, T (…) & Filhos, Lda.

instaurou acção declarativa sob forma sumária contra E (…), SA pedindo a condenação da ré ao pagamento da quantia de € 26.992,85.

A autora funda a sua pretensão na alegação, em síntese, de que um seu trabalhador foi vítima de um acidente de trabalho nas instalações da ré, provocado pela queda de um portão sobre o corpo do seu trabalhador, tendo a autora suportado o montante que peticiona da ré a título de despesas de tratamento do seu trabalhador, de pensão por acidente de trabalho e indemnização por incapacidade temporária, na qualidade de entidade responsável por acidente de trabalho.

Efectuada a citação da ré, esta contestou imputando a ocorrência do sinistro a culpa exclusiva do trabalhador da autora, pugnando pela total improcedência da acção.

E (…), SA requereu a intervenção acessória de Serralharia (…) Lda.

por ter sido a construtora do portão que caiu sobre o corpo do trabalhador da autora e por ter procedido à sua montagem e a fim de acautelar um eventual direito de regresso contra a chamada.

A autora pronunciou-se pela inadmissibilidade legal do incidente de intervenção acessória provocada.

Proferiu-se despacho a admitir a intervenção acessória de Serralharia (…)Lda.

, tendo esta sido citada.

Serralharia (…) Lda.

contestou invocando a excepção peremptória de prescrição do direito accionado pela autora, bem como a culpa do lesado, requerendo a intervenção acessória da sua seguradora de responsabilidade civil, pugnando, a final, pela total improcedência da acção.

A autora ofereceu articulado em que se pronunciou pela improcedência da excepção de prescrição invocada pela interveniente acessória.

Indeferiu-se a intervenção acessória da seguradora da responsabilidade civil de Serralharia (…), Lda.

, fixou-se o valor da causa em € 26.992,85, proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela interveniente acessória e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.

As partes ofereceram as suas provas, requerendo ambas a gravação da audiência final.

Entretanto deu-se conhecimento da mudança da firma da ré que passou a denominar-se P (…), SA.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se à matéria incluída na base instrutória, proferindo-se seguidamente sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

Inconformada com a decisão final, T (…) & Filhos, Lda.

interpôs recurso de apelação terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) A ré ofereceu contra-alegações em que alega que não tendo a autora sequer provado o pagamento dos montantes reclamados nestes autos, não tem o direito de regresso que exerce nestes autos, o que por si só determina necessariamente a improcedência da acção, pugnando, além disso, pela improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto e pela oneração da autora com a prova de que a queda do portão que vitimou o seu trabalhador se deveu a defeito de conservação, concluindo pela total improcedência do recurso.

Proferiu-se despacho a convidar a Sra. Advogada da recorrente a juntar aos autos procuração forense e a ratificar o processado, despacho que foi acatado.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da impugnação das respostas aos artigos 9º, 13º, 16º e 17º da base instrutória; 2.2 Do ónus da prova da deficiência de conservação do portão que vitimou o empregado da autora.

  1. Fundamentos 3.1 Da impugnação das respostas aos artigos 9º, 13º, 16º e 17º da base instrutória A autora insurge-se contra as respostas dadas aos artigos 9º, 13º, 16º e 17º da base instrutória, não impugnando qualquer outra das respostas dadas pelo tribunal a quo à matéria controvertida, nomeadamente as respostas que incidiram sobre os montantes alegadamente pagos por si[1].

    Neste quadro factual, tendo em conta que a autora é uma lesada indirecta, importa ajuizar da “utilidade” da impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente.

    Tradicionalmente, com base no disposto nos artigos 495º e 496º, nº 2, ambos do Código Civil, sustenta-se que a titularidade do direito de indemnização com fundamento em facto ilícito só compete a terceiros nos casos expressamente previstos na lei[2], não sendo as normas em causa passíveis de aplicação analógica, dado serem excepcionais, nem sendo caso de interpretação extensiva por resultar dos trabalhos preparatórios do Código Civil que a intenção do legislador foi limitar a indemnização a terceiros aos casos como tal previstos[3]. Nesta orientação, o direito de indemnização competiria ao titular do direito subjectivo ou do interesse legítimo protegido atingido directamente por acção ou omissão geradora da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito.

    Esta visão clássica foi desde cedo objecto de crítica, primeiramente a nível doutrinal e depois com cada vez maiores apoios doutrinais e jurisprudenciais, com fundamentações nem sempre coincidentes. Assim, logo em 1972, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 1970[4], o Professor Adriano Vaz Serra referia que “Mas, embora sejam excepcionais as disposições que reconhecem a certos parentes do lesado imediato um direito de indemnização elas são susceptíveis de interpretação extensiva (Cód. Civil, art. 11.º), e, por conseguinte, de extensão a outros casos compreendidos no espírito da lei.

    De resto, pode ser que a lesão do lesado imediato seja acompanhada da lesão de um direito ou bem juridicamente protegido de um dos seus parentes, havendo então uma lesão imediata deste, e não já uma simples lesão mediata (isto é, um dano de terceiro), como se, por ex., uma mãe sofre uma depressão nervosa pelo facto de seu filho ser atropelado, ou um filho sofre um grave choque espiritual com consequentes perturbações nervosas por assistir à morte ou atropelamento de seu pai.

    Nestes casos, o direito de indemnização da mãe ou do filho não é um direito de indemnização de terceiro, mas um direito de indemnização fundado na violação ilícita imediata de um direito deles (direito à...

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